Havia muita antecipação por este aqui. “Doctor Strange”, apesar de não ser um dos meus favoritos nem de longe, foi bem aceito pelo público, que rasgou elogios para alguns aspectos e foi rápido em começar a pedir por uma continuação. O desejo foi mais ou menos satisfeito com as aparições do personagem em outros filmes até que eventualmente chegou a hora de lançar uma continuação oficial. Com o fim do grande arco narrativo do Infinito, a Marvel começou a investir mais no conceito de Multiverso e realidades paralelas, começando com Loki e prometendo aqui finalmente entregar o conceito com maior presença do que antes. “Doctor Strange in the Multiverse of Madness” traria o Multiverso de uma vez por todas.
America Chavez (Xochitl Gomez) se encontra perdida na Terra-616, mais conhecida como o universo principal do Universo Marvel. A garota tem sido perseguida por entidades diversas que buscam explorar seu poder de se transportar entre universos diferentes. Pouco tempo depois de se encontrar nos cuidados do Doutor Estranho (Benedict Cumberbatch), ela logo descobre que a responsável pelos ataques é Wanda Maximoff (Elizabeth Olsen), que quer extrair o poder da garota para reencontrar em outro universo os filhos que criou e acabou perdendo no fim da realidade que havia criado em Westview.
Havia uma promessa grande. Duas até, por sinal. A primeira se dava pela antecipada continuação do primeiro filme, lançado seis anos antes; a outra era sobre a exploração do Multiverso em uma história completamente dedicada a isso. O que se ouvia frequentemente era uma expectativa de que a Marvel expandiria o conceito de forma apropriada, ou seja, usando os atores e o conceito numa produção principal, já que até então o conceito só havia sido explorado extensivamente na minissérie de animação, “What If…?”. Mesmo sendo canônica, o público queria ver o tratamento fotorrealista e supostamente mais sério das produções multimilionárias do cinema. E talvez a expectativa tenha sido a ruína de “Doctor Strange in the Multiverse of Madness”.
Essa foi a principal reclamação, de longe, e há certa razão ali no meio. As pessoas esperavam encontrar uma quantidade de grande de universos em uma mesma história e encontrar as versões mais bizarras do Doutor Estranho neles, talvez algo como já havia acontecido com “Homem-Aranha: No Aranhaverso” em que os protagonistas são Miles Morales e vários Homens-Aranha juntos em uma aventura. Não tantos universos são visitados, mas heróis de outras dimensões caem num mesmo lugar em que a história já era um pouco diferente daquela já conhecida pelos fãs do Aranha. O plano de “Doctor Strange in the Multiverse of Madness” é levar o Doutor Estranho original por vários lugares em vez de trazer os universos até ele.
O que acontece é que são poucos lugares visitados. Contra isso não posso argumentar, já que a quantidade fala por si. Além do mais, o tempo passado em algumas delas é tão pequeno que mal dá para dizer que a exploração é digna. Por outro lado, seria bem difícil criar uma história em que vários universos fossem visitados e bem explorados ao mesmo tempo. Inevitavelmente, aumentar a quantidade de lugares significaria ficar pouco tempo neles e provavelmente aumentaria o custo de produção. Mesmo assim, devo dizer que fiquei satisfeito com o equilíbrio que “Doctor Strange in the Multiverse of Madness” encontrou. Não é ideal nem perfeito, ainda há certa margem para críticas, mas é competente o suficiente, algo que também pode ser dito da obra como um todo.
Há um universo em que se passa mais tempo e onde mais coisas acontecem. Basicamente, é isso. O resto aparece por menos tempo ou cumpre uma função específica dentro do roteiro e nunca mais volta. “Doctor Strange in the Multiverse of Madness” deixa para focar em apenas um para desenvolver uma pequena trama que consegue fazer valer o tempo investido nela e até mesmo o plano de focar em poucos lugares em prol de um pouco de desenvolvimento. Há uma conexão com “What If…?” ali, a participação de outros heróis que não outros Doutores Estranhos, alguns agrados inesperados para o público e também uma surpreendente sequência de eventos com melhor cena de ação do filme. Mas não é como se o único sucesso estivesse no mesmo trecho: a falta de quantidade não implica em pouca qualidade. Há uma trama bem pensada que resgata o final de “WandaVision” e dá uma virada na personagem que parecia improvável, dado o histórico da Marvel de não mexer muito no status quo de seu elenco. É aí que o diretor Sam Raimi encontra uma oportunidade de dar um brilho especial à obra.
Depois de muitos anos, o diretor volta às histórias de super-herói. Sendo um dos pioneiros da modernização desse tipo de filme em Hollywood com a trilogia original do Homem-Aranha, havia certa empolgação pelo seu retorno em uma história com tantas possibilidades como essa. O problema é que a Marvel não tem um histórico muito bom de deixar seus diretores — ou qualquer artista — ter muita liberdade criativa. Não é “Doctor Strange in the Multiverse of Madness” que quebra esse ciclo, porém há uma ou outra oportunidade em que o diretor consegue fazer seu talento pessoal se manifestar de forma clara para além da execução básica do conteúdo. Ironicamente, é nas cenas com um toque de terror que isso se vê, quando Raimi empresta sua vasta experiência no gênero para inovar num quesito que a Marvel ainda não criou uma fórmula sua.
A grande decepção para mim não foi a falta de universos, de diversidade de mundos ou de versões do protagonista, e sim a conclusão. “Doctor Strange in the Multiverse of Madness” traz o clássico e infeliz deus ex machina na mais pura versão japonesa do poder da amizade salvando o dia. Depois de tanta coisa, seguindo as fórmulas padrão da Marvel ou não, encontrar um final como esse foi como um tapa na cara gratuito. Tudo que foi criticado aqui não me incomodou tanto, mas não há como ignorar o quanto o final aparenta ser um desleixo de última hora por preguiça.