Hoje revi “Nosferatu” pela primeira vez. Não tinha achado nenhuma obra prima da primeira vez e gostei ainda menos agora. Eis a dúvida: as pessoas que falam tanto dele gostam mesmo ou só repassam o fato dela ser a obra mais popular de F.W. Murnau? Não diria que esta sinfonia do horror chega perto do melhor que o diretor tem para oferecer. Não há como contestar popularidade, mas não consigo ver este longa sendo alguma maravilha. Importante em seu tempo? Aí sim. Há visuais interessantes, o começo de um legado de filmes de monstros que continuaria na década de 30 e algumas idéias boas. Assim como uma execução mediana e, às vezes, plenamente ruim do conceito de Terror.
Hutter (Gustav von Wangenheim) é um vendedor de imóveis perdidamente apaixonado por sua linda esposa, Ellen (Greta Schröder). Seu trabalho o envia para uma nova tarefa: oferecer algumas casas para o Conde Orlock (Max Schreck), que pretende se mudar para o vilarejo do rapaz. No entanto, sua viagem e a estadia no castelo do Conde mostram-se repletas de pesadelos e esquisitices. Mal sabe Hutter que um vampiro chamado Nosferatu está mais próximo do que ele imagina e com olhos em sua linda esposa.
Não, minha crítica a “Nosferatu” não tem nada a ver com o fato de ser assustador ou não. Se filmes de Terror dependessem exclusivamente dessa característica para serem bons, daria para contar nos dedos os que se salvariam. O próprio terror Slasher não costuma dar medo em ninguém e é apreciado por muita gente mesmo assim, inclusive eu. Não estava buscando tomar um susto ou borrar as calças assistindo a este filme mudo. Quis conferí-lo de novo para comparar minhas primeiras impressões com um novo olhar anos depois. Vários defeitos não notados antes se revelaram e mostraram que este definitivamente não é o melhor trabalho de Murnau. Fica ainda mais explícito por eu estar vendo os longas do diretor quase diariamente durante a mostra do diretor no festival. Existem avanços e retrocessos, olhando sob um viés comparativo.
O lado forte é que “Nosferatu” é o primeiro filme de Murnau a realmente soltar as amarras do Expressionismo e aplicá-las em sua identidade visual. Antes, existiam conflitos morais e algumas sombras mais fortes que o normal. Agora, com a maior liberdade criativa do gênero Fantasia, o diretor praticamente pinta as paredes de preto com sombras que mais parecem vultos. Numa tomada famosa, o vampiro surpreendentemente deixa de lado suas abordagens quase epiléticas, de tão travadas. Sua aproximação é denunciada pela sombra negra na parede, que sobe vagarosamente uma escada em direção ao quarto. Outra cena impressionante consegue casar a qualidade lírica da narrativa com uma imagem potente. O cartão de texto diz apenas: “O navio da morte tinha um novo capitão”. Em seguida, a silhueta completamente negra do barco contra um fundo branco estampa a tela. Muitas dessas idéias foram posteriormente desenvolvidas em “Fausto” e seus visuais singulares. A perspectiva distorcida do ambiente ainda não havia se apresentado em “Nosferatu”. Apenas aproveitam a nova variedade de cenários, como castelos e vilarejos, para caprichar nos contrastes visuais.
As coisas começam a piorar quando a criatura principal é levada em consideração. Vendo hoje, acredito que o vampiro foi muito mal caracterizado aqui. Não é uma questão de sentir medo dele. Enxergo problemas no design e no comportamento do monstro. Tenho minhas ressalvas quanto às presas de vampiro serem os dois dentes da frente e ele sempre manter a boca entreaberta, mas não foi o fato dele parecer um Chico Bento albino que mais me incomodou. Acho problemático ele andar como alguém com paralisia nas pernas, lentamente e ausente de qualquer sentimento de imponência. Tal postura é ainda mais estranha e questionável porque ele tem outras aparições muito mais eficientes. Esvair-se no ar e mover-se através de sombras é muito mais interessante e apropriado à sua personalidade.
Encontro outro problema na maneira como a história ocasionalmente trata o vampiro. Cedo na história, o Conde Orlock partilha um jantar com Hutter até que este se corta com uma faca. Não é para menos, ele se distrai com os cômicos olhares de cima do jornal que o Conde direciona a ele. Na sequência, Orlock ressalta que o rapaz se machucou, fala sobre seu sangue precioso e coloca o dedão dele na boca. Não bastando isso, faz um comentário incrivelmente específico e nada suspeito sobre o pescoço de Ellen ser bonito. São momentos assim que me tiram da experiência completamente e matam a credibilidade de Nosferatu. Esforçam-se para ir além de um design curioso, para não dizer outras coisas, e fazem o monstro ser involuntariamente cômico em ambas as pesonas de Conde e Vampiro.
A única coisa que melhorou de uma assistida para outra foi a história. Tirando essas descaracterizações lamentáveis, achei o enredo incrivelmente sucinto e direto ao ponto. Não existe um personagem em excesso na história, todos que são introduzidos acabam sendo usados mais além para algo grande ou pequeno. Infelizmente, essa objetividade narrativa se perde em sua próxima obra, “Phantom“. Aqui, é uma estrutura de cinco atos bem equilibrados, iniciando com um avanço na trama e encerrando com alguma imagem ou fato marcante. A cena com a silhueta do barco, por exemplo, funciona especialmente bem porque encerra um dos atos da obra.
O maior defeito de “Nosferatu” não é carecer de sustos repentinos, violência explícita e outras convenções do Terror. Numa obra do gênero, valorizo muito o clima que tentam estabelecer. Pode até ser um tom engraçado, contanto que seja o objetivo da produção. Se a idéia aqui era ser sinistro, soturno ou sério, acredito que vão mal nesta tarefa. O filme envelheceu mal principalmente na forma como executa o conceito de Terror. A maneira como tratam o monstro me incomoda muito. Como Conde, o personagem age tão esquisito que até quem não sabe o que é um vampiro suspeitaria dele. Como Nosferatu, ele tenta e não consegue ter uma postura forte como um monstro.