Esta é outra obra de F.W. Murnau que pode ser facilmente mal interpretada por conta de seu título. Assim como “O Castelo Vogelöd“, é bem possível que vejam um filme de Terror aqui. Dessa vez, é mais fácil se enganar. Dificilmente alguém pensa em Fantasma sem ligar a um monstro ou criatura sobrenatural — exceto pelo longa com Patrick Swayze, claro. Somando isto ao fato de Murnau ser conhecido por dirigir um dos filmes de vampiro mais famosos da história, é quase automático não ver “Phantom” imediatamente como um drama pungente sobre escolhas infelizes e a tragédia de viver na sombra do fracasso.
Lorenz Lubota (Alfred Abel) vive uma vida simples com sua mãe e irmã. Ele sonha em ser poeta e passa boa parte da vida fantasiando sobre isso. Suas aspirações o levam a lugares que ele nunca foi e a desejar coisas que ele provavelmente nunca terá, por isso ele encontra conforto em seus livros. Um dia, Lorenz é atropelado por uma linda mulher e sua carruagem, o que faz ele apaixonar-se por ela obsessivamente. A vida do rapaz muda de rumo completamente. Todos seus pensamentos e objetivos de vida passam a envolver a moça enquanto Lorenz se aproxima cada vez mais de sua ruína.
Com bem se sabe, filmes mudos não são completamente mudos. O termo se refere a inexistência de captação de som direta, ou seja, a voz dos atores e os ruídos do ambiente não eram captados porque não haviam microfones no set. Para a experiência não ficar completamente calada e insuportavelmente cansativa, recorriam a trilhas sonoras para serem tocadas do primeiro ao último segundo. Muitas vezes, orquestras tocavam ao vivo nas salas de cinema. Nada planejado, pois diversas obras não tinham nada específico escrito para elas. Os músicos partiam para o improviso ou músicas de estoque, como composições clássicas. De um jeito ou de outro, os filmes não ficavam sem música. Apenas grandes produções, como “Nosferatu“, tinham o benefício de uma composição própria. “Phantom” só foi receber algo dedicado décadas mais tarde.
Neste caso, o responsável por ela é Robert Israel, compositor das trilhas sonoras de dezenas novas trilhas para filmes mudos. Normalmente, a maioria das composições busca apenas corresponder o tom das cenas com a música. Se é uma perseguição cômica, a música é alegre e saltitante; no drama, desacelera e traz a presença de violinos lacrimosos. Israel transcende o padrão em “Phantom”. Sua música está, tranquilamente, entre as melhores trilhas sonoras do cinema. Não só mudo, de todos os tempos. Ele mantém a audiência acordada e engajada na experiência. Acompanha o clima de cada cena e as torna ainda mais tocantes por expandir as limitações de uma atuação puramente física.
O cinema mudo também é conhecido por seu exagero e, muitas vezes, criticado por este motivo. Praticamente toda a audiência nasceu escutando falas marcantes. De Rhett Butler e seu “Francamente, querida, eu não dou a mínima” a Darth Vader proclamando “Não, eu sou seu pai”. É mais difícil adaptar-se a um formato carente do mais banal “Olá”. Atores e diretores recorriam, então, para o que poderia ser visto, já que nada era ouvido. É uma técnica ambivalente. Por um lado, entendidos de cinema apontam o cinema mudo como um modelo a se seguir para evitar a exposição através do diálogo. Ao mesmo tempo, corre-se o risco de perder a naturalidade e sutileza de certos traços humanos ao traduzir conteúdos por meio de comportamentos. “Phantom” tem resultados mais ou menos funcionais, embora não desprovida de deslizes.
Uma das coisas que mais gostei eventualmente se tornou um problema de “Phantom”. Ainda sobre os exageros, acredito que eles funcionam por boa parte do filme porque Alfred Abel é extremamente bom na representação do sofrimento humano. Seu Lorenz tem a qualidade melancólica de um poeta, o mesmo tipo que gerou a tendência de pintar artistas como eternos sofredores. Ele é como a baronesa de “O Castelo Vogelöd“: não consegue suportar o peso de ser a pessoa que é. Está sempre preparado a desabar, transbordando uma onda de emoções reprimidas. Para mim, o fantasma do título não é tanto o da mulher que atropela o protagonista, mas seu temor de ser uma pessoa infeliz e frustrada por não realizar seus desejos. O evento desperta uma paixão obsessiva que o atormenta — uma das possibilidades para o fantasma — mas a própria mulher funciona como uma extensão de sua insegurança. Ela é uma ponte para seus objetivos pessoais e fantasias, e o ator consegue demonstrar justamente isso em sua busca por ela.
A grande questão não é a intensidade da emoção, e sim sua frequência. “Phantom” é o filme mais longo de Murnau que vi no Festival sem necessariamente justificar essa duração. Pela trama demorar a caminhar, demorando-se em cenas que poderiam ser mais breves, certos eventos ficam mais longos do que deveriam ou se repetem. Nunca pensaria em criticar a atuação de Alfred Abel. A execução é boa; vê-lo cair de joelhos várias e várias vezes, não.
Talvez com maior objetividade, “Phantom” poderia estar junto de outras obras melhores de Murnau. Não é um problema incapacitante, destruidor de todos os outros sucessos, porém certamente incomoda. Filmes mudos são naturalmente mais cansativos, em minha opinião. Sem falas, com várias pausas para diálogos ou textos indicativos, e música clássica tocando constantemente, é praticamente um convite para um cochilo. Sucintez acaba sendo muito importante. Até porque delongar-se na demonstração da subjetividade dificilmente representada por ações não ajuda a obra, de qualquer forma.