Se um filme é tão ruim que ele acaba sendo bom, seria ele tão ruim em primeiro lugar? Talvez os objetivos do diretor tenham se perdido no meio do caminho, mas se o resultado final é agradável não há porque crucificar a obra. Vendo “Road House” mais ou menos dessa maneira mostra que por trás de cenas de treinamento de Kung Fu e do diálogo terrível há um filme divertido. Para se ter uma idéia melhor, até alguém esteja livre de quaisquer pré-julgamentos sobre esta obra e tente levá-la a sério, eventualmente terá de deixar essa visão de lado quando o próprio filme mostra que tem Anos 80 demais no sangue para isso, o que nem sempre significa coisa ruim.
Dalton (Patrick Swayze) é o melhor de seu ramo. Botar bares em ordem através da coerção e da violência é seu trabalho e até hoje ninguém impediu que ele fizesse o que devia ser feito. Seu mais novo emprego o leva para uma cidade pequena no interior, onde o bar Double Deuce se localiza. O lugar está mais para uma terra de ninguém do que para um bar minimamente respeitável; drogas são vendidas, brigas são parte da rotina, funcionários roubam dinheiro e ninguém parece estar muito preocupado com a situação. Ninguém exceto Dalton, claro, que pretende botar as engrenagens para rodar com sangue e suor.
Inicialmente não entendi o porquê de tanta gente falar que este filme era ruim, porém aproveitável, estava achando tudo bom demais para ser alvo de tais comentários. Até o ponto que o longa se limita a mostrar a briga do protagonista contra a bagunça do bar realmente não há problema, é depois que os clichês dos Anos 80 entram de vez que tudo começa a desandar. Seria errado dizer que esta obra não tem aquele aspecto característico da época desde o começo, os cortes de cabelo e a glorificação da masculinidade estão sempre presentes, com a diferença que sua presença é meramente estética e superficial. Um homem tão durão que costura os próprios pontos sem anestesia não é algo que faz alguém reclamar, John Rambo fez isso 7 anos antes. Este mesmo homem é uma montanha de músculos e tem graduação em Filosofia, mas tudo bem, as garotas apreciam um homem inteligente. Em seu tempo vago ele treina movimentos de kung fu no quintal de sua casa. Aí vemos que um protagonista bidimensional não era o bastante, vão ainda além ao usar o tempo livro dele para elaborar os estereótipos de sua personalidade.
Ainda pior que isso é querer transformar a obra quase completamente de uma hora para a outra. Eventualmente, uma figura aparece para antagonizar Dalton, ele é o cara que enriqueceu com o suor dos trabalhadores da cidade e passou a mandar em quase tudo à vista. Quando o protagonista passa a sair com Doc (Kelly Lynch), uma garota cobiçada pelo vilão, a briga torna-se pessoal e não só o bar necessita de limpeza, mas a cidade inteira. É basicamente o trajeto que a franquia “Duro de Matar” fez em 3 filmes contidos em 2 horas. Primeiro um prédio é salvo, depois um aeroporto e depois a cidade de Nova York. Salvar um bar e partir para a cidade toda é certamente uma tarefa que poucos encaram, quem dirá o espectador, que neste ponto nem leva mais nada a sério.
A história torna-se um absurdo total sem salvação em dois toques e isso não passa nem de longe despercebido pelo espectador, uma vez que frases do naipe de “Eu costumava foder caras que nem você na prisão” tornam-se cada vez mais comuns. Isso não significa que a experiência seja, de alguma forma, chata. A porrada continua sendo distribuída, os músculos permanecem em uso e o vocabulário só melhora com o passar do tempo; a diferença é que o entretenimento que vinha com cadeiras sendo quebradas nos dentes alheios passa a vir com um carro monstro esmagando o showroom inteiro de uma concessionária. Não sei o que se passou na cabeça dos roteiristas para que uma mudança tão drástica acontecesse, talvez acharam que faltou excentricidade na história e decidiram colocar mais explosões para agitar os ânimos. Não vou dizer que foi uma decisão completamente infeliz, em troca de um pouco de qualidade deram a esta obra a identidade que ela manteve após tantos anos: o filme quintessencial para quem quiser entender melhor os absurdos dos Anos 80.
Analisando com uma visão séria, “Road House” se posiciona entre os melhores exemplos de como lotar um filme com o maior número de clichês possível; ou se abordado com uma visão mais liberal, este é um filme que, apesar de seus vários defeitos, diverte bastante na medida do possível. Não é material para uma lista de melhores da década, mas é um ótimo candidato para guilty pleasure, sem dúvida alguma.