“The Lion King” é apenas mais um na seqüência de refilmagens da Disney de suas animações clássicas. Ou é? Alguns dos lançamentos dos anos anteriores foram reinterpretações de obras queridas, principalmente “The Beauty and the Beast” e “Aladdin“, mas nem mesmo estas chegam perto do nível de impacto emocional e cultural que a animação original “O Rei Leão” teve em seu tempo. E nem se trata apenas de nostalgia, o filme é realmente muito bom e fez sucesso com a crítica e com o público, sendo a terceira animação Disney de maior bilheteria de todos os tempos. Então, sim, as expectativas eram bem altas, mesmo havendo outras duas refilmagens de clássicos lançadas neste ano para matar o ar de novidade que existia quando saía apenas uma por ano.
As Terras do Reino são governadas pelo justo e bondoso Mufasa, o leão que cuida das coisas e se assegura que o equilíbrio não seja perturbado. Um dia de celebração chega quando seu filho Simba nasce, o herdeiro do reino de tudo aquilo que o sol toca. Mas há alguém que não celebra como os outros: Scar, o irmão de Mufasa que sempre almejou o trono e vê sua chance desaparecer com o nascimento do filhote. Ele tem outros planos para conseguir o que quer e não deixará elos de sangue entrarem no caminho de sua ambição irrefreável.
É extremamente difícil não avaliar “The Lion King” sem pensar numa comparação com o filme original e apontar erros ou melhoras a partir das diferenças da nova versão. Os dois roteiros seguirem praticamente os mesmos passos, beat por beat, com apenas algumas poucas divergências é até um estímulo para procurar exatamente onde os caminhos se divergem. O primeiro sinal é o mais óbvio e se encontra no visual completamente reformulado para simular um estilo fotorrealista. Sim, é estranho em um primeiro momento e alguns personagens parecem sofrer com essas mudanças por perderem a expressividade de uma caricatura. Timão e Pumba, por exemplo, não têm absolutamente nada a ver com o marsupial amarelo e o javali marrom, assim como Scar não é mais um leão com um ar de sofisticação e uma longa juba preta. As coisas mudam consideravelmente nesse aspecto, destacando-se a princípio pela qualidade surreal na criação de um visual que não deve nada para as contrapartes reais, é um nível de avanço tecnológico impressionante e sem falhas de teor técnico.
Scar agora é um leão com aparência de maldade crua. Assim como o resto do elenco, ele parece um produto direto de um canal de televisão sobre vida selvagem, um animal que poderia ser visto num episódio envolvendo uma alcateia de leões. Ele é um animal velho e abatido, com o pelo sem brilho e cheio de falhas e imperfeições sob a pele. Mal há uma juba a ser encontrada, apenas tufos de pelo lembrando algo do gênero. Scar parece doente e sjrradl, um leão desprovido de força e maculado fisicamente por isso. Este é um dos bons exemplos em que a caracterização se exalta. “The Lion King” pouco erra nesse aspecto e não pode ser acusado da falta de expressividade por conta do realismo. É uma proposta diferente à qual o resto do filme é adaptado. O movimento do vilão, por exemplo, comunica exatamente o envelhecimento das juntas e a falta de agilidade de um animal velho, o que explica sua posição dentro da hierarquia real e sua motivação como vilão. É uma forma diferente e não menos eficiente de construir um personagem.
A situação fica menos interessante quando se trata da interpretação de alguns personagens — a dublagem deles — e de sua participação na história. Quanto ao primeiro quesito, ele é elementar na criação de uma ilusão convincente. Por mais que os visuais sejam tão realistas quanto a tecnologia atual permite, ainda é preciso de uma voz por trás disso para criar personalidade e transmitir as emoções que o comportamento animal não permite. Novamente, a maioria das vozes cumpre exatamente essa função com uma exceção crítica: o Simba de Donald Glover. Eis um exemplo em que a voz apenas não se encaixa. O trabalho em si não é necessariamente ruim ou amador, problemático tecnicamente, a questão está mais ligada à voz do ator não combinar com o personagem e soar como uma dublagem de fato. É especialmente notável quando ocorre a grande transição do personagem na história e o dublador é trocado por Glover. Se for para falar dos problemas de representação de “The Lion King”, essa dublagem inadequada é muito mais prejudicial que a suposta inexpressividade, por exemplo. Também é um pouco triste ver que Rafiki, por exemplo, tem uma participação reduzida, mais coadjuvante e muito menos carismática que antes.
Mas não é como se essa proposta de ser visualmente realista não tivesse seus próprios problemas. “The Jungle Book” já havia introduzido animais fotorrealistas fazendo praticamente as mesmas coisas que os de “The Lion King”. Eles falam, cantam, lutam e até dançam sem nunca parecer esquisito. Aqui é um pouco diferente porque a presença de música é maior, há mais números musicais e mais chances de reparar em como se adapta isso a um leão que realmente parece um leão de verdade. E às vezes se nota que, bem, a cantoria está empolgada e a mandíbula dos animais só abre e fecha num movimento quase de marionete. Não só isso, pois o momento mais dramático de toda a história perde muito de sua força por conta da direção não saber adaptar a cena à nova estética. Sim, os eventos e, possivelmente até mesmo a progressão de tamanho de planos são muito parecidos com a versão original, porém especificamente no momento mais crítico da experiência o realismo falha e a cena mais dramática soa falsa, além do grande momento ser mais breve e com menos emoção do que já teve um dia.
O triste é que todos os momentos antecedentes são tão incríveis quanto foram originalmente. A trilha sonora de Hans Zimmer, retrabalhada e reorquestrada para esta nova versão, não demonstra um sinal sequer de ineficiência e novamente é uma das grandes fontes de força da narrativa. Todo o tempo enquanto Mufasa escala o desfiladeiro tem uma melodia intensificando o perigo da situação e quase forçando a atenção do espectador para que este aprecie quão boa e funcional ela está sendo para a construção de algo impactante. Ademais, todas as canções originais retornam com a mesma glória e eficiência de antes. O único problema relacionado à música é a contribuição de Beyoncé, que poderia ter ficado de fora tranqüilamente por não adicionar em absolutamente nada e durar longuíssimos 45 segundos. Há uma diferença clara entre as contribuições de artistas de música pop em “The Lion King”. Certamente não é de Elton John que vem a falha.
Muito se tem dito sobre os problemas principais de “The Lion King”; dois, para ser mais específico: a falta de expressão dos animais e de originalidade. O primeiro aspecto até pode ser debatido e tem uma boa margem subjetiva a respeito do quanto de expressão existe de fato na tela. Claro que o desenho abre duas mil portas para este fim, permitindo que leões falem livremente e mostrem os dentes num sorriso, que tenham sobrancelhas e cerrem os olhos, que dancem e adotem posturas não naturais para comunicar alguma emoção. No entanto, a tecnologia envolvida na recriação dos personagens é tão vasta que existem várias outras formas de transmitir traços de personalidade, seja em detalhes físicos ou na complexidade dos modelos computadorizados. Quanto à outra questão, era de se esperar. A Disney dificilmente mexeria em uma de suas maiores galinhas de ouro por mero capricho artístico, então essa pode ser mais uma questão de expectativa frustrada do que de problema concreto. Mais decepcionante é ver como algumas partes não são tão bem trabalhadas quanto antes, isso sim é motivo para se incomodar.