Mais uma produção caótica para a lista. O Universo Estendido da DC passou por alguns vários baixos e eventuais altos ao longo dos anos, com crises de identidade no meio do caminho e revisões constantes da direção tomada até o recente anúncio sobre James Gunn assumir o departamento inteiro numa posição parecida com a de Kevin Feige e passar algum tipo de segurança sobre o futuro. O presente, por outro lado, ainda está meio confuso com produções do regime antigo ainda sendo lançados sem perspectiva de ligação com o futuro do Universo. Nessa bagunça, “The Flash” talvez tenha sido o mais afetado.
É claro que isso deixou todo mundo temeroso: justamente numa época em que a DC estava com lançamentos mal recebidos e uma reputação em crise, toda notícia que saía sobre “The Flash” era negativa. Alguém abandonava o projeto, o roteiro passava por outra reescrita, a data era adiada repetidamente, Ezra Miller se envolvia em um escândalo mais absurdo que o outro, depois anunciavam refilmagens e assim continuava a novela. Parecia que o resultado não poderia ser nada diferente de uma obra cheia de remendos saída de uma idéia mal concebida e editada até não fazer mais sentido, como já aconteceu diversas vezes com blockbusters que passaram de mão em mão até chegar no cinema.
Finalmente o filme saiu e, por incrível que pareça, a recepção tem sido bem melhor que todos os sinais anteriores. Sua história é baseada no arco dos quadrinhos “Flashpoint”, em que Barry Allen (Ezra Miller) começa a ponderar sobre os limites de sua habilidade e a miríade de possibilidades. E se ele corresse mais rápido que a velocidade da luz e assim pudesse voltar no tempo para evitar que sua mãe fosse assassinada e seu pai incriminado? Ele decide seguir em frente com o plano, mas como sempre acontece com viagem no tempo, nada é tão previsível e facilmente ajustável como parece em um primeiro momento. E as consequências são drásticas.
Mesmo com a crítica positiva até o momento, vale ressaltar que “The Flash” não é um novo padrão de alta qualidade para filmes de super-herói ou algo que entraria numa lista de melhores do ano. Já basta a surpresa de não ser um absoluto fiasco depois de tanto caos no desenvolvimento, algo que poucos esperavam e cuja esperança só foi nascer de fato com os trailers. Pois é, eu mesmo não sou uma pessoa que gosta de assistí-los, mas acabei cedendo dessa vez por tantos comentários positivos e acabei me empolgando também. Quanto a isso, qualquer expectativa despertada pelos trailers é correspondida ponto por ponto, os quais eu prefiro nem comentar diretamente aqui porque sempre há alguém que prefere evitar qualquer tipo de prévia antes da hora. Imagino que até essas pessoas vão se surpreender muito positivamente pelos mesmos motivos, o que em tese não deixa de ser definido como um grande agrado aos fãs, o famoso fan service.
E “The Flash”, no fim das contas, é exatamente isso: uma sequência de momentos de fazer a audiência reagir audivelmente e pirar porque aparece tal personagem ou um momento que remete a tal filme. Não só isso, felizmente, porque não se trata apenas de referências e referências sem conteúdo nenhum. Fica claro que o roteiro aproveita a abertura dada pela viagem no tempo para brincar com a cronologia e a possibilidade de eventos sem impactos duradouros, mas nem por isso ele depende exclusivamente disso. Ao mesmo tempo que não é um reinício de universo como foi o “Flashpoint” original e a nova fase chamada “Novos 52”, ao menos pelo que parece, a história consegue ousar o suficiente para não parecer demais uma aventura aleatória e sem peso nenhum, fazendo as novidades e os elementos reciclados terem impacto direto no entretenimento, das situações criadas por eles e em que eles participam. Em outras palavras, se fosse o Batman de sempre não ia ter a mesma graça que esse Batman “novo”, assim como a escolha de antagonista se mostrou feliz em sua aplicação, apesar de reciclada também.
E como entretenimento é um excelente filme. Deu muito mais certo do que todos esperavam e isso é dizer muito, já que ao menos em essência “The Flash” funciona perfeitamente bem como um bom entretenimento, de ação competente e uma história que funciona bem o bastante sem arriscar demais e pecar por excesso de pretensão nem ser uma experiência vazia. O elenco reforça essa eficiência das qualidades básicas com truques conhecidos e participações sólidas, de qualquer forma, assim como o humor é dosado de forma que não chega a se tornar um problema como o próprio Flash já foi em outros filmes, parecendo forçado e fora de lugar. Não que haja aqui um milagre caso o problema seja especificamente com Ezra Miller, mesmo amenizado ele pode soar chato para seus críticos. Ