Depois de se aventurar no Faroeste com “Django Unchained”, Quentin Tarantino retorna para o gênero de cara nova. Sem planícies, sem sol escaldante, sem bolas de feno. O diretor ambienta seu novo trabalho nas montanhas do Wyoming, onde a neve compensa qualquer falta de terra seca no cenário. O nome do filme, assim como “The Ridiculous 6“, sugere uma referência ao faroeste clássico “The Magnificent Seven“, formando, de certa forma, uma trilogia não oficial. Afinal de contas, vindo de um diretor que lota suas obras de inspirações em filmes e seriados clássicos — é dito que “The Hateful Eight” tomou “Bonanza” e “The High Chaparral” como base — não seria nenhuma surpresa.
Alguns anos após a Guerra Civil Americana, o Major Marquis Warren (Samuel L. Jackson) ganha a vida como um caçador de recompensas. Perdido na neve com quatro cadáveres, três bandidos e um cavalo, ele acaba tendo de pedir a ajuda de John Ruth (Kurt Russell), outro caçador de recompensas, para sair da neve. Assim como Marquis, Ruth transporta sua própria caça, uma criminosa repugnante que é mantida viva para que o caçador veja seu enforcamento de camarote. Após pegar outro passageiro no caminho, o grupo é forçado a se refugiar num chalé para fugir da nevasca, onde encontram uma situação delicada cheia de figuras misteriosas.
Embora a grande maioria dos comentários sejam positivos, não há nada perto de um consenso quando colocam este longa frente ao resto da carreira do cineasta. Para alguns este fica no meio termo, para outros é o melhor de todos. Para mim, o sucesso que não era visto desde “Inglourious Basterds” é retomado em “The Hateful Eight”, um Faroeste longo, instigante e com todas as características esperadas de Tarantino. A divisão de opiniões é tanta que chega até o ponto de avaliar a carreira do próprio cineasta, pois enquanto alguns tratam o diálogo afiado e a violência escrachada como algo positivo, há quem diga que esta fórmula já está passada. Não vou dizer que essa fórmula cansada nunca aconteceu — “Death Proof” é um exemplo claro do diretor falhando nesse mesmo quesito — só não ocorre neste Faroeste.
O diálogo continua afiado e insolente, usando palavras e gírias que ninguém havia pensado em falar no Velho Oeste, mas que, curiosamente, se encaixam perfeitamente. A imersão desta obra é tanta que a mudança de vocabulário nunca destoa do cenário histórico escolhido; em vez de serem limitados pelo formato do gênero, os personagens constroem seu próprio universo. Isso se dá porque os esforços do diretor e roteirista vão muito além de inserir palavrões em diálogos mal criados, ele atinge um equilíbrio entre a acidez, a baixaria, o humor e o plenamente ridículo. O resultado é um dos filmes mais simples e aproveitáveis de sua carreira: há praticamente um cenário para o filme inteiro, então todo e qualquer desenvolvimento fica nas costas das interações entre os personagens. É o suspense de “Reservoir Dogs” e um pingo de “Django Unchained” com uma trilha sonora brilhante de Ennio Morricone no lugar de todo o Hip Hop desnecessário.
Tempos de duração nunca foram e nunca serão motivo para eu negligenciar um filme. Qualidade não se mede pelo tempo. Até prefiro que eles sejam longos se fizerem jus a sua duração como “Lawrence da Arábia” e “Scarface” fizeram, dois dos melhores filmes de todos os tempos. Infelizmente, este longa-metragem não chega lá. Ao mesmo tempo que os personagens não se deixam ser definidos por elementos de gênero, o formato simples da trama acaba limitando a própria obra. Qualidade não entra em discussão neste ponto, pois o filme faz o que faz muito bem. No entanto, quanto tempo alguém consegue ver a mesma dinâmica se repetir? Os diálogos mudam, as interações não são entre as mesmas pessoas e cada cena consegue ter um caráter diferente da outra. E ainda não é o bastante para quase três horas de duração. Para amenizar um pouco, o longa é dividido em 6 capítulos, formato usado de maneira inteligente por evitar que ainda mais tempo seja usado com cenas de menor relevância — como repetir a cerimônia de entrar na carruagem de John Ruth. Por outro lado, deixar a obra tão dividida também expõe como ela poderia ter sido mais curta, talvez abrindo mão de um capítulo.
A duração, acima de qualquer coisa, é o que mais incomoda. Mesmo com os diálogos criativos e bem escritos levando a obra para frente, o tempo é incompatível com a estrutura simples do enredo. Felizmente, não é o bastante para impedir que este longa seja um dos maiores acertos do cineasta. Em contrapartida, o Estereótipo Tarantino mostra sinais leves de cansaço, apesar de estar em boa forma; mais especificamente quando vários elementos de “Django Unchained” são usados quase da mesma maneira. Cabe esperar e ver se no futuro o diretor vai transcender essa fórmula ou se tornar escravo dela.
2 comments
Excelente análise. Concordo com praticamente tudo e confesso que me deu vontade de rever o filme.
E um detalhe sobre a última frase “Cabe esperar e ver se no futuro o diretor vai transcender essa fórmula ou se tornar escravo dela.”
Acho que até o Tarantino sabe que uma hora a fórmula brilhante dele ia cansar, talvez por isso ele disse que vai fazer só mais um ou dois longas e se aposentar.
Será?
Abs.
E aí, Rafael! Bacana te ver por aqui!
Então, se ele continuar nessa acho que inevitavelmente vai cansar. Vamos torcer pra que ele se renove, tem muita competência da parte dele e oportunidades de criar coisa nova em jogo pra ele largar os bets assim.
Abs!