Existem filmes que podem ser caracterizados pelos efeitos ou técnicas que são usados neles. “Sin City”, por exemplo, é icônico por sua fotografia em preto e branco e pelo uso pontual de cores; enquanto “Avatar” é até hoje uma referência no uso do 3D, mesmo com outras dezenas usando o efeito nos anos seguintes. Aqui a associação é infeliz quando o lens flare — efeito do reflexo de luz na lente — é usado de forma inexplicavelmente exagerada. Comandado por J.J. Abrams, o legado de 6 seriados de televisão volta em formato de filme, “Star Trek” é a ressurreição de uma franquia clássica para uma nova geração.
No dia em que seu pai morre num Romulano, nasce James Tiberius Kirk (Chris Pine), que passa bons anos tentando ser o avatar da rebeldia. Sem objetivos ou metas, ele sai de canto em canto arranjando encrenca até que cruza o caminho de membros da Frota Estelar, uma batalha que ele acaba perdendo. Derrotado e quebrado, James é convencido a se juntar aos cadetes para, em alguns anos, se tornar oficial e ter sua própria nave. Em outro ponto da galáxia, mas não muito longe, uma ameaça antiga retorna para acertar as contas com a Federação dos Planetas Unidos.
Fazia tempo que tinha vontade de ver “Star Trek”, mas até pouco tempo atrás tinha decidido que só assistiria a este reboot depois de ver tudo o que veio antes. Bem, não vou dizer que o interesse sumiu, pois ainda quero saber do que que se trata todo o alvoroço em torno da franquia, só que após ficar sabendo de 7 temporadas de mais ou menos 26 episódios decidi deixar tudo para mais tarde. Sendo assim, minha opinião é a de alguém que viu de muito pouco a quase nada da franquia, formalmente introduzido com este longa-metragem. Num primeiro momento já fica bem claro que o tratamento aqui é muito mais sofisticado do que foi visto em franquias de ficção científica antes. Nenhum filme de “Babylon 5” chega perto deste nível e duvido muito que qualquer outro dos 10 longas de “Star Trek” também chegue. Visualmente, em termos de caracterização, ambientação e efeitos especiais, não há do que reclamar. Até para alguém desavisado é fácil notar que há certa fidelidade ao que foi criado ainda na Década de 60: os uniformes coloridos com broche, a clássica estação de comando e a clássica Enterprise estão todos ali. Com algumas modificações aqui e ali, sim, porém nada que beire o irreconhecível; nenhuma atualização é drástica como acontece com “Alien” e “Prometheus”.
Não é de se surpreender muito que a melhor coisa neste filmes seja um eco da série clássica, a aparição de um personagem que prefiro deixar de lado, embora não seja novidade pra muita gente. Neste mesmo personagem encontram-se as qualidades que faltam no resto do elenco: a confiança e tranquilidade de um ator que não tem nada para provar. Por um lado devo admitir que os atores não foram mau escolhidos; Chris Pine, Zachary Quinto e Karl Urban todos entregam interpretações satisfatórias e cumprem seu papel na história. Em contrapartida, não posso dizer que nenhuma interpretação é memorável porque os atores são, em sua maioria, mal dirigidos. E isso não é culpa deles, mas do diretor J.J. Abrams. Rolam rumores de que ele só assumiu a direção por dinheiro e para fazer seu nome, cobiçando a direção de “Star Wars: The Force Awakens” desde então. Se há verdade neles, não posso dizer. Digo que os erros de “Star Trek” estão mais em suas costas do que nas de qualquer outro aspecto.
Quando enfim chega a vez de J.J. Abrams revelar sua mão, as coisas desandam um pouco. Um de seus dois grandes deslizes é a direção de elenco, na qual ele falha em combinar competência com naturalidade, assim prejudicando um pouco os personagens. Spock é desde o começo do filme mostrado como um ser totalmente lógico-racional e não sai muito disso. Ainda que parte dessa insistência venha do roteiro, outra parte vem da direção, que parece prender o personagem a esse modelo. O mesmo pode ser dito de Anthony Yelchin, que mais tenta entregar um sotaque russo claro do que atuar naturalmente. Dos males, o pior é com certeza o uso estupidamente excessivo, exagerado e desnecessário do lens flare; apenas foge da minha compreensão qualquer tipo de coisa que explique a necessidade de tanta luz refletindo na tela ao mesmo tempo. Talvez o texto possa parecer exagerado em criticar um filme por conta de apenas um efeito, mas nesse caso chega a ser distrativo o abuso da técnica, que não deixa de aparecer nem mesmo em cenas de diálogo que não precisavam de nenhum apelo visual para funcionar.
Mas estaria sendo raso se dissesse que ele sozinho arruinou a obra, afinal de contas, o roteiro tem sua influência nos defeitos vistos aqui. Primeiramente, ele não lida bem com o próprio enredo, que ainda pode ser confuso para alguns espectadores de primeira viagem. Algumas coisas são auto explicativas, outras vão ganhando sentido ao longo do enredo e há aquelas que são simplesmente exposição em sua pior forma, detalhe agravado pela ponte entre a linha do tempo deste reboot com a dos seriados. Eventos são explicados por flashbacks expositivos e personagens são introduzidos mecanicamente; seja por conveniência da trama ou no comum modelo de começar a história com o passado dos protagonistas — numa tentativa de se esquivar dos mencionados flashbacks. De original o enredo não tem muito, uma vez que tem suas similaridades com “Star Wars” e, consequentemente, com a jornada do herói — explícita demais para ser agradável neste último caso. O mesmo não pode ser dito das cenas movimentadas, num geral, não limitando o sucesso apenas às cenas de ação. A representação do espaço sideral, das naves e da dinâmica daquele universo — viagens interestelares e teletransporte como exemplos — são competentes e até essenciais para o sucesso das cenas de ação, que usam muito as variações destas dinâmicas para se destacar. Uma batalha espacial, por exemplo, não conta apenas com manobras evasivas e tiros, mas com explosões, gente batalhando em outro lugar e outros sendo teleportados de outro planeta para dentro do conflito. Tudo ao mesmo tempo.
Esperava bem mais de “Star Trek” depois de tantos elogios. Não é como se o resultado fosse ruim, mas é difícil elogiar muito um filme que acerta nos mesmo pontos que outras grandes produçõe. Há competência técnica, um elenco bem escolhido, boas cenas de ação e até uma abordagem do material clássico que dispensa muitas explicações. Os vacilos surgem quando roteiro e direção falham em incrementar os acertos e, quem sabe, compensar alguns dos erros.