Se alguém sentiu falta de protagonismo feminino em filmes de ação, então “Atomic Blonde” satisfaz essa necessidade. No papel principal da tal loira atômica, ninguém menos que Charlize Theron, que dois anos atrás roubou a cena no grandioso “Mad Max: Fury Road“. Por mais que o nome de sua personagem não esteja no título, a atenção do público se voltou para sua presença de cena e atuação muito acima do nível do gênero. Mas e agora, como Theron se sai em seu próprio filme? Certamente não tão bem quanto antes. Uma coleção impressionante de músicas de época e visuais imersos no Neon não salvam uma obra confusa e limitada.
O ano é 1989, o lugar é Berlim e o clima, caótico. A pressão para a derrocada do Muro de Berlim, um dos grandes símbolos da Guerra Fria, está cada vez pior e ameaça virar a cidade ao avesso. Nesta desordem, um agente é assassinado e roubado. Ele carregava um microfilme com uma lista de agentes do serviço secreto e as missões em que participaram, informações inestimáveis para os russos. Cabe a Lorraine Broughton (Charlize Theron) impedir que o objeto caia em mãos erradas e complique tensões políticas criticamente.
“Atomic Blonde” é como um “John Wick” protagonizado por uma mulher e com Nicolas Winding Refn no Design de Produção. Essencialmente, combina as coreografias físicas e brutais do primeiro com a estilização Neon do último, sendo acompanhados das canções de New Order, Depeche Mode, Falco e outros artistas dos Anos 80. É uma combinação interessante, não vou negar, mas, por si, não é o bastante para render um resultado positivo. Todavia, também não é um desastre total. São estes elementos os responsáveis pelas melhores partes deste longa, ao passo que a manipulação deles deixa muito a desejar. O problema não é a escolha dos ingredientes, e sim como são usados. Neste caso, roteiro e direção.
Os problemas de “Atomic Blonde” aparecem numa dinâmica de decadência. Inicialmente, a junção de uma cena de perseguição com “Blue Monday” do New Order impressiona por encaixar tão bem. As primeiras vezes cumprem sua função de dar uma identidade única à obra: música pop num ambiente politicamente instável. Entra o Neon em jogo e tira um pouco do lado sujo da Berlim da época, com ruas cheias de lixo, centenas de tons de cinza dos prédios depredados e o céu eternamente nublado. Cria-se um charme em torno da protagonista, que não alguém que se perde na mediocridade do resto da população. Como o título sugere, ela é uma loira atômica, uma mulher que chama a atenção por onde vai. De seu jeito, é como se fosse um James Bond feminino, que até nos tiroteios e trocas de murros está de salto alto e elegante. Não faz diferença alguma no desempenho dela, claro, pois ela está acima destas limitações de vestuário.
Entretanto, o sucesso destes elementos passa rápido. “Atomic Blonde” revela que seus únicos truques são esses e, logo, já não faz mais diferença qual canção está tocando, pois é a décima vez que acontece. Fica bem claro que a trilha sonora passa a ser usada como muleta para imagens sem muito a dizer. Muitas vezes, são tomadas pouco relevantes cujo único atrativo é um pouco de sincronia com a música de fundo. Não é nenhum “Baby Driver” nesse quesito. Mas não é só culpa da direção repetir a mesma técnica várias vezes. O roteiro é devagar, confuso e de conclusões pouco satisfatórias. Se falta conteúdo para ilustrar com imagens, faz sentido que a direção apele para outros recursos. Em suma, os poucos momentos bons são ocasionais sequências de ação com realismo brutal bem coreografado. O sexo da protagonista não é apenas uma jogada política, estilística ou arbitrária, mas um modo de incrementar a ação com a dificuldade dela de enfrentar homens maiores e mais fortes, mas não mais hábeis que ela. As melhores cenas deste tipo são justamente as que conseguem ressaltar algum tipo de dificuldade ou limitação, requerendo uma adaptação rápida — e raramente pouco dolorosa — da personagem diante de falta de balas, inimigos em maioria ou agentes duplos. Infelizmente, nem todas conseguem este feito.
