Finalmente chegou o momento que eu temia. Depois de quatro filmes decentes e um medíocre que tinha potencial, a série “Hellraiser” chega num patamar de decadência que me faz questionar e quase me arrepender de ter começado a maratona. Se os pontos mais altos da série não eram muito altos, então os mais baixos seriam ainda mais baixos. E séries longas como essa, de Terror em especial, costumam impressionar com seus padrões de qualidade e o que eles permitem que seja lançado para o mundo como um produto não irônico. “Hellraiser: Hellseeker” é apenas o pior que a série tem para oferecer e talvez o pior de todas as séries grandes de Terror Slasher.
O filme já começa dando sua principal cartada, o que provavelmente foi promovida como o maior chamariz para atrair os fãs assíduos, os únicos que ainda insistiam em continuar assistindo nesse ponto. Ou talvez não exatamente, porque de deslizes havia apenas um na conta e não era dos mais graves. O pior vem agora. Os produtores, ou melhor, Doug Bradley conseguiu fazer com que Ashley Laurence reprisasse o papel dos dois primeiros mesmo que por um breve momento. E é breve de fato. Quem esperava encontrar mais uma história em que ela é a protagonista vai encontrar um novo protagonista sem o mesmo charme nem a mesma presença, mas tudo bem: ela aparece por cinco minutos.
A história começa com Kirsty Cotton (Ashley Laurence) e seu marido Trevor Gooden (Dean Winters) se envolvem num acidente de carro que aparentemente é fatal para a moça. As circunstâncias do acidente são confusas e Dean não consegue relembrar exatamente como as coisas aconteceram naquele momento. Sua memória cheia de buracos o pragueja no dia-a-dia conforme culpa e impotência o consomem por dentro e a polícia o atormenta por fora, tentando descobrir qual foi seu papel na morte da esposa. Cada novo dia é um passo que Trevor dá para dentro de um ciclo de sofrimento, sexo, assassinato e corrupção.
Isso já acende um alerta. Quem assistiu os filmes até aqui sabe que essa premissa soa estranhamente familiar, algo muito parecido com o que já foi feito antes. Mas qual série de longeva nunca cometeu o crime de se plagiar? Bom, poucas foram safadas a ponto de refazer o último lançamento. Sim, se “Hellraiser: Inferno” trouxe uma ideia de fato interessante sobre um inferno pessoal sem a caracterização com o fogo, a lava e os demônios voadores, algo mais próximo de uma realidade insuportável desenhada para torturar a alma daquele que a vive. E isso pode ser qualquer coisa. As possibilidades são infinitas. A ironia é que o anterior já não representou isso muito bem, mesmo tendo pontos fortes e um conceito sólido para construir o filme em cima. O resultado foi mediano, então a real dúvida é o porquê fazer a mesma coisa de antes numa versão significativamente piorada.
“Hellraiser: Hellseeker” introduz Rick Bota como aquele que acabou sendo o diretor veterano da série, o único que retornou para mais. E talvez seja exatamente esse o problema: Scott Derrickson é substituído por alguém que claramente não consegue fazer um trabalho do mesmo nível. E nem falo de um alto nível, é manter as coisas mais ou menos como elas estavam. “Hellraiser: Hellseeker” é uma cópia piorada, uma continuação apelativa que abusa de artifícios baratos para tentar se vender e ser mais que um produto derivativo que, além disso, ainda está copiando ideias de seu predecessor direto. É o mesmo filme sem o policial protagonista e a atmosfera neo-noir, a mesma ideia básica transcrita num roteiro menos competente e representada por um diretor que abusa da boa vontade da audiência sempre que pode. Até a conclusão é praticamente igual.
“Hellraiser: Hellseeker” já começa mal desde os primeiros minutos, quando o acidente de carro mal dirigido já serve de panfleto para um festival de incoerência narrativa. O diretor usa a amnésia do protagonista como forma de criar uma narrativa não tradicional; em outras palavras, algo tão fragmentado que em qualquer momento que parecer que as cenas não conversam entre si, sem uma mínima ligação, a desculpa é que o protagonista tem buracos na memória e sua percepção está alterada. Ele não lembra das coisas e acha que está enlouquecendo, logo é possível entregar sequências de cenas desconexas e ninguém pode acusar desleixo. É feio. Não há estilo, não há nem uma pequena sugestão de lógica ou intencionalidade na desordem, apenas uma coleção de cenas unidas pelo destino infeliz de estarem no mesmo arquivo de vídeo.
É árduo passar por isso sabendo que é apenas uma reciclagem de conceito e mais um “Hellraiser” adaptado de um outro roteiro sem relação com a série, agora com ainda menos orçamento e um elenco de coadjuvantes que fazem cada cena largada ser ainda mais difícil de assistir. E como se não fosse suficiente, a conclusão traz uma cena tão estúpida e ofensiva que faz qualquer espectador que não esteja cego pelo retorno de Kirsty sentir raiva de quão ilógica é sua participação aqui. Tudo bem ela ter se casado anos mais tarde e reencontrar a Configuração do Lamento por algum motivo, mas toda ação consciente sua aqui vai contra qualquer noção de continuidade ou nem isso, de bom senso. Fica bem claro que ela só está aqui para que “Hellraiser: Hellseeker” não seja totalmente esquecido e rejeitado como uma continuação vazia. Agora ele “aquele em que a menina volta”.