Às vezes não sei se foi meu gosto para filmes que mudou ou minhas memórias que distorceram-se. Sempre há aquele filme visto há anos que só deixa uma lembrança para trás, nem sempre uma confiável, como aprendi. Às vezes, por exemplo, lembro de algo como decente quando uma revisita anos mais tarde mostra algo diferente. Com “Exorcist: The Beginning”, lembrava que não concordava com as pessoas criticando-o ferrenhamente. Ainda que não fosse um grande filme de terror, tinha certo apreço por ele ter renovado minha vontade de reassistir o original. Com o passar do tempo, mantive a opinião de que era decente. Não é.
Anos antes do incidente com Regan MacNeil, Lankester Merrin (Stellan Skarsgård) havia aposentado batina e rosário para trabalhar com arqueologia, buscando artefatos e construções históricas ao redor do mundo. Então chega a ele a proposta peculiar de assumir a escavação de uma igreja cristã onde não deveria existir alguma. Depois de relutantemente aceitar, Merrin descobre que o absurdo de uma igreja estar enterrada ali não é o fato mais impressionante do lugar, há um mal antigo tomando conta de todos no lugar. Só há uma certeza: o que quer que esteja causando o caos entre as pessoas ali não é obra de nenhum humano.
Embora diferentes, os filmes da série “O Exorcista” sempre acabam girando em torno dos mesmos pontos. Todos centram-se na presença de um demônio praguejando vidas inocentes, envolvem o conflito de um personagem com a própria fé, culminam num confronto com o mal e resultam no eventual reencontro da fé. Mas o lado curioso de tudo isso é que as abordagens são bastante diferentes, até mesmo quando trechos do enredo são praticamente os mesmos. Não lembrava de algumas coisas deste longa de Renny Harlin até assistir a “Exorcist II: The Heretic” e notar as semelhanças. Ambos exploram o passado do Padre Merrin antes dele participar e falecer durante o exorcismo da garota MacNeil. Até a catástrofe narrativa do lixo do segundo filme retoma estes temas — caoticamente e sem muito sentido, mas eles estão ali. Comparativamente, “Exorcist: The Beginning” pode até ser considerado um avanço sobre o que quer que tentaram fazer nele, mas não é lá um modelo de execução. Deixa muito a desejar, para falar a verdade.
O grande inimigo das continuações de “The Exorcist” são os próprios estúdios. No caso de “Exorcist II: The Heretic“, os motivos são muitos para listar todos brevemente. Já “Exorcist: The Beginning” teve uma produção cheia de remorso. Ou melhor, duas delas. Quando um estúdio faz um filme e se arrepende na última hora, é preocupante; recomeçar a produção com outra equipe e outra entonação é ainda pior. Depois de se desapontar com o resultado de sua produção, o estúdio pediu uma nova versão para ser lançada logo. Considerando a pressa e o aparente desespero, a impressão que tive sobre tudo isso foi de que contrataram Renny Harlin como um diretor que trabalha rápido e tem um estilo mais comercial para terminar o projeto e dar um fim na confusão. Assim, criou-se outro exemplo de produção que faz as pessoas considerarem o adjetivo “comercial” como juízo negativo. Com a nova abordagem veio uma intenção consciente de adaptar o roteiro como um filme de terror mais convencional, resultando numa obra genérica e artificial. Se há algo que “The Exorcist” e suas continuações nunca foram, independentemente de qualidade, é convencional.
Transformar possessão demoníaca num antagonismo barato é simplificar ainda mais uma dinâmica que sempre separou claramente o preto do branco. Nunca houve ambiguidade moral nos filmes anteriores e também nunca houve problema com isso. O atrativo era um certo sadismo dos antagonistas na escolha das vítimas, como uma criança totalmente dócil ou um Padre tornarem-se avatares da profanidade. Usar o vilão como uma ferramenta de empilhar corpos e criar uma reviravolta incoerente, como acontece aqui, é como jogar fora muita promessa. Mas para não dizer que é um lixo completo, devo dizer que enxerguei muito potencial nessa história. Não pelos flashbacks do passado de Merrin, inseridos pelo mais óbvio e tosco motivo de reforçar seu conflito e falta de fé, mas pela tentativa de tornar o mal uma força com ímpeto de causar o caos num espectro mais amplo. Em vez de uma pessoa só, um povo inteiro cai sobre a influência de um conflito político-social já em construção desde o começo do filme. É o que Renny Harlin tenta — e falha — representar visualmente em “Exorcist: The Beginning”.
No geral, acredito que o diretor tenha uma parcela enorme de culpa pelo fracasso de “Exorcist: The Beginning”. Praticamente todas as suas escolhas de planos pareciam ser escolhidas pelo valor da estética ou da variação, sem uma razão prática por trás de um close up no estilo de Sergio Leone no meio de um diálogo completamente normal. Não funciona porque não há peso dramático na fala, logo não vai ser um enquadramento que tornará uma conversa sem sal em algo instigante. Diferentes tipos de planos são usados numa mesma cena com a mesma ausência de propósito. Juntando a variação da distância entre a câmera e o sujeito com uma duração de tomada ridiculamente curta, o produto final é uma demonstração de vários tipos de tomada numa disposição que é tudo menos lógica e ainda prejudica o ritmo visual das imagens. É completamente o oposto do que acontece num filme bem dirigido, no qual é quase difícil dizer por que a direção funciona bem com movimentos tão fluídos. Pensando melhor, é justamente a naturalidade que cria harmonia no trabalho de um diretor. Diante de tamanha falta de qualidade nas escolhas de planos, não daria para esperar muito do desempenho de Renny Harlin na direção do elenco. A maior parte dos atores entrega performances mornas e pouco inspiradas — até plenamente ruins — como se não estivessem sendo dirigidos ou interessados pelo projeto. Mas não culpo eles. Acho que eu também me sentiria pouco empolgado de fazer o mesmo filme duas vezes, um deles apressado e orientado por clichês. Sobre os efeitos especiais, quanto menos comentários, melhor. Não vale a pena chutar um cachorro morto.
Minhas memórias sobre “Exorcist: The Beginning” com certeza eram melhores do que a impressão atual. Lembro muito bem que o considerava um filme decente em sua proposta, mesmo que não fosse nada para se gabar ou algo próximo do original. Hoje em dia, posso afirmar com segurança que minha impressão caiu notavelmente e que o resultado final parece uma forma pobre de tentar executar melhor uma parte do escopo de “Exorcist II: The Heretic“. Considerando a curiosidade pelo passado do Padre Merrin e seu histórico com o demônio Pazuzu, a recompensa entregue foi um tanto decepcionante.