Então há a personagem principal, propriamente dita. Para alguém que dá nome a “Atomic Blonde”, ela surpreende por ser tão desinteressante e rasa. Que fique claro: não tenho problema com o fato dela ser mulher, meu incômodo provém da atuação de Charlize Theron e da escrita da personagem. O conceito de colocar uma mulher como espiã funciona especialmente bem nas elogiadas cenas de ação, mas é mal representado em todo o resto. Lorraine é de poucas palavras e muita atitude. Quando não está desfilando pelas ruas de Berlim usando óculos escuros chamativos e roupas eternamente elegantes, ela arranja um jeito de se destacar. Seu descanso é um banho em pedras de gelo e copos de Stolichnaya virados como se fossem água. Ela só fala quando é absolutamente necessário, soltando palavras sussurradas lentamente entre tragadas de cigarro. Theron se esforça tanto para criar uma personagem misteriosa e durona que cria um estereótipo exagerado. Não há nada de cativante em sua personalidade. Qualquer atrativo fica a cargo da caracterização e da ação, nunca de um desenvolvimento de personagem ou alguma individualidade — como os bordões de 007.
Criticar um filme costuma ser um exercício elucidativo em relação ao que compõe a obra. A repetição cansativa de colocar uma música popular alimentando as cenas não é um problema isolado, pois revela uma carência de conteúdo do roteiro. Este último, por sua vez, mostra-se limitado por não saber usar pontos elementares de uma história de espião, apenas jogando cenas de luta, perseguições, mudanças de lado sem um elo forte unindo tudo. A busca pelo objeto perdido não preenche esse espaço, muito menos a protagonista. Se houver vontade de ver uma história sobre uma lista de espiões que cai em mãos erradas quando um agente do Serviço Secreto Britânico é assassinado, recomendo “Skyfall“. É uma experiência muito mais satisfatória em todos os sentidos.
4 comments
Achei o filme muito bom. A gente tem que ficar ligado, pois são muitas informações! Charlize está lindíssima e abafa tudo!! Ela está ali é para aparecer mesmo e ela pode , é bela demais. É uma espiã, seu lema é matar ou morrer, é solitária, é triste, não há ilusões. É também forte, brutal!!!!!!!l!! E que olhos!! Aff!!!
Essa crítica é muito rasa, namoral. O filme é incrível, as cenas de luta são super coreografadas e bem editadas, são um show, que a título de comparação – o que foi feito durante todo o texto – são muito melhores que as de 007 e outros filmes de espionagem. A Charlize tá incrível, apesar de fechada, a personagem transparece os seus sentimentos e desconfianças. E o James McAvoy tá sensacional também.
É muito triste ver que se cobra demais de um filme com uma mulher protagonizando. Sua crítica basicamente foi um texto de comparação com outros filmes de ação. É importante julgar um filme por ele mesmo.
Além disso, 007 demorou mais de 40 anos para humanizar James Bond, mas isso é cobrado num filme único. Em John Wick, o Keanu Reeves tem a mesma expressão.
Atomic Blonde é um Atomic Blonde, não John Wick ou 007 feminino, não faz sentido comprar histórias diferentes, de momentos diferentes, e derivados de mídias diferentes.
Achei péssima a crítica e as comparações. Análise rasa. O filme exige concentração para entendimento, não é perfeito e está longe disso. As cenas de ações são incríveis, muito reais (coisa que não me lembro em outros filmes se quer uma comparação. Sem falar da trilha sonora, espetacular.
Poderia dizer que a crítica péssima também exige concentração para entendimento, mas vou anotar sua recomendação e ir atrás de Ritalina e uma sessão de mindfulness pra quando eu decidir redescobrir a genialidade oculta de “Atômica”.