Este é o tipo de filme que a maioria das pessoas conhece mesmo que muitas não tenham assistido. Assim como a cena da bicicleta em “E.T.” ou a revelação de Vader em “The Empire Strikes Back“, “Dirty Dancing” é lembrado principalmente pelo grande número de dança ao som de “(I’ve Had) The Time of my Life”, entre outros momentos icônicos que são relembrados até hoje. Com o sucesso estrondoso do longa, Patrick Swayze tornou-se um dos grandes nomes da época, sendo lembrado especialmente como símbolo sexual dos Anos 80 e 90. No entanto, fui enganado. Tanta popularidade acabou não refletindo em qualidade, uma vez que o filme em si parece um produto genérico de sua época com alguns elementos de destaque aqui e ali para compensar.
A família de Baby (Jennifer Grey), depois de anos sem descanso, finalmente tira um tempo de férias em um resort no interior do estado. Lá, a garota inicialmente não encontra o significado de diversão, como os donos fazem tanta questão de mencionar, e sim atividades chatas como jantares em família e se maquiar para parecer com Elizabeth Taylor em “Cleópatra”. Ela só encontra a parte interessante da viagem quando descobre as festas secretas dos funcionários, onde o ritmo é mais quente que em qualquer uma das festas oficiais. Melhor ainda, é lá que ela conhece Johnny Castle (Patrick Swayze), o grande dançarino tão desejado pelas hóspedes do hotel.
Conhecendo o número de dança final com a mencionada canção de antes, sempre tive a impressão de que este fosse um musical. Mas não, “Dirty Dancing” está mais para um romance tradicional com um foco especial na dança do que qualquer outra coisa, um que não é muito diferente de diversas outras obras de fórmula já conhecida. Em outras palavras, soa um tanto como um “Cocktail” com dança e música, o que é um tanto bizarro quando se compara a recepção dos dois. O longa com Tom Cruise foi amplamente rechaçado pela crítica e até indicado a algumas Framboesas de Ouro, ao passo que “Dirty Dancing” é até hoje considerado um clássico. Não faz muito sentido por conta dos dois serem tão próximos e até compartilharem alguns problemas, cada um acertando em algumas partes em que o outro erra.
Com isso dito, a idéia não é colocar os dois no mesmo patamar e tratá-los como lixo comercial dos Anos 80. De forma alguma. Um deles está acima da opinião popular e o outro abaixo, com ambos ocupando a posição de obra competente sem causar uma impressão duradoura. A história, por exemplo, não é nada memorável nem ofensivamente rasa. Uma garota de família rica, a preciosinha do papai cheia de ideais humanitários, conhece um cara de realidade completamente diferente e se apaixona, talvez pela primeira vez na vida. Seus pais são quadrados, sua irmã é uma patricinha desmiolada e os donos do hotel mostram-se pessoas más que se passam por boa gente, incluindo o filho do dono também interessado em Baby. Ela deve decidir de qual lado faz parte e quão longe ela disposta a ir a favor de sua decisão. Colocando dança no meio dessa história, dá para ter uma idéia de como as coisas se desenrolam entre a garota e o rapaz.
Mas não é o enredo e sua qualidade previsível que mais pesam negativamente. Sendo justo, ele nem chega a ser um problema tão grave por ser mera e simplesmente padrão e ainda contar com algumas adições sobre a fórmula já conhecida. Mesmo não sendo um musical na prática, a parte da dança tem presença forte em “Dirty Dancing”, frequentemente tomando conta de sequências inteiras na forma de vários casais fazendo jus ao subtítulo brasileiro. Felizmente, todos os envolvidos são bons dançarinos e até impressionam pela ousadia como dançam ao som de uma coleção de grandes canções dos Anos 60. Para quem nunca esperou que elas pudessem ser dançadas dessa forma, foi uma surpresa e tanto ver interpretações quentes de “Do You Love Me” e “In the Still of the Night”. Adicionalmente, os grandes números realmente colocam a capacidade do elenco à prova e entregam aquilo que prometem com coreografias mais do que boas, elas são condizentes com a condição de cada personagem. Sim, sempre existe um pouco de suspensão de descrença no processo todo, mas ao menos se nota um esforço para que o espetáculo de verdade venha no final, não antes disso.
Se for apontar o dedo para algo como pior parte de “Dirty Dancing”, sem dúvida seria para as atuações. Incrivelmente, nenhuma pode ser chamada de boa ou de eficiente, sendo no máximo aceitáveis a ponto de não estragar cada cena completamente. As tentativas de drama da história nunca funcionam de verdade porque o elenco não mostra alcance para satisfazer as necessidades de um momento em que o amor é confessado, em que raiva é demonstrada ou mesmo quando um pai é duro com sua filha. Não resta dúvida de que toda a fama de Patrick Swayze resultante deste longa não nasceu com uma interpretação forte ou um personagem icônico. Ele nada mais é do que um rostinho bonito e um corpo malhado inserido num terno aberto, que dança muito bem e arrasa corações por onde vai. E claro, faz o papel de macho alfa antissocial por um tempo — comicamente lembrando o personagem em “Road House” — até finalmente abrir seu coração e revelar que ali jaz uma atuação fraca do começo ao fim. Nem Swayze, nem Jennifer Grey, Jerry Orbach ou qualquer outro ator entregam um esforço redentor, tornando difícil engolir a mesma trama de sempre por não existir interpretações fortes por trás dela.
Se ao menos o elenco demonstrasse investimento em querer fazer da trama algo diferente por meio de personagens marcantes, talvez “Dirty Dancing” poderia ter sido uma obra formular que se sobressai por sua competente execução, algo de que muitos trabalhos não podem se gabar. Mas não é como se não existissem diferenciais. A trilha sonora evoca tanto o melhor da música dos Anos 60 com The Four Seasons, The Ronettes e outros, como canções inconfundivelmente pertencentes aos Anos 80. Enquanto a parte fraca do cinema comercial da época aparece na trama padrão, a parte boa chega através das músicas e o exagero extravagante das várias sequências de dança. Definitivamente não é um filme esquecível, mesmo que não seja bom como a opinião popular dita.
1 comment
Nunca parei para olhar e analisar criticamente muitos dos elementos que compõem o bom e o pior desse filme. Excelente crítica!