Goste ou não de Pink Floyd, uma coisa é fato: “The Wall” é um dos álbuns mais populares e renomados de todos os tempos. Os fãs normalmente se dividem quanto ao melhor álbum. Há os que concordam que “The Wall” é o melhor, os que preferem o igualmente clássico “Dark Side of the Moon” e aqueles que gostam mais de outros álbuns, afinal o repertório da banda tem boas opções de sobra. Particularmente, nunca fui muito fã do grupo; admiro o trabalho e gosto de boa parte dos álbuns, mas não costumo ouvir com frequência. Então assistir a “Pink Floyd: The Wall” nunca foi uma prioridade como um “Love & Mercy“, que trata de uma banda que gosto mais. No entanto, dei sorte por dar uma chance ao filme, que superou minhas expectativas e até ofereceu a oportunidade de aproveitar o clássico álbum de uma nova maneira.
É difícil apontar uma trama propriamente dita aqui. A história é basicamente a mesma contada pelas músicas do álbum: suas canções são tocadas em sequência com imagens complementando o que está sendo tocado. Em suma, é a ilustração visual dos temas da obra. Mas do que o álbum em si trata? Da história de Pink (Bob Gelfod), um rapaz problemático. Na infância ele sofreu pela morte do pai e pela relação patológica com a mãe. Na escola era oprimido por não andar na linha como o resto. Na fase adulta torna-se um músico de sucesso por fora e um grande caos mental por dentro. Sua vida é contada em som e imagem aqui.
Uma das minhas dificuldades — se o termo for aplicável — na hora de escutar Pink Floyd é conseguir prestar atenção no tema das músicas. O som deles é mais contínuo, construído com o álbum inteiro em mente ao contrário das bandas que se sustentam com hits e eventualmente lançam um disco para compilar os sucessos. Somando isso ao caráter sereno, progressivo e psicodélico das canções fica muito fácil aproveitá-las como músicas de fundo ou uma trilha sonora da vida. Talvez um erro de minha parte, mas nunca considerei a banda menos por essas razões. Com isso em mente, “Pink Floyd: The Wall” foi uma grande surpresa, pois até o momento não havia dedicado um tempo para ouvir “The Wall” com mais atenção — ou mais vezes. Esta é uma competente adaptação que traz à tona muitos temas que antes haviam passado batidos.
A melhor parte dessa proposta é que o material-base é uma das grandes obras primas do Rock. De fato não havia absorvido bem os temas das letras antes, mas acredito que não precisei disso para notar que o que ouvia era algo excelente. O poder da música está nas palavras e nos sons, os quais se complementam para criar algo maior e impressionar quem escuta. As poucas vezes que ouvi o álbum foram o bastante para me satisfazer. Com o filme foi como se eu conhecesse um lado mais profundo e até então desconhecido de algo que eu já gostava. A direção de Alan Parker e o roteiro de Roger Waters estão numa colaboração nada menos que incrível. O fato de Waters nunca ter escrito um roteiro antes só melhora este fato, embora ter um diretor competente ao seu lado seja um fator determinante para o sucesso do filme. Não há uma trama tradicional aqui. Todo conteúdo é transmitido de forma não linear e aparentemente pouco conexa, mas a ligação semântica entre o que se vê e o que se ouve faz suas presença notada. Com isso a identidade da banda é preservada visualmente e musicalmente: há psicodelia na medida certa para evitar algo aleatório ou incompreensível.
Então vem a parte profunda do álbum, seus temas e como eles são abordados. Roger Waters cria uma obra refletindo o que ele sentia em relação ao que lhe atormentava, quase como um textão de Facebook que deu espetacularmente certo. Os ouvidos do mundo foram poupados de outra reclamação aleatória e em vez disso foram presentados com “Another Brick in the Wall” e “Confortably Numb”. Descontente com o mundo, Waters volta até a raiz de todos seus problemas e começa sua crítica de lá. O sistema criou guerras para que outras pessoas lutem e tirou o pai de um filho. Sem saber como lidar com aquela situação, o jovem Pink vai em direção ao ofício da alma: as artes. Porém um mundo que precisa de engrenagens para rodar não quer algo diferente disso. O garoto é rechaçado a vida toda por coisas que foram culpa de qualquer pessoa, menos dele. Problemas são criados pelo sistema e este despreza os resultados como se não fosse o culpado: quem recebe a culpa é o indivíduo. “Pink Floyd: The Wall” é o reflexo de uma mente que não aguenta mais sofrer calada, uma retaliação contra o sistema, suas políticas, instituições e todos que dão continuidade a isso.
A única coisa que não entendo é a razão para a produção desgostar tanto do resultado final. Roger Waters disse que o filme é muito depressivo, Alan Parker que o resultado foi amador e David Gilmour que foi a visão menos bem sucedida do conceito de “The Wall”. Bem, todos têm o direito da opinião. Enquanto uns criticam eu aproveito animações, imagens intensas e a boa música de “Pink Floyd: The Wall”.