Depois de vencer os Oscars de Melhor Diretor, Melhor Filme e Melhor Roteiro Original por “Birdman or (The Unexpected Virtue of Ignorance)“, Alejandro González Iñarritu volta para mais com “The Revenant”, obra com algumas das melhores conquistas técnicas de todos os tempos. Pode parecer pretensioso dizer isso quando “Mad Max: Fury Road” saiu no mesmo ano, pois este último simplesmente escancarou a porta e mostrou-se um dos melhores do ano, em grande parte por ser tecnicamente tão bom. Mas realmente não há exageros quando se fala na fotografia absurda ou na direção firme de Iñarritu, este filme realmente merece várias das 12 indicações ao Oscar.
No começo do século 19, uma expedição de cerca de 50 membros é emboscada por indígenas. Muitos homens morrem e, no fim, apenas um grupo de 10 pessoas consegue fugir de barco com parte dos peles que estavam coletando. Entretanto, a fuga não é tão simples assim: o clima imperdoável castiga os sobreviventes com uma nevasca após a outra. Como se isso não bastasse, índios hostis dominam todo aquele território, procurando apenas uma desculpa para matar um americano invasor. Hugh Glass (Leonardo DiCaprio), o desbravador do grupo, faz o melhor que pode para levar todos para a segurança da civilização, mas acaba sofrendo um acidente quase fatal. Quebrado e largado para a morte, Glass tem de lutar contra a natureza para sobreviver.
Reforçando novamente, “Mad Max: Fury Road” teve uma parte técnica excelente. Não só efeitos práticos foram usados na construção das espetaculares cenas de ação, como todo o clima mostrou estar vivo como nunca esteve. Não há nada no horizonte, apenas uma imensidão de areia e pó que criam imagens incríveis junto de carros potentes e explosões. Trocando todo aquele deserto por neve, uma experiência bem diferente se cria; e melhorando ainda mais a parte técnica surge uma grande conquista do Cinema moderno. Impecável define muito bem tudo que se refere ao técnico aqui: a fotografia de Emmanuel Lubezki é o sonho de todo usuário de Instagram, ela dá grandeza a qualquer coisa filmada; a música e a manipulação dos sons da natureza aumenta ainda mais o impacto das imagens; a atuação crua de DiCaprio não desaponta e ainda conta com ótimos figurino e maquiagem para representação de seu sofrimento.
Cada fotograma contém uma obra de arte, cada cena é uma maravilha de se ver, cada galho tem um valor excepcional quando se fala em composição. Não tanto em termos de misé-en-scene — a composição de elementos na tela em prol de um objetivo — mais para o lado da própria fotografia como arte. Os locais de filmagem no Canadá e na Argentina com certeza devem ser maravilhas naturalmente, entretanto, há muito nos visuais desta obra que tem clara influência de um profissional por trás da câmera. Ao passo que por trás do cinegrafista está o diretor, a voz que direciona a arte. Alejandro González Iñarritu impressionou as audiências quando seu filme anterior pareceu ser apenas uma grande tomada. Até quem não liga muito para o lado técnico de um longa-metragem ressaltou essa qualidade, o que mostra que realmente havia algo notável ali. Mas se até Max Rockatansky ficou para trás, não seria Birdman que faria frente à novamente soberba direção de Iñarritu, pois logo no começo ele entrega um plano sequência que fará muitos espectadores se perguntarem como é possível gravar uma cena daquelas. Em um momento tudo está tranquilo, em outro flechas voam, pessoas morrem, outras caem; a câmera muda de lugar e passa a focar na luta de dois homens no chão; um deles toma um coice de cavalo, que passa a ser o foco da câmera enquanto foge do conflito. Claro, esta não é a cena literal que está no filme, embora ela represente bem a quantidade de eventos paralelos em tela e a complexidade dos vários movimentos de câmera.
Mais do que conquistas técnicas, há muita conversa sobre a possibilidade deste longa-metragem finalmente entregar a Leonardo DiCaprio seu primeiro Oscar. Será este o filme que dará ao ator a estatueta? Provavelmente. Mas esta é a melhor performance dele? Não. Desde que começou a pegar papéis mais sérios, o ator mostrou que tem cacife para ser mais do que um rostinho bonito e simplesmente não tem parado de impressionar. Para mim, seu grande papel foi em “The Wolf of Wall Street”, onde ele pôde mostrar sua habilidade de forma variada e sempre bem humorada. Em “The Revenant”, sua atuação não depende de tanto de discursos, mudanças no tom de voz e diálogos carismáticos, aqui tudo é muito mais carnal, físico e primitivo. A alma de sua atuação está nos grunhidos, nos movimentos desajeitados de um homem ferido, tudo para tornar aquele sofrimento o mais real possível. Por essa e outras, incontestavelmente, este é um filme muito bom. Sua parte técnica por si é digna de David Lean em “Doctor Zhivago”, que também se passa na neve — enquanto “Mad Max: Fury Road” estaria para “Lawrence of Arabia” por se passar na areia. Porém, por outro lado, o longa desliza um pouco em tanto gelo, pecando justamente na história. A trama em si não vai muito além da premissa inicial — há alguns detalhes que preferi omitir — mas este não é o problema. À partir de certo ponto, a história parece que para no tempo; o protagonista fica encalhado em um estágio de sua jornada, sua situação no fim de uma cena é a mesma do começo de tudo, ainda que os ambientes e as situações mudem. E a cada mudança de ambiente dessas aproveitam a oportunidade para um novo plano de ambientação, sempre parando para filmar uma dúzia de gravetos e musgos no caminho — muito bem, se devo reforçar. Infelizmente, a narrativa acaba ficando ferida quando tanto tempo é dedicado a pouco desenvolvimento. A boa direção de arte e a fotografia espetacular continuam ali, mas o espectador já é assegurado de sua qualidade muito antes para mais dessas demonstrações continuarem aparecendo.
Após tanto alarde, devo dizer que esperava mais. Ainda assim, algumas falhas não impedem que “The Revenant” seja um bom filme, embora também não o ajudem a ser melhor que “Birdman or (The Unexpected Virtue of Ignorance)“, que é uma produção consideravelmente menos ambiciosa. No fim das contas, quem sabe menos realmente seja mais.