“The Third Man” é considerado um dos maiores do Noir, citado em praticamente todas as listas de melhores do gênero. Mais que isso, ele também está em várias listas de melhores filmes de todos os tempos. Não precisa procurar muito para ver que é uma obra celebrada. Para mim foi uma experiência positiva, com certeza, mas esta é outro longa que me faz pensar um pouco sobre como as opiniões alheias afetam a expectativa. Elogios de lá e de cá só poderiam me empolgar para ver o filme, porém chegada a hora da verdade não encontro exatamente a obra-prima prometida. Em contrapartida, também não é como se não sobrassem prós para todos os lados.
A Viena do pós-guerra sofreu sua cota de danos. Os edifícios não ficaram apenas destruídos, a cidade toda foi dividida entre os países vencedores. Há o distrito americano, o russo, o francês e o britânico, com o centro da cidade administrado por uma força mista dos quatro poderes. Nessa cena esquisita chega Holly Martins (Joseph Cotten), um escritor americano que vem a convite de um amigo. Só há um porém: seu amigo está morto. Holly chega a tempo do enterro e tenta descobrir o que diabos está acontecendo quando nem a polícia, nem as testemunhas parecem contar a história inteira.
“The Third Man” não é exatamente um Noir convencional. Muitas das características do gênero estão ali, mas o conjunto da obra não é gritante como um “Out of the Past“, por exemplo. Não há nenhuma convenção de gênero imediatamente notável, pelo contrário, uma das primeiras tomadas mostra as cordas vibrantes de uma cítara. Não são exatamente o uísque e cigarros de sempre. Falta o detetive perspicaz, a femme fatale manipuladora, o grande plano, a frustração deste plano. No fim é uma trama relativamente comum com algumas viradas trágicas que eventualmente é encaixada no gênero. Se o espectador parar por aí não sairá insatisfeito, mas uma leitura pós-filme mostra novamente seus benefícios. Sem nunca ir longe demais, acho válido se esforçar um pouco para encontrar o pessimismo aqui, provavelmente um dos Noir mais sutis de todos os tempos.
Um tiro nas costas e uma morte inesperada são símbolos claros do diabo sorrindo cinicamente para o espectador. Por outro lado, existem situações talvez igualmente lamentáveis que não são tão óbvias. A magia de “The Third Man” é acertar onde muitas obras do tipo acabam sendo um tanto bruscas, sendo uma história que não procura evidenciar seus traços para ser mais efetiva. Há muito aqui que apenas se absorve, não se nota explicitamente. O protagonista interpretado por Joseph Cotten é um bom exemplo disso. Seu papel principal poderia ser um indicativo de sua importância ou até de inteligência. Ele questiona a situação, tenta encontrar a peça que falta e lutar contra a maré. Só que falta o olho atento de um Samuel Spade ou a intuição de um Jeff Bailey. Ele tenta mostrar que está por cima com uma ou outra frase de efeito, mostrar que tem a esperteza para desviar de balas, mas no fim ele não é nada disso. Todo seu esforço é recompensado com frustração nas mãos de um animal, o incrível detetive consegue se deixar ser bicado por uma cacatua. Sua investigação supostamente faz dele um detetive em busca de pistas, quando na verdade ele só vai tão longe quanto querem que ele vá.
Então vem a parte audiovisual, o aspecto mais evidente aqui. As imagens, ao contrário de outros elementos, são as únicas que deixam totalmente claro que este é um Noir. Direção e fotografia abusam da iluminação forte para tornar o preto e branco tão literal quanto possível. Sombras fortes e até exageradas resgatam o expressionismo alemão de anos antes, ao passo que os ângulos de câmera novamente trazem aquele toque de sutileza, mostrando que há algo errado em conversas supostamente simples. Entortando a visão de sua câmera, Carol Reed torna uma cidade de arquitetura não convencional como Vienna em um verdadeiro labirinto: perfeito para aqueles que sabem onde pisam, nem tanto para os novatos. A trilha sonora, infelizmente, não acompanha. Roger Ebert gostou da música a ponto de começar sua crítica distribuindo elogios a ela. Mesmo discordando, num ponto ele acertou: é uma melodia feliz sem alegria, como assoviar no escuro. Imediatamente lembrei do eterno Omar Little, de “The Wire“, e seu clássico assovio de “A-Hunting We Will Go”. É uma melodia alegre assoviada de um modo grosseiro. Quando ela é ouvida? Pontualmente. Exatamente o motivo que faz dela tão icônica. De fato é um pouco desconcertante ouvir a cítara do compositor Anton Karas e o assovio de Omar, só que a repetição acaba levando o primeiro ao cansaço e às vezes até ao inapropriado. É uma composição interessante, sem dúvida, e seria mais ainda se fosse usada de maneira inteligente.
“The Third Man” é um grande filme que merece os elogios que lhe foram dados. Não diria que está no topo do gênero ou sequer perto dele, mas seus acertos com certeza fazem o bastante para colocá-lo entre os grandes. Há uns erros críticos, entretanto; como a mixagem de som, que chega a deixar a trilha sonora estupidamente alta sem necessidade em certos momentos. Talvez se a música tivesse o mesmo cuidado de outros elementos o resultado seria mais positivo.