Quando criança, sempre soube quem era Snoopy e Charlie Brown, mas devo dizer que o desenho ou o quadrinho não foram parte de minha infância como outros desenhos. No Brasil, a tirinha “Peanuts”, chamada “Minduim”, era publicada ocasionalmente em jornais e revistas e teve uma série de especiais de televisão traduzidos, além de alguns longa-metragens de animação. Esses desenhos animados foram, ao menos para mim, quem tornou personagens como Patty Pimentinha e Linus populares, ainda que menos conhecidos que outras figuras. 15 anos após o fim da tirinha clássica, “The Peanuts Movie” é lançado de cara nova, usando computação gráfica, também comemorando os 65 anos da série.
A história se baseia muito nos quadrinhos e traz de volta a história de Charlie Brown (Noah Schanapp) e sua paixão pela nova garota de sua escola, a garotinha ruiva. Desastrado e sempre perseguido pelo fracasso, Charlie sempre tentar dar seu melhor, mesmo que o mundo nunca pareça estar em seu favor. Desta vez ele quer aproveitar que a garotinha não conhece sua reputação para dar a volta por cima; ao mesmo tempo que seu cachorro Snoopy também enfrenta um grande desafio quando o temido Barão Vermelho rapta sua namorada, fazendo com que ele suba para os céus em busca de seu inimigo.
Em primeiro lugar, esta obra é uma grande carta de amor a toda a série Peanuts. Tanto o filho como o neto de Charles M. Schulz, o criador da série, estiveram no comando da produção, mantendo um certo controle e assegurando que a visão original não fosse distorcida nas mãos de terceiros. Mais do que dizer que isso é uma trívia louvável, este é um aspecto notável em cada cenário, fala e traço vistos. Há uma porção de animações originalmente em 2D que fizeram mal a transição para 3D, principalmente em video-games; séries de jogos como “Mortal Kombat” demoraram para entrar nos eixos, ao passo que desenhos como “Cavaleiros do Zodíaco” tiveram estréias questionáveis no cinema. “The Peanuts Movie” mostra que fidelidade ao material original é algo que faz a diferença, pois poucas transições para o 3D conseguem ser tão parecidas com suas contrapartes 2D.
Os modelos — de objetos e cenários, o formato deles — e os cenários são todos tridimensionais, enquanto todos os detalhes dão a impressão que as imagens são pinturas ou artes conceituais. O rosto dos personagens tem profundidade visual, enquanto suas expressões se mantêm autenticamente chapadas, reproduzindo fielmente o traço levemente tremido dos desenhos de Charles M. Schulz — visto também em cenas que revivem o desenho das tirinhas em preto e branco. Sim, aquela característica expressão de decepção de Charlie Brown e muitas outas estão todas de volta. Ao redor destes personagens, trabalham com cores vivas e poucos detalhes, recriando cenários tipicamente cartunescos e dando vida a eles de forma que nenhum realismo jamais atingiria. Ninguém pagaria pra ver uma versão realista do quiosque de psiquiatria de Lucy, muito menos um Beagle branco qualquer que se chama Snoopy; quem quiser uma boa homenagem ao quadrinho antigo terá isso, assim como a criança que procurar um filme divertido sairá satisfeita.
Este é possivelmente o maior acerto aqui, uma vez que na minha sessão de cinema a satisfação era completa: crianças gargalhavam como se este fosse um episódio de seu desenho preferido; adultos aproveitavam todo o clima de nostalgia, a profundidade de algumas piadas e temas mais maduros. Mas que não haja engano, este não é um filme apelativo, é uma história que usa material considerado patrimônio cultural por sua qualidade, 50 anos de qualidade. Todos saem felizes, embora isso também signifique tomar uma posição pouco ambiciosa frente a todo este tempo de publicação. Não li todas as tirinhas publicadas, nem todos os desenhos, mas posso dizer que, pelo que vi, as inspirações para a história não poderiam ser mais manjadas. A garotinha ruiva, o comportamento de vários personagens e até mesmo a rivalidade de Snoopy com o Barão Vermelho são alguns dos temas mais populares das tirinhas, ainda que longe de ser os melhores. Foi uma escolha segura, sem dúvida, que não peca pelo erro, mas por não alcançar todo seu potencial. Pelo menos fico muito feliz por terem feito o melhor que puderam com o material escolhido. A história da ruivinha, por exemplo, não é a melhor de todas as tramas e ainda assim desenvolve uma série temas interessantes. Por este motivo sou impedido de dizer que este é o tipo de filme que funciona como diversão descerebrada, até entretenimento puro mostra importância quando resiliência, depressão infantil e preservação de virtudes mostram-se enraizados em todas aquelas cores bonitinhas.
Tudo isto soma para uma experiência extremamente simpática, um filme leve que pode ser visto várias vezes sem se tornar cansativo. Não importa o fato da história e do final deixarem de ser novidade, não são estes elementos que tornam “The Peanuts Movie” tão agradável, é o resultado de uma obra que honra suas raízes, amor e carinho em forma de desenho animado.