Imerso em polêmica, a nova refilmagem da Disney de um de seus clássicos já causava antes mesmo do lançamento quando foi dito que Ariel seria interpretada por uma atriz negra. Voltaram todos os debates sobre personagens originalmente brancos ou de outra etnia serem representados por atores de uma etnia diferente, principalmente quando um ator negro entra num papel originalmente branco. Mas como poderia Ariel ser negra se Hans Christian Andersen, autor do conto original, descreveu sua pele como clara e delicada como de uma rosa e seus olhos azuis como o oceano? Outros alegaram que, sendo uma criatura do oceano, não seria possível ter a pele negra. A internet pegou fogo por um tempo e “The Little Mermaid” finalmente chegou aos cinemas, para bem ou para mal, mais um remake da Disney.
Ariel (Halle Bailey) é uma das várias filhas do Rei Tritão (Javier Bardem) e uma que tem como qualidade distintiva sua quase obsessão com a superfície e os seres humanos. Em toda oportunidade que tem, ela sai para colecionar objetos, roupas, tesouros e qualquer outra coisa que a traga um pouco mais perto desse mundo distante, assim como acompanhar suas aventuras oceano afora. No entanto, isso não é algo que seu pai aprova. Desde que a mãe de Ariel foi morta por humanos ele prefere manter os dois universos bem separados para a segurança de todos. Nada que impeça a garota de tentar arranjar alguma forma de conseguir o que quer, chegando até mesmo a fazer um pacto com sua tia, a Bruxa Ursula (Melissa McCarthy).
Discutir a etnia correta de um animal marinho fictício é absurdo. Ponto. Até dá para apontar algum estranhamento de quem estava acostumado com uma imagem anterior, mas também não é como fosse uma discussão sensata de usar argumentos baseados em algum tipo de evidência realista para falar sobre um animal que sequer existe. Esquecendo esse assunto bizarro, analisar “The Little Mermaid” se resume aos aspectos de sempre como atuação, escrita, direção, design de produção, efeitos especiais, decisões de adaptação e quanto o projeto funciona em sua proposta de renovar uma animação usando uma estética nova e técnicas diferentes. Era um desenho animado colorido da Disney, afinal de contas.
Assim como foi dito sobre outras refilmagens, vários dos argumentos vão se repetir aqui já que parece que o problema desses filmes é quase sempre o mesmo. Mesmo quando um não enfrenta exatamente a mesma questão, alguma outra coisa acaba acontecendo de errado no processo de adaptação. “Mulan” e o Wu-Shu de pipa estão aí para mostrar um caso como esse. Já “The Little Mermaid” é uma história com mais elementos de fantasia, com sereias, tritões, peixes e caranguejos falantes, animais marinhos que dançam e outras coisas que só acontecem em um filme da Disney em que tudo é colorido, feliz e cheio de energia. Como traduzir isso de uma forma satisfatória usando elementos fotorrealistas? Parece que a crítica vinha a cavalo.
A parte estranha de “The Little Mermaid”, em primeiro lugar, é que o fundo do mar parece exatamente com o fundo do mar: você não vê quase nada. É quase uma névoa azul-escura que dá uma vista de três palmos e só isso, além de transmitir uma sensação de que ali é o lugar mais frio e inóspito do planeta. Até se poderia argumentar que a idéia era realmente criar um ambiente que não pareça nem um pouco divertido ou interessante, muito menos com aspecto de casa, para reforçar o conflito da protagonista sobre não se sentir em casa dentro do oceano vivendo como uma sereia. E ainda que essa nova versão tenha um toque mais obscuro em momentos, ainda soa como uma incompatibilidade entre tom e visual causada principalmente pelo aspecto realista do oceano.
Isso sem contar algumas cenas em que os humanoides simplesmente existem dentro da água e as coisas parecem… estranhas. Não sei se é um excesso de tentativa de realismo ou um estranhamento por incompetência ou ainda uma falta de parâmetro real para julgar isso, porém posso dizer que às vezes é esquisito ver os personagens submersos apenas existindo. Isso porque coisas como cabelo, barba e outras coisas que reagem de forma específica quando submersas estão envolvidas, então por vezes não parece bem certo como as sereias e o tritão se comportam dentro do oceano, soa esquisito além de todo o resto já mencionado. Somando isso com representações terríveis de Linguado e Sebastião, especialmente o primeiro e sua caracterização de fazer os criadores do original chorarem porque ele é apenas um peixe com cara de peixe e nada mais. Até “O Rei Leão” se sai melhor nesse lado e isso é dizer muito.
Como recontagem de uma história, “The Little Mermaid” se sai razoável em contar a mesma história de novo com as músicas conhecidas e três novas compostas por Lin-Manuel Miranda. Ao menos valeu a experiência só para ver “Under the Sea” de novo porque essa música é muito, muito boa e a nova versão não deixa a desejar. De resto, é a mesma história de sempre com pequenas diferenças que tentam deixar essa refilmagem um pouco mais obscura, sem muito sucesso nessa conversão. Quanto ao elenco humano, há um pouco de decepção e um pouco mais de sucesso. Ao mesmo tempo que algumas escolhas de elenco são acertadíssimas, outras entregam pouco nas performances. O Príncipe Eric (Jonah Hauer-King) entrega muito carisma e um personagem cativante, o que surpreende por conta de quão raso um papel de príncipe encantado costuma ser. Melissa McCarthy também brilha como Ursula e parece estar se divertindo no papel, só talvez não tanto quanto a atriz principal Halle Bailey, que peca por excesso de entusiasmo e parece estar muito maravilhada com o fato de estar numa grande produção da Disney, produzindo caras e bocas que aparecem nas horas erradas e transmitindo uma impressão forte que acaba transbordando para a personagem e deixando-a com um ar mais superficial e de emoções limitadas.