Com a onda de filmes de super-herói em seu auge, muitos pensaram que “Birdman” seria mais um filme do gênero. Talvez não esperassem algo como um filme no estilo Marvel, mais focado em ação e efeitos especiais, mas sim como um “Kick-Ass”, que gira em torno de um super-herói não tão popular. Um choque para quem esperava outro blockbuster, este longa-metragem não conta a história do herói Birdman, muito pelo contrário. A trama acompanha a trajetória de Riggan (Michael Keaton), um ator que se vê perseguido pelo fantasma da fama de Birdman, super-herói que interpretou cerca de 20 anos antes dos eventos retratados. Pretendendo se livrar da indesejada reputação, o protagonista anuncia uma peça de teatro que adapta uma célebre obra literária.
A grande maioria dos eventos representados envolvem a preparação de Riggan e de sua peça, indo desde os ensaios até a preparação psicológica do ator para seu espetáculo. Sem uma separação clara entre estas abordagens, o enredo é contado em uma leva apenas, explorando um ponto em cima do outro sem parada para descanso. Bomba atrás de bomba é jogada em cima de Riggan, os problemas se amontoam e a condição psicológica do protagonista é trazida cada vez mais perto de seu limite. Um ambiente tenso junto de um personagem angustiado cria uma atmosfera sufocante, que segura o espectador pelo pescoço de uma maneira pouco vista desde as grandes obras de Alfred Hitchcock. Esse sentimento transmitido se deve especialmente à direção de Alejandro Iñarritu, que manipula os cortes tão meticulosamente que o filme todo parece ter sido feito em menos de meia dúzia de tomadas.
Montar o filme de uma maneira que tudo pareça contínuo não só intensifica todos os eventos na tela, como também coopera fortemente com a manutenção do ritmo da obra. Ver um acontecimento desenrolar atrás do outro e já ser colocado de lado em prol de outro evento ocorrendo a um corredor de distância é impressionante de sua maneira. Embora a maioria absoluta dos filmes abordem vários ambientes e personagens simultaneamente, cada um com sua própria fatia de influência no enredo, poucos mostram tão bem como eventos interligados acontecem tão próximos uns aos outros. Essa continuidade entre cenas traz uma fluidez única ao longa, que mesmo abordando uma centena de eventos diferentes não se mostra maçante em momento algum. Assistir “Birdman” é uma experiência singular por se exaltar positivamente em conquistas vistas raramente no Cinema, um marco ímpar cinematográfico e semântico ao abordar criticamente diversos pontos contemporâneos.
Ao debater sobre a fama estrondosa que filmes de super-herói trazem às suas estrelas, uma crítica é claramente posta em cima do gênero e de filmes feitos para a massa. A incisividade está no realce em cima das limitações impostas às carreiras dos atores, que têm seu potencial cortado por projetos que não buscam nada além de lucro. Tal posicionamento é amplificado por uma personagem, uma crítica de cinema que abomina a onda de filmes de herói, mas que vai longe demais em sua guerra contra os heróis. No decorrer da história, o escopo crítico chega a ser ampliado até mesmo para a crítica especializada, fechando o ciclo esplendidamente ao mostrar o valor de tais blockbusters apesar de tudo. Curiosamente, o ator que estrela esse conflito entre fama e auto realização é justamente a figura que começou tudo: Michael Keaton foi o primeiro ator a interpretar Batman nas telonas em 1989, filme que pode ser considerado o pai dos filmes de super-herói.
O que transforma esta curiosidade em coincidência genial é justamente a atuação de Michael Keaton ser tão fenomenal. Keaton entrega aqui uma das melhores performances do ano inteiro, e sem dúvida nenhuma a melhor de toda a sua carreira. Assim como a peça serve para Riggan como prova de que sabe fazer mais que vestir uma fantasia apertada; “Birdman” serve como um marco na carreira de Keaton ao ser seu melhor papel de todos, algo digno o bastante para enterrar os Batmans de vez. Provavelmente seus papéis mais populares são até hoje foram os dois filmes que realizou com o diretor Tim Burton, “Batman” e “Batman Returns”. Sem dúvida a fama de tais filmes o acompanhou durante todos esses anos, papéis estes que o fizeram famoso mas não exploraram seu potencial como ator. Felizmente, seu desempenho aqui é tão excelente que o capuz e a capa podem finalmente ser deixados de lado em prol deste grande filme.
Infelizmente, “Birdman” teve oportunidades demais de encerrar sua história grandiosamente e se estabelecer como obra-prima. No fim das contas, estas oportunidades são todas ignoradas e finalmente trocadas por um final no mínimo duvidoso. Sendo relativamente aberto, é difícil classificar o mesmo como ruim logo de cara. O problema está no fato de que grande parte das possibilidades de final, oferecidas pela deixa de Iñarritu, são claramente inferiores às oportunidades ignoradas. Mesmo a melhor delas se mostra claramente decepcionante quando comparada aos caminhos desconsiderados e até mesmo ao resto do longa-metragem. A falta de um encerramento adequado é onde esta obra finalmente erra, prevenindo que a mesma atinja patamares mais altos de qualidade.