Antes mesmo de assistir a “Pink Floyd: The Wall“, e me impressionar, já queria conferir “Roger Waters The Wall”. Diferente do filme de 1982, sabia que a proposta era bem diferente: em vez de ilustrar os temas do álbum com imagens, a idéia estava mais centrada em Roger Waters apresentando sua obra ao vivo. No entanto, o que diferencia esta de qualquer outra apresentação ao vivo não é apenas a escala do espetáculo. Mais do que gravar o show de ângulos interessantes e com um áudio cristalino, este longa mostra cuidado com vários aspectos normalmente negligenciados em obras do tipo.
Dessa vez esquece-se a história do personagem Pink, o personagem não é mais uma metáfora para a vida de Waters; isso torna-se desnecessário quando o músico assume o papel de protagonista de sua própria obra. Mas que história existe num filme centrado num grande show? Bem, não é só isso. Aos 71 anos, Roger Waters enfrenta os demônios que inspiraram o álbum em primeiro lugar. Intercaladas com as músicas estão cenas dele encarando pessoas e lugares importantes em sua vida.
Avaliar “Roger Waters The Wall” é avaliar o show em si. Querendo ou não, este é o grande foco. Neste sentido, fica claro com primeira explosão de fogos que não é apenas uma reunião de pessoas num palco tocando músicas famosas; a idéia era transformar o músico em artista, o show em espetáculo e o espetáculo em épico. O que antes era um termo figurativo para um sentimento, ideal ou dogma — dependendo da interpretação — aqui torna-se literal: o show começa com blocos enormes compondo uma grande estrutura, erguem a tal parede. Conforme cada música conta um pouco sobre a história do disco, mais blocos são adicionados. De algo imperfeito surge finalmente um colosso, onde são projetados todo os tipos de imagens e, consequentemente, idéias.
Waters levanta o muro de Berlim apenas para derrubá-lo novamente. Ao longo de mais de uma hora uma equipe monta uma grande construção apenas para “The Trial” anunciar sua eminente ruína. Mas nada desse esforço é em vão, tudo faz parte do grande espetáculo. E como disse antes, acredito que esse ainda seja o grande chamativo. É o álbum preferidos de muitos tocado pelo seu criador em uma produção estupidamente ambiciosa, a combinação de som, imagem e muito dinheiro. Nem posso dizer que ouvir apenas as músicas é um prazer humilde, pois o próprio Roger Waters passa dos 70 anos e entrega uma performance invejável. Para completar, sua escolha de imagens e objetos para complementar essa experiência mostram a inexistência de algo chamado limite. Do palco um homem vestindo um sobretudo de couro apresenta seu som, acima dele paira um marionete gigante e na parte de trás o grande paredão reflete a revolta e a anarquia das canções, uma mistura de elegância digital com um toque artístico de caos.
Funcionando como um respiro entre a extravagância milionária estão as cenas de Waters enfrentando seu passado. No geral, estas são sequências bem fotografadas que mostram o músico viajando de carro pelo interior europeu. Ele busca encarar seus traumas frente a frente, sem a música como um intermediário. Ao longo de várias sequências conhece-se de onde veio um pouco da inspiração; basicamente quem foram o pai e o avô de Roger Waters e qual foi a importância deles para a construção do álbum. Essa é a proposta, mas “Roger Waters The Wall” não deixa essa ligação totalmente clara, com tais sequências podendo ficar meio aleatórias para quem não conhece o plano de fundo de “The Wall”. Pelo menos é engraçado pensar que muitas dessas revelações emocionais de Waters foram completamente ensaiadas — como parar no acostamento para falar de trovões ou desabafar em inglês para um barman francês. Mas se nesse ponto falta esclarecimento, ele, infelizmente, faz questão de dar destaque para a veia política da obra. Tudo bem, realmente há uma crítica ao sistema nas canções, mas elas nunca deixam a relevância das reclamações parece artificial. Colocar as fotos de várias vítimas do sistema — como os que morreram em guerras — por outro lado, dá a impressão que o músico tornou-se um paladino dos direitos humanos. Pensando agora, até me sinto meio bobo por ter perguntado a um amigo se ele havia notado que o brasileiro morto em Londres, confundido com um terrorista, aparece no telão. Mal sabia eu que aquela era a primeira de uma dezena de vezes que ele seria mencionado.
Não costumo analisar shows no site nem pretendo, mas a proposta e o cuidado vistos aqui deixam muito claro que não é apenas uma gravação como qualquer outra. A apresentação foi tão grande que deu margem de sobra para uma produção cinematográfica de ponta. O resultado foi “Roger Waters The Wall”, o filme de um show que captura a emoção de estar na platéia e vai além: a direção coloca o espectador em lugares privilegiados, dando oportunidade para que a experiência seja tão bombástica quanto possível, e, para quem faz muita questão, as intermissões de Roger apresentam algumas camadas extras em cima do espetáculo musical.