Antes de Ayrton Senna, Michael Schumacher e Lewis Hamilton a Fórmula 1 já tinha seus próprios ídolos para cativar os fãs, Grand Prix após Grand Prix e vitória após vitória. Pessoalmente, não sou muito fã de Fórmula 1 e meu empenho para assistir às corridas nos domingos de manhã é menor que zero; então meu ânimo para assistir um filme sobre o esporte não era dos mais altos. O que acabou me fazendo assistir “Rush” foi primeiramente o pedido de um leitor e mais tarde o quão bem outras pessoas falaram do filme. No final das contas, minhas expectativas foram mais que superadas.
Mais do que um filme sobre a trajetória de um atleta e os vários anos de sua carreira, este longa-metragem mostra que a história de James Hunt (Chris Hemsworth) e Niki Lauda (Daniel Brühl) é muito mais. O foco está na flamejante rivalidade entre estes dois corredores da Fórmula 1, que teve suas raízes na época em que os atletas ainda competiam na Fórmula 3. Um período de 7 anos da vida dos dois é acompanhado, mostrando diversos lugares conhecidos do mundo das corridas, como Brands Hatch, Nürburgring e até mesmo outros como Interlagos — que está ali mesmo sem ter sigo gravado na localidade em si.
A estrutura em geral é muito puxada para o gênero Ação, pois aspectos envolvidos na composição das cenas remetem muito ao gênero. Ângulos de gravação, posicionamentos de câmera e rápidas mudanças de perspectiva criam um clima de adrenalina constante. É uma representação fiel do que imagino ser o ponto de vista de um piloto, o que ele passa nas corridas. Os méritos desse clima frenético e ritmo totalmente acelerado caem sem dúvida no colo da direção espetacular, que mais do que qualquer outro elemento contribui e muito para a construção de um dos pontos mais fortes do filme. Outras partes até dão uma boa ajuda, mas nada chega muito perto dos esforços de Ron Howard; tal como é o caso da trilha sonora, que apenas cumpre seu papel enquanto poderia ter feito um pouco mais pela atmosfera criada.
Hans Zimmer foi o responsável pela trilha sonora de “Rush. Posso dizer que aprecio muito seu trabalho — ele deu vida a obras impressionantes como “O Rei Leão” e “Gladiador” — mas não consegui apreciar os seus esforços nesse filme. Talvez 2013 tenha sido um ano ruim para Zimmer, uma vez que o próprio “Man of Steel” também desapontou com a desimaginativa trilha sonora. Neste caso, a parte sonora cumpre seu papel e apenas isso. As composições originais estão em sua maioria limitadas a músicas de fundo que tocam tão baixo que são quase imperceptíveis. A única coisa que faz sua presença ser melhor notada é quando a batida fica mais veloz, com apenas uma ou outra melodia mais se fazendo notar de forma positiva. Ao menos Zimmer faz bom uso de músicas licenciadas para o longa, que conta com Thin Lizzy e até mesmo David Bowie.
Mas o que realmente faz o filme valer a pena é a representação da rivalidade entre os dois corredores. Mais do que apenas uma rixa boba, o envolvimento entre Hunt e Lauda alcança dimensões absurdas como a moralidade, os sentimentos e até mesmo a vida pessoal de cada um. O que torna as coisas especialmente interessantes é o fato de não existir herói, protagonista principal ou favoritismo em relação a um dos personagens, ambos são figuras bem características e detestáveis de sua própria maneira. Se um espectador escolhe torcer para algum dos dois corredores é por pura identificação pessoal, pois o longa consegue ser bem imparcial nessa questão de representar os dois igualmente. Enquanto de um lado temos o indivíduo arrogante, presunçoso, incontinente e esnobe; no outro temos outro arrogante, antissocial, sistemático e rude. Não é bem uma soma sensacional de qualidades, mas já é o bastante para criar um embate mais que agradável.
Mas nem tudo são flores em “Rush”, pois de longe o que mais me incomodou no filme inteiro foi sua fotografia. Se em uma mão há ângulos variadíssimos e uma composição impressionante de sequências de ação, de outro há a tinta extremamente mal escolhida que pinta tais cenas. Aplicam um certo filtro de Instagram em todas as cenas, dando a impressão que o filme foi entregue a um dono de smartphone para que ele aplique todos os efeitos ao mesmo tempo e faça daquilo sua arte, como é bem comum no tal aplicativo. Emperraram os botões do contraste e da saturação no máximo, por consequência criando aquele efeito horrível de cores estouradas na tela. O vermelho dos carros é tão vermelho que parece o sangue dos Faroestes antigos elevado ao quadrado; o céu é tão azul quanto um oceano de gizes de cera azuis derretidos; e o verde é mais verde que o Incrível Hulk depois de passar sete meses sem comer. Algumas cenas sofrem muito por conta dessa decisão de design popular entre os fotógrafos de Instagram, o que é realmente uma pena e estraga a experiência visual excelente que esta obra poderia ter proporcionado.
Mesmo os que preferem dormir uma hora a mais no domingo em vez de assistir à corrida na televisão vão aproveitar o que este longa-metragem entrega. Mais do que carros velozes há atuações fortes, uma boa trama e personagens no mínimo característicos em uma rivalidade que quase bate à porta dos Hatfields e McCoys.