Até pouco tempo, não sabia que o Oscar de “La Grande Bellezza” havia sido sobre “Jagten“, um grande filme Dinamarquês. Se antes faltavam motivos para assistir à obra de Paolo Sorrentino, não precisei pensar muito depois de ficar sabendo disso. Minha primeira experiência com o diretor italiano mostrou que o melhor filme não foi premiado com o Oscar. No entanto, isso não quer dizer que eu tenha desgostado do que levou o prêmio. É uma questão de qual das duas obras competentes é a mais.
Este longa reflete sobre as relações de um homem com o mundo após seis décadas vivendo nele; uma ponderação sobre o caminho percorrido, onde poderia ter sido diferente e para onde ele vai. Jep Gambardella (Toni Servillo) escreveu um livro que o colocou no mapa da elite de Roma. Dali surgiram contatos importantes, vários colegas, empregos recompensadores e luxos em abundância. Mas isso foi há muito tempo. Hoje, Jep acomodou-se em uma vida esnobe. Seu livro é lembrado, sim, porém como parte de um passado distante. Restam apenas lembranças de um tempo em que a vida era diferente, uma vida que projeta sua sombra no presente e leva Jep a refletir sobre o valor das coisas que conquistou na vida.
Assim como o Cinema é conflito e a arte uma imitação da vida, viver é lidar com crises ocasionais. A tal crise de meia-idade é usada praticamente como piada quando alguém de 40 e tantos anos muda drasticamente. Adolescentes são chamados de aborrescentes pelos incontáveis dilemas diários. Idosos são taxados como ranzinzas exigentes quando pedem por algo diferente. E as crianças, finalmente, são frequentemente ignoradas por serem consideradas mimadas e imaturas. Qualquer fase da vida possui sua cota de problemas, só que muitas vezes esquece-se que são mais similares do que aparentam. Se não fosse assim, seria difícil identificar-se com a história de “La Grande Bellezza” sem estar numa posição parecida. Afinal, ela trata de um homem em seus 65 anos pensando sobre uma vida já vivida em sua maioria. Os temores de jovens vêm na forma de perspectivas infinitas sobre o futuro. Para um velho, é o contrário: o caminho já foi percorrido, seja ele satisfatório ou frustrante.
Embora sejam fases muito diferentes da vida, todas as questões giram em torno de decisões — as tomadas e aquelas a se tomar. Paolo Sorrentino apresenta um filme inicialmente difícil de se conectar, pois não fica imediatamente claro qual o assunto em questão. A câmera navega entre imagens chamativas: um ponto turístico encantador, onde um coral se apresenta e turistas passam; em seguida, uma casa noturna barulhenta e sua mistura bizarra de engravatados, vestidos caros e música latina. Qual a ligação entre o melhor da arquitetura clássica e uma construção moderna sem identidade? A aparente falta conexão é justamente a característica definitiva nessa relação incomum. Independentemente se o assunto é Roma, a elite ou o protagonista, a decadência é apresentada como um dos pilares de “La Grande Bellezza”.
As experiências individuais fornecem material o bastante para manter uma pessoa ocupada com seus pensamentos. Lembranças boas trazem acessos de nostalgia, as ruins se encarregam de frustração e arrependimento. Jep Gambardella, por outro lado, não esteve em nenhum desses pólos há algum tempo. Preenchendo sua vida com as frivolidades de festas em seu apartamento e relações íntimas sem intimidade, ele seguiu anestesiando-se sem curtir ou sofrer de verdade. Tarde em sua vida, mas não tarde demais, um redescobrimento acontece. De quem ele é e de quem ele foi; das coisas que compõem sua vida e das outras que foram esquecidas. Nada disso é explicitamente apresentado, contudo. A atuação de Toni Servillo e os recortes de sua vida apresentados em “La Grande Bellezza” trazem consigo significados e sentimentos dificilmente bem verbalizados. São sentidos, sugeridos, nunca expostos.
Raramente ator e roteiro estão tão em sintonia como em “La Grande Bellezza”. Toni Servillo mostra sutilmente um processo de mudança, a transição da inércia a uma busca ativa por si mesmo. Como quem estranha a pessoa em quem se tornou, o ator ilustra perfeitamente o olhar para dentro de si; olhar para fora e ver como isso diz tudo sobre sua pessoa. Servillo não trabalha sozinho na ilustração de conflitos internos, contudo, o contexto sempre o coloca numa posição em que a intimidade é refletida no exterior.
A direção de Paolo Sorrentino, sutil e subliminar, não é menos efetiva por isso. Sua câmera está em movimento quase constante, corta multidões e atravessa ambientes sem se prender a nada por muito tempo. Na cena da casa noturna, por exemplo, a bizarrice de socialites dançando um ritmo latino é incrementada pela presença uma bandinha mexicana — aquelas que surgem do nada com ponchos e violões, cantando sem que seja pedido. Simboliza perfeitamente a decadência e, ainda assim, fica poucos segundos no alcance das lentes. A efemeridade da vida não desacelera nem nos momentos mais esquisitos, só torna-se vagarosa apenas quando Jep desliga-se da mediocridade. Em momentos de tranquilidade, a vida passa a ter significado sem precisar do movimento constante. As respostas sempre estiveram dentro do protagonista, restava apenas encontrá-las em meio a uma praga de excessos insalubres. Aos poucos, a música pop, as extravagâncias e as aparências saem de cena; música clássica logo surge acompanhando o renascimento de humanidade e sentimentos genuínos.
Curiosamente, a audiência italiana não se mostrou muito calorosa por “La Grande Bellezza”. Cheguei a ler que muitos não entenderam ou não gostaram, desconhecendo a magia vista pelo resto do mundo. Como estrangeiro, não posso afirmar que a visão de Sorrentino é fidedigna à realidade da Itália, de Roma ou da classe alta. Posso dizer que ela é extremamente válida para Jep Gambardella, o protagonista da história. Não acredito que confrontar a honestidade real da Igreja Católica com aquela apresentada aqui seja o caminho a seguir. Em um Drama contemplativo e focado no esfera do indivíduo, todos os outros elementos sociais, religiosos e artísticos abordados cumprem seu papel de desenvolver o protagonista.