Creio que hoje em dia seja quase impossível não comparar qualquer filme de boxe à franquia Rocky e por mais que a tendência seja comparar “Raging Bull” também, devo dizer que desmerecer este por não ser tão popular quanto “Rocky” é um erro terrível. Ambos são excelentes filmes focados em um boxeador, mas a abordagem da vida de seus protagonistas é completamente diferente.
Ao contrário da franquia de Sylvester Stallone, na qual o boxe e as lutas são o foco da trama, o esporte é usado por Martin Scorsese mais como um plano de fundo para o resto dos acontecimentos da vida do protagonista. Interpretando espetacularmente um homem mau, Robert DeNiro encarna Jake LaMotta, um boxeador do Bronx que lutou profissionalmente entre os anos 40 e 50. O foco está principalmente na vida conflituosa do atleta e suas relações; mais especificamente, são exploradas as poucas facetas expostas pela personalidade não introspectiva de LaMotta. Detentor de uma personalidade forte e rígida, o personagem não transparece seus sentimentos ou o que está pensando, ele as transmite fisicamente em acessos de energia pura, o que acaba criando as barreiras que deterioram seu relacionamento com as pessoas ao seu redor.
Preso em círculo vicioso, Jake LaMotta se agarra cada vez mais às suas crenças unilaterais e autocentradas ao mesmo tempo que é arrastado para longe das coisas que o fazem bem. Tendo suas relações limitadas pelas mesmas paredes que restringem suas decisões, o protagonista é representado por poucas faces, mas que se mostram suficientes para comunicar os aspectos relevantes que fazem da vida de Jake tão instigante. Transmitir tão bem sentimentos tão enterrados na psique de um personagem é tarefa para poucos, mas Robert De Niro faz sua parte como ni8nguém. Não se tem apenas uma noção mais concreta da confusão emocional do protagonista, mas também pode-se ver como aos poucos o ator entra na pele de seu personagem. Não é de se surpreender, De Niro vai de um corpo rasgado a um obeso mórbido, engordando incríveis 27kg para o papel.
Sem a presença dos outros personagens, a representação da vida de LaMotta seria no mínimo entediante. Um personagem como esse não teria o mesmo impacto sozinho do que se estivesse rodeado de outras pessoas. Os coadjuvantes não são apenas importantes para o filme pela qualidade de suas atuações, mas principalmente porque é através deles que vemos o impacto das ações de Jake LaMotta. Seu estilo de vida e modo de pensar mostram-se destrutivos para as pessoas próximas a ele e consequentemente a ele próprio quando estes indivíduos reagem aos seus ataques. Como o protagonista não se abre com ninguém, é através do outros que se enxerga quem ele é.
A história é apresentada pelo diretor em preto e branco, dando um tom audaz e enérgico à atmosfera do filme. Todos os tons de cinza, preto, branco e prata dão certa autenticidade aos momentos importantes na vida de Jake: as lutas abarrotadas de gente são um espetáculo claro e brilhante; enquanto outros momentos decadentes da vida do personagem são mostrados mais obscuramente, abusando dos cinzas escuros e dos pretos. Mais do que ser visualmente atraente, a palheta de cores escolhidas contribui também ao aspecto histórico da trama, que é de fato baseada em eventos reais.
Certamente entre os filmes bons de Scorsese, “Raging Bull” é uma experiência única no gênero de filmes de Esporte. Além de ser mais uma demonstração do talento de Robert De Niro e Joe Pesci — este último brilhando quase tanto quanto o próprio protagonista.