“Dr. No” nunca foi um dos meus favoritos. Lembro bem nos fóruns da internet encontrar gente — que eu considerava puristas na época — falando do primeiro como se fosse um caso clássico de obra original que recebe continuações e perde toda a essência em tentativas posteriores de reproduzir o sucesso com repetição de truques e imitação. Bem, a série 007 segue por um caminho diferente, mais similar aos de outras longevas que acabam tendo pontos altos no meio do caminho, muitas vezes superando o original. Eis que o não o primeiro, mas o sexto livro de Ian Fleming é escolhido como a primeira adaptação de James Bond para o cinema, já que os direitos para o primeiro livro, “Casino Royale” já estavam nas mãos de outros produtores e este só viria a ser produzido em 1967 em forma de comédia.
O Agente 007, também conhecido como James Bond (Sean Connery), é convocado para uma missão na Jamaica. Um dos agentes do MI6 desaparece e logo a notícia de sua morte chega no alto escalão, que designa Bond para investigar os detalhes acerca de sua morte, se por acaso ela tinha a ver com sua cooperação com a CIA em uma investigação sobre problemas com o programa espacial na região. Tão logo que chega, 007 vê que está envolvido em algo bem maior do inicialmente se imaginava.
Essa é a introdução do homem que os homens queriam ser e que as mulheres apenas queriam, como foi frequentemente dito ao longo dos anos; a primeira vez que as famosas palavras de apresentação foram ditos de um jeito que até hoje muita gente considera o melhor de todos. “Bond, James Bond” dizia Sean Connery em tom seguro enquanto acendia um cigarro sem nem olhar para ele, apenas continuando seu jogo de baccarat e seu flerte com a moça do outro lado da mesa. É tão suave, firme e natural que não poderia ser mais apropriado para um personagem criado com a ambição de se tornar um ícone mundial da cultura popular e um símbolo sexual masculino. Ou talvez o sucesso só se deu por conta de quão bem acertam pontos como esse, que venderam perfeitamente a imagem de um agente charmoso, atraente e cheio de apelo. “Dr. No”, que, embora imperfeito, acerta justamente nos pontos importantes para fazer audiência e executivos acreditarem no futuro da série.
Digo imperfeito porque em alguns pontos fica claro que a ambição ultrapassa a realidade e o resultado deixa a desejar. Isso já é notável quando se analisa “Dr. No” por conta própria mas também principalmente quando se leva em conta o que foi feito nas continuações, nas quais o orçamento e o resultado conseguiam corresponder a expectativa de criar algo extraordinário como os cenários e o design de produção de Ken Adam ou a diversidade de locações em um mesmo filme. Há momentos em que fica claro que se tentava criava algo fora do comum, algo com o selo “material de cinema”: um blindado militar customizado equipado com lança-chamas, metralhadoras e holofotes de busca; um grupo de vilões com alguma característica marcante que os diferencia de meros assassinos de aluguel; algum apetrecho da divisão Q do MI6; ou qualquer coisa que exigisse um pouco mais de dinheiro e estrutura para realizar.
O problema é que falta algo aqui. Em parte, isso é perdoável porque ainda não se havia chegado em uma fórmula funcional, isso só aconteceria dois anos depois com “Goldfinger“. “Dr. No” por vezes parece um filme cru: o que para os padrões da série dá errado toda vez que o filme tenta algo muito extraordinário e dá muito certo quando ele se prende aos básicos de uma história de espião. E história espião de fato, algo mais próximo da idéia dos Anos 60 do que era um filme de ação, algo mais inclinado para o suspense e com cenas mais modestas. Quando “Dr. No” aposta nos momentos simples, de investigação inteligente e de perseguições sem muita complicação, de momentos em que James Bond simplesmente usa a cabeça melhor que seu oponente e consegue sair por cima, é aí que tudo funciona melhor.
Nos aspectos mais básicos, o sucesso é visível na maioria dos casos. Sean Connery é uma compatibilidade imediata com o papel e convence perfeitamente bem como um homem bonito, interessante, sedutor e como um agente secreto especificamente, o que pode não parecer muito, mas faltando qualquer um desses elementos já seria o suficiente para arruinar o papel a acabar com a credibilidade do protagonista. Considerando que é um papel que não exige muito em termos de interpretação dramática, basta acertar nesses pontos. É mais ou menos como o papel de Ursula Andress: sua figura e sua cena de introdução são todas icônicas, ao passo que sua interpretação nunca foi algo lembrado ao longo das décadas. O vilão segue o mesmo exemplo, e Joseph Wiseman estabelece um padrão alto para os famosos vilões da série. Tirando limitações pelos motivos já mencionados, a interpretação e caracterização do vilão fazem jus ao seu nome ser o título da obra. Por mais que hajam problemas, há um acerto simples nos quesitos importantes de protagonista, coadjuvantes e vilão, assim como uma trama cativante para justificar toda aquela aventura na Jamaica.
A novidade que percebi dessa última vez foi como “Dr. No” é, na verdade, um filme modesto. E no bom sentido. Para além de se prender aos básicos de um história de suspense envolvendo espiões, o fato de ainda não existir vícios e convenções formulares da série deixa essa obra ser um pouco mais livre. Isso significa que não há cenas com James Bond usando smoking num parque de diversões, na neve ou em qualquer outro lugar que não em uma festa de gala em que o traje é esse. O ambiente é a Jamaica e as roupas condizem com o clima, o figurino segue um padrão lógico-prático independentemente quão classe alta James Bond é. Ele usa roupas leves, claras, refrescantes e apropriadas para o verão. Não é à toa que se conserva a filosofia daqui em sua continuação: menos é mais. E melhor ainda, “Casino Royale” ainda voltaria à fidedignidade e realismo vistos aqui mais de 40 anos depois.
1 comment
Caio, pelo menos a serie de filmes de 007 servem como diversão. Muita Luz para você.