Para completar a tríade de clichês sobre a série “The Godfather”, apresento outra opinião extremamente comum: “The Godfather: Part III” é o pior da trilogia com certa folga. Não concordo com os que apontam este como um filme terrível, um câncer numa série imaculada até então. Também não acho que o vilão aqui seja um conflito de expectativas, pois, com exceção de quem viu “The Godfather: Part III” no cinema, muita gente havia sido alertada sobre a queda na qualidade. Em uma coisa há total razão, contudo: é uma obra muito decepcionante. Não quer dizer que o filme seja ruim, apenas bem abaixo do nível estabelecido pelos outros.
Quase 20 anos após os eventos de “The Godfather: Part II“, Michael Corleone (Al Pacino) aproveita uma vida de prosperidade como Don. Os negócios trouxeram uma fortuna para ele e andam melhores do que nunca. Seus dois filhos estão crescidos e, finalmente, tudo parece estar se acalmando quando os Corleone encontram a oportunidade de legitimar suas operações no envolvimento com a Immobiliare, a maior empresa imobiliária da Europa. Mas o passado negro dos Corleone os alcança, trazendo de volta toda a violência que Michael se esforça para deixar para trás.
Criticar “The Godfather: Part III” é fácil. Ao contrário de seus predecessores, é mais fácil enxergar o que funciona e o que dá errado. Mas vale considerar que este longa tinha o peso do céu nas costas. Não é como se errar fosse algo improvável. Mesmo deslizando em vários pontos, o longa fica acima da média e funciona, só não tão bem como o que veio antes. A parte realmente boa, que não deixa dúvidas sobre sua qualidade, é novamente todo o arco de Michael e como ele é fechado aqui. Faz todo o sentido que isso aconteça se considerarmos que um dos possíveis títulos era “The Death of Michael Corleone”. Fazer um filme chamado assim sem honrar com um arco bem construído seria um deslize imperdoável. Al Pacino entrega outra atuação incrível como Don Corleone, que dessa vez não é mais o garoto transformado homem ou o poderoso chefão escravo das consequências de seu dever, agora ele é outro homem. Em vez de sofrer calado com suas escolhas como antes, ele é abençoado pela sabedoria da terceira idade. O peso de suas atitudes ainda o acompanha, só que agora um pouco de auto-reflexão dá a ele uma visão mais produtiva sobre tudo isso. Todo aquele discurso de proteger sua família sai do imaginário e deixa de ser uma muleta moral para atos hediondos, resultando num Michael consciente de que apenas o presente é passível de mudança. Com dois filhos crescidos não há como manter as coisas do jeito que eram, sua família merece um futuro diferente. A transformação que começou em “The Godfather” finalmente chega a seu fim com uma conclusão digna desse desenvolvimento.
Por outro lado, o resto do filme não é tão bem amarrado assim; Al Pacino parece ser o recheio num salgado que tem massa demais. Não é como se todo o resto fosse abominável, mas é evidente que aspectos como o roteiro não têm a mesma sofisticação dos anteriores. O primeiro tem apenas uma linha do tempo e consegue ligar diversos arcos paralelos magistralmente, contextualizando, introduzindo e desenvolvendo um universo inteiro; o segundo varia um pouco essa estrutura ao dividir-se em duas grandes linhas do tempo, embora sempre mantenha o desenvolvimento de Michael Corleone no centro de tudo. Em “The Godfather: Part III” há um pouco dos dois e nada muito bem constituído ao mesmo tempo. As idéias de Francis Ford Coppola e Mario Puzo, os roteiristas, não parecem ser ricas ou conectadas a ponto de resultar num roteiro realmente bom. Nada de novo é trazido também, falta aquela mudança estrutural para dar uma cara nova ao que já era conhecido. As negociações de Michael na Immobiliare resultam num envolvimento com a Igreja Católica e o Vaticano, mas nada disso é o bastante para inovar o enredo; é como se sair de Nova York para Nevada e Cuba em “The Godfather: Part II” fosse a única mudança substancial do roteiro. Alteram o endereço para fazer o mesmo de antes de uma forma que não funciona tão bem.
Um comum alvo de críticas é Vincent Mancini (Andy Garcia), o filho bastardo de Sonny Corleone. Falam mal de seu personagem quando não é a atuação de Garcia o problema, e sim como ele cai de paraquedas na história e tem um arco extremamente corrido. Tanto que até mesmo o ator mostra que ao final do filme não absorveu as mudanças drásticas — e até exageradas — dadas pelo roteiro. A duração pouco modesta de 2h42 está longe de ser pouco tempo e ainda assim é insuficiente para desenvolver algumas coisas que tentaram trabalhar aqui. “The Godfather: Part III” faz bem o serviço de mostrar que falta integração em várias idéias, resultando em muitos focos executados de forma pouco objetiva.
A festa do começo — que aparece pela terceira vez e mostra ser tanto uma tradição italiana como da série de filmes — dá uma boa idéia dos prós e contras de “The Godfather: Part III”. Há a atuação espetacular de Al Pacino, a introdução de novos personagens, uma idéia da direção que a história seguirá e os elementos audiovisuais propriamente ditos: fotografia e trilha sonora. Gordon Willis retorna como cinematógrafo, embora, com razão, muitos não reconheçam seu trabalho aqui pela falta dos tons de sépia, sombras fortes e atmosfera sóbria dos predecessores. As imagens de “The Godfather: Part III” são muito mais limpas, se posso dizer; trocam o caráter de fotografia velha por cenas mais nítidas e decoradas com tons de dourado, como que para refletir a prosperidade e legitimidade dos Corleone. A única certeza que se extrai dessa mudança é algo como aconteceu com “Indiana Jones and the Kingdom of the Crystal Skull“: uma virada drástica, porém não necessariamente ruim. Dificilmente agradará a todos, enquanto para mim não foi problema, apesar do estranhamento no começo.
A trilha sonora é onde as coisas já vão além do mais ou menos e partem para o ruim propriamente dito. Nino Rota, o compositor das estupendas trilhas sonoras dos primeiros filmes, faleceu em 1979, 11 anos antes do lançamento deste longa. Em seu lugar veio Carmine Coppola com um trabalho que deixa a desejar muito em relação aos acertos de Rota. As melodias principais são atualizadas e perdem um pouco de seu som cru de antes, mas esse não é o problema. O que falta em Carmine é tato, saber quando e porque usar qual trilha. Em muitos momentos ele parece apostar apenas na qualidade da canção, como se não houvesse momentos em que sua presença fica mais potente ou menos. Tanto que chega um ponto em que a trilha sonora é cortada com simples despreocupação, começando uma melodia num ambiente, cortando-a bruscamente e retomando outra quando o cenário muda. No entanto, o argumento negativo mais comum sobre este longa parece ser o mesmo para todos: Sofia Coppola. Tudo bem, o nepotismo funcionou quando Francis Ford Coppola trouxe sua irmã, Talia Shire, para atuar, mas não acontece o mesmo com sua filha. Não digo nem que sua atuação é ruim, é pior ainda quando ela se mostra desprovida de qualquer habilidade dramática como atriz. Assim como falta tato para Carmine Coppola, para ela falta o elemento básico de todo ator que se preze: a capacidade de trazer algo para o personagem, reinterpretar o que o roteiro dá e criar algo novo. Parece que suas falas são apenas rascunhos pouco elaborados e não passam do pior que já foi ouvido na franquia inteira.
Ao contrário da opinião de muitos, “The Godfather: Part III” não é um desastre absoluto. Sem dúvida alguma é decepcionante, porém tem qualidades o bastante para entregar uma experiência agradável. O sucesso é representado por Al Pacino e o arco de seu personagem, concluído aqui; o fracasso, por outro lado, anda ao lado de Sofia Coppola e sua interpretação digna das duas Framboesa de Ouro que recebeu. Entre uma ponta e outra há o roteiro e outros elementos de qualidade variada, que ficam ali por não serem necessariamente bons ou ruins, apenas longe de seu potencial.
2 comments
Perfeita análise. Parabéns, caro.
Gostei bastante da crítica. Parabéns!