Já sabia que a reputação de “Exorcist II: The Heretic” não era das melhores ou, eufemismos à parte, ouvi muitos falarem que era uma das piores continuações da história. Por algum motivo, coloquei na cabeça que a reputação só era tão negativa porque os críticos comparavam com o original. Talvez fosse um caso de expectativa não correspondida; um longa condenando por ser diferente, não necessariamente ruim. Considerando que Martin Scorsese e Pauline Kael gostaram mais dele do que do primeiro, poderia ter sido o caso. A verdade, por outro lado, estava em total descordo com meu pseudo-otimismo. Assistir a esta continuação só me deixou imensamente curioso por quais centenas de problemas resultaram neste desastre tão memorável por suas falhas quanto “The Exorcist” o é pela sua qualidade. As piores continuações da história do cinema ainda têm de piorar muito pra chegar neste nível.
Quatro anos após os eventos traumáticos em Georgetown, a família MacNeil muda-se para Nova York em busca de uma nova vida. Com a mãe em viagem, Regan (Linda Blair) fica aos cuidados de Sharon (Kitty Winn), sua antiga governanta, e Gene Tuskin (Louise Fletcher), a psiquiatra encarregada pelo seu tratamento. Ao mesmo tempo, o Padre Philip Lamont (Richard Burton) envolve-se na vida dela ao assumir a investigação da morte do Padre Merrin (Max von Sydow). A garota parece estar em completo domínio de suas faculdades, mas a Doutora Tuskin e o Padre pensam diferente: ela acha que os traumas de uma doença mental ainda estão ali; já ele pensa que Pazuzu não abandonou sua hospedeira completamente.
Com tantos milhões de dólares envolvidos na produção e um elenco de atores renomados — entre eles, Louise Fletcher vinda de uma vitória no Oscar — era de se esperar algo mais respeitável. Ou então mais próximo do que fizeram antes, como é de costume em continuações. Essa era a idéia inicial. Por conta de William Friedkin e William Peter Blatty não terem tido idéias para continuações — apropriadamente, pois não houve gancho no anterior — a Warner Bros. pensou em contar a mesma história do original com um orçamento 75% menor. Basicamente, refazer o filme com um pouco dinheiro para maximizar o lucro sem se preocupar com qualidade. Tamanho era o desespero de capitalizar em cima de “The Exorcist“, a maior bilheteria de todos os tempos em seu tempo. Nunca pensei que diria isso de um filme como “Exorcist II: The Heretic”, mas ele é tão ruim que apenas aspectos mínimos se salvam, como a fotografia. Normalmente, essa é uma opinião que dou sobre filmes independentes sem nenhum apelo ou coesão, apenas imagens bonitas para separar a obra de um fracasso total. Não é o mesmo tipo de produção desta continuação.
Mas devo admitir que a idéia inicial para o enredo não era tão ruim assim, nem nada espetacular também. Usar Regan como veículo para uma investigação sobre o Padre Merrin e seus feitos no passado é apenas decente o bastante para colocar exorcismos e demônios de volta em pauta. No mínimo, abre portas para a exploração de um ambiente totalmente novo: a África, onde Merrin envolveu-se com os feitos de Pazuzu. Numa situação ideal, “Exorcist II: The Heretic” exploraria e revelaria fatos do passado complementares ao que se viu em “The Exorcist“, mais ou menos como um “Exorcist: The Beginning” que deu muito certo. Somando isso a uma personagem que nega os eventos do passado e trata a possessão demoníaca como patologia mental, até dá para dizer que existem algumas boas idéias. Uma conexão mental entre Regan e o Padre Lamont poderia ter sido uma ponte interessante entre um homem de fé e uma garota com um demônio dentro de si, uma extensão da possessão no fim do primeiro. Seria se não fosse a brilhante idéia de usar uma máquina que sincroniza as mentes de duas pessoas em hipnose, permitindo um tipo de acesso compartilhado. Por que usar métodos sobrenaturais numa história sobre exorcismo? Usar uma pseudo-ciência faz muito mais sentido.
Depois de gafanhotos causando o caos numa tribo africana e uma máquina que desafia as noções do possível, “Exorcist II: The Heretic” vai ainda mais longe ao estender suas péssimas idéias numa narrativa confusa e, pior de tudo, pobre. Existem filmes cujas histórias são ruins por serem complexas demais, embora façam sentido depois de análises meticulosas. Por mais que a experiência cinematográfica seja fraca, há coerência nas palavras do enredo. Gostaria de poder dizer algo do tipo sobre “Exorcist II: The Heretic”. Não tornaria-o melhor, mas seria um mínimo conforto saber que havia potencial por trás de tanto lixo. Esforçando-se muito, dá para encontrar germes de uma boa história entre os porquês do demônio escolher boas pessoas como alvos e a fusão de personalidade entre Regan e Pazuzu, que abre espaço para certa ambiguidade sobre os motivos da garota em ajudar o Padre. Mas ninguém assiste a um filme para se empenhar em sucatear pontos positivos, os quais não fazem muita diferença no saldo final. Quando os momentos finais chegam, com eles vem a confirmação de que todas as voltas dadas pelo roteiro, as pequenas sugestões de algo decente, serviram para trazer soluções simples, toscas e convenientes.
O culpado de tudo isso? Provavelmente a Warner Bros. por querer fazer uma continuação, em primeiro lugar. O filme original fechou de maneira sólida e incrível, amarrando algumas pontas e deixando outras abertas propositalmente para efeito dramático. Para estragar aquele final, bastaria colocar Lee J. Cobb dando uma versão racionalizada dos eventos. Ele chegar na casa enquanto o exorcismo está acontecendo e mostrar mais tarde que está sem entender o que viu dá um toque especial sobre o final. O sobrenatural nem sempre precisa ser explicado. Continuar a história é ir na contramão do bom senso. A máquina sincronizadora de psiques representa perfeitamente a incoerência das idéias de “Exorcist II: The Heretic”. Não tem absolutamente nada a ver com a essência de seu predecessor. É como se fosse uma produção amadora que empresta idéias aleatórias de um clássico e tenta se vender como algo parecido. Encontrar grandes nomes como Louise Fletcher e Richard Burton nessa zona foi como ver Donald Pleasence em “Warrior Queen“, o pior filme que vi na vida. O que diabos eles faziam ali? Levando seus papéis a sério, ainda por cima. Indiferente, pois o roteiro se assegura de impossibilitar que uma performance minimamente elogiável exista aqui. De qualquer forma, seria difícil sentir-se movido pelas interpretações quando todo o resto está desabando.
Como um filme independente feito por alguém empolgado demais com a capacidade de sua câmera de gravar belas imagens, “Exorcist II: The Heretic” termina com um saldo praticamente nulo de qualidades. Não fossem os visuais notavelmente bem sucedidos na representação visual de qualquer que seja o objetivo deste longa, não sobraria quase nada além de possibilidades de coisas boas e outras que só prestam com certo esforço. É difícil dizer o que há de exatamente errado aqui porque o filme é um desastre. Mais fácil é falar do pouco aceitável. De um roteiro ambiciosamente concebido e ridiculamente executado, de uma edição caótica e de uma trilha sonora desperdiçada, só a fotografia se salva. No mínimo, ela é competente por estabelecer uma identidade própria e distante do original, não se prejudicando por isso. Para uma história tão obcecada com gafanhotos, fazem um ótimo trabalho na representação dos enxames, que infelizmente praguejam a história com sua glorificação inusitada.