Foi bem difícil esperar qualquer coisa boa de uma continuação de “The Exorcist” depois de “Exorcist II: The Heretic“. Mesmo com tanta gente elogiando “The Exorcist III”, pensei que talvez a qualidade notada existisse mais pela comparação com o desastre anterior. Somando isso ao fato de dizerem que este é um filme bem diferente dos outros dois, passou pela minha cabeça que poderia ser mais um roteiro caótico, que busca ser diferente do original sem ter uma boa idéia para sustentar essa mudança. E assim, enganei-me novamente: gostei muito mais do que achei que seria possível. William Peter Blatty retorna como diretor e roteirista, adaptando seu livro “Legion” como a segunda continuação do original.
Depois de 15 anos do exorcismo feito pelos Padres Karras e Merrin, uma série de assassinatos de cunho religioso passa a assolar Georgetown. Novamente, o Tenente Bill Kinderman (George C. Scott) assume o caso e, novamente, ele se surpreende com a falta de sentido das coisas. As vítimas, escolhidas sem nenhum padrão aparente, costumam ser decapitadas e possuem algum símbolo religioso acoplado nos corpos, como uma noção distorcida de obra de arte. Todas as evidências apontam para o estilo de um infame assassino em série e, mesmo assim, totalmente inútil. Seria um bom ponto de partida se o criminoso não tivesse sido capturado e executado anos antes.
As defesas mais comuns de “Exorcist II: The Heretic” — ou reduções de danos, refraseando — giram em torno da proposta de ser diferente do original. Por mais que o resultado seja muito dificilmente defensável, algumas pessoas acharam partes decentes entre tantas outras de péssimo gosto, traços de uma história que um dia já foi boa. É o que Linda Blair disse sobre o roteiro, o qual era de qualidade antes de ser reescrito cinco vezes em meio às filmagens. Quando nem o diretor sabia como terminar a história, dificilmente algo bom sairia. Por um lado, a presença de William Peter Blatty como diretor, roteirista e autor do livro poderia indicar unidade dos elementos narrativos e evitar interpretações errôneas. Em vez de passar por cima apenas do roteirista, o estúdio teria de encarar diretor e roteirista para fazer quaisquer mudanças. Teoricamente, mais difícil. E foi isso que a Morgan Creek fez: regravou várias cenas, adicionou personagens e inseriu novas sequências. Com isso em mente, fico surpreso de “The Exorcist III” não ter sido uma catástrofe também.
De certa forma, tanto “The Exorcist III” como “Exorcist II: The Heretic” partem de um ponto parecido. Ambos retomam eventos traumáticos sob um viés retrospectivo, como uma má lembrança na vida dos personagens. A grande diferença entre eles é que o terceiro filme faz jus à inovação, sendo ótimo em sua proposta ao invés de diferente pelo simples fato de ser. É tudo o que seu predecessor não foi: uma abordagem nova sobre um mesmo conteúdo. “Legion”, o livro que serviu de base, é uma história de investigação policial com elementos sobrenaturais sem lidar diretamente com padres e exorcismos. Já fica claro logo nos primeiros minutos que este longa não é como o original. Gente está morrendo e ninguém tem idéia de como proceder, pois o único possível responsável está morto há anos. Então retoma-se a noção de Kinderman, um policial de crenças mundanas, lidar com o que não conhece nem acredita, caminhando numa terra de ninguém junto de uma audiência igualmente desinformada.
“The Exorcist III” funciona porque, assim como o protagonista, o espectador não sabe para onde a história pode ir. Não havia quase nenhum material para uma sequência de “The Exorcist” porque o enredo é sólido em sua conclusão. A não ser que repetissem a fórmula de exorcizar um demônio com a ajuda de Padres, é uma proposta que depende muito mais de si mesma para funcionar. É fácil parar vez ou outra e pensar no que torna o longa em algo mais do que um filme policial qualquer, mas esta é a mágica de tudo: Blatty dá uma identidade original para sua história e manipula seus dois grandes mistérios. A questão de como tudo se conecta aos eventos do primeiro filme é acompanhada do enigma sobre o assassino. No centro destes dois pólos há Bill Kinderman como o homem presente durante ambos o exorcismo de Regan MacNeil e, mais tarde, a investigação dos assassinatos. Como diretor e roteirista, William Peter Blatty surpreendeu meu ceticismo ao explorar o sobrenatural com o olhar objetivo e racionalista de Kinderman sem nunca distorcer os eventos sob esse ponto de vista. Possessão demoníaca e religião não são materializados em uma máquina de hipnose, mas confrontados por um personagem que os nega até a hora em que se vê questionando suas certezas. Essencialmente, a história traz as maiores conquistas do longa. Uma releitura de temas clássicos que ligam-se ao material original sem depender demais dele ou ir longe a ponto de não fazer sentido.
Puristas podem estranhar um pouco a nova face do protagonista. Bill Kinderman está em seus últimos anos na força de polícia, mas não demonstra sinais de desleixo por isso. Seu comprometimento é visível e contrastante com o de seus companheiros desinteressados em investigar o caso. Justamente o homem de pouca fé mergulhar num caso de cunho religioso abre oportunidades de construção de personagem que o papel de Lee J. Cobb nunca teve. Só fico sem entender como o comitê do Framboesa de Ouro teve a coragem de indicar George C. Scott como Pior Ator. Estou para ver alguma atuação ruim sua e com certeza não foi em “The Exorcist III” que encontrei um bom candidato. Tudo bem, não é seu papel mais forte ou profundo. Scott cumpre a demanda sem elevar a interpretação até as melhores de sua carreira, como em “Patton“. É competente o bastante para não levantar críticas e até rende algumas das clássicas explosões zangadas do ator, que dão toques do azedume e intolerância típicos da velhice. Mas de todo o elenco, o grande destaque vai para Brad Dourif. Prefiro não dizer muito sobre seu personagem porque não vem ao caso, porém sua performance como um homem insano merece espaço aqui. Os grandes momentos de “The Exorcist III” existem graças a seus monólogos longos e sempre engajantes, responsáveis pelo terror insanamente malévolo da história. São momentos que dão liberdade total para o ator soltar-se completamente, quando uma inconsistência no tom de voz deixa de ser um deslize e torna-se outra falha da mente perturbada do personagem. Comparando com um exemplo moderno, seria a combinação da instabilidade do Coringa com um tom mais sinistro e até variações súbitas de personalidade. Definitivamente rouba as cenas em que está presente.
Meu primeiro encontro com “The Exorcist III” foi numa locadora chamada Nosferatu há pouco mais de 12 anos, que tinha filmes menos populares em seu acervo. Não havia internet decente na época, então foi uma grande surpresa descobrir que havia uma uma segunda continuação para o clássico de William Friedkin vendo-a bem na minha frente. Todo esse tempo de espera para assistir foi muito melhor recompensado do que eu poderia esperar, especialmente depois de ser relembrado do horror de “Exorcist II: The Heretic“. Emprestando mais elementos do gênero Policial do que do Terror, este longa caracteriza-se como um excelente modelo de continuação. Perto o bastante do que veio antes com o envolvimento de religião e o sobrenatural; e original a ponto de se sustentar sozinho com sua estrutura de investigação policial. Possivelmente a continuação definitiva do clássico de 1973.