Após o sucesso monstruoso dos dois “Tropa de Elite”, José Padilha teve sua controversa estréia em Hollywood com o remake do “RoboCop” de 1987. Controversa não por ele estar na direção, mas porque ninguém achou que o filme clássico de Paul Verhoeven precisava ser refeito, até hoje ele é completamente assistível. Antes desnecessário do que ruim, alguns podem dizer; o que seria verdade, caso este filme não estivesse tão perto da mediocridade. Pelo menos houve um esforço para diferenciar o remake do original, ainda que esse tenha sido parte do problema por ter sido tão mal trabalhado. Sendo assim, ver que o clássico permaneceu insuperável outra vez não deve ter sido surpresa para ninguém.
A premissa é praticamente a mesma, com apenas algumas mudanças. Em 2028, a OmniCorp lidera o mercado de robótica e tecnologia, exportando seus robôs militares para o mundo inteiro. Apesar deste sucesso internacional, eles não conseguem colocar suas máquinas nas ruas de seu próprio país; uma lei veta colocar vidas humanas nas mãos de robôs. A empresa passa a buscar, então, um elemento humano para incorporar em seu programa e conquistar o público. O atentado contra o policial Alex Murphy (Joel Kinnaman), que o deixa totalmente incapacitado, chega em ótima hora, permitindo a criação de algo meio máquina, meio homem e totalmente policial: RoboCop.
Antes de qualquer coisa, devo dizer que por mais detestável que um remake possa ser, crédito deve ser dado quando tentam inovar algum quesito. Aqui esta inovação é uma espada que corta para dois lados: ela melhora e moderniza alguns aspectos do original, porém cria uma série de outros problemas de roteiro. A parte boa é que não fazem RoboCop exatamente como antes, mudam o personagem e seu desenvolvimento consideravelmente. Dessa vez adotam uma postura muito mais científica, que explica como todo o processo de mecanização acontece e deixa toda aquela fantasia um pouco mais próxima da realidade. Não sei se é o que eu buscaria em um filme do RoboCop, mas foi uma mudança de que gostei. Posso dizer o mesmo sobre a caracterização geral do personagem, outro aspecto mudado. Seu design atualizado consegue ser moderno sem fugir do modelo original, mas o que se mostra como a novidade é o modo como o personagem “funciona”.
O ciborgue abre mão da movimentação travada para adotar uma postura muito mais ágil e consciente. Alex Murphy é mais um homem dentro de uma máquina do que um rastro de consciência, como nos filmes antigos, aqui ele sabe onde está e quem ele é, o que torna possível duas novidades. Uma delas é a atualização das cenas de ação, RoboCop agora pode correr, pular, usar duas armas ao mesmo tempo, pilotar motos e fazer outras façanhas. O resultado são cenas de ação mais movimentadas e complexas, que resgatam o clássico ciborgue em ação e torna tudo ainda melhor do que antes. Só faltou um cuidado maior com os efeitos especiais e com a trilha sonora para livrar tais sequências de defeitos. O primeiro é traduzido em movimentos e ângulos de câmera impossíveis, já o último tem tão pouca presença que parece ser composta de músicas de estoque, compará-la a trilha do original é uma verdadeira blasfêmia. A outra parte não tão boa, mas que poderia ter sido, é o desenvolvimento da figura de Murphy e seu envolvimento com a família. É aí que a frustração começa.
Por Murphy ser muito mais tridimensional que antes, procuram explorar aspectos de sua parte orgânica e de sua vida pessoal. Tentam trabalhar como o lado humana se relaciona com o lado máquina, especialmente por RoboCop lembrar de sua vida antes do atentado, de sua esposa e filho. Em contrapartida, tentam incorporar o lado político da mecanização do homem e do uso de robôs na segurança pública, chegando a incorporar o lado sentimental de Murphy e sua família para desenvolver este contexto a fundo. No fim, nem um, nem outro são bem trabalhados. Ambos acabam perdidos em um roteiro bagunçado, que tenta abordar aspectos clássicos e incluir conteúdo novo sem chegar a lugar algum. A transformação do protagonista acaba sendo um pouco apressada para dar lugar à abordagem científica, enquanto no plano de fundo um cabo de guerra entre dois temas torna ambos rasos. O pior de tudo é que a política é representada por diversas intermissões parecidas com comerciais, nas quais Samuel L. Jackson age exatamente como apresentadores de telejornais policiais: fala e fala e não fala absolutamente nada. Pode ser que a intenção tenha sido depreciar a imagem do personagem, mas isso não tem impacto o bastante para evitar que estes momentos sejam chatos e sua presença inútil.
Pretensioso define bem “RoboCop”. Até tentam introduzir novos temas em cima da história clássica de 1987, com um Murphy mais humano, a influência de sua família e a política por trás dos panos, mas não têm sucesso. Com potencial perdido, é lamentável que o primeiro passo de José Padilha na Cidade dos Anjos tenha sido com um filme tão fraco. Pelo menos fico mais tranquilo ao saber que seu trabalho foi fortemente afetado pela influência dos estúdios, logo a culpa não está totalmente nas suas costas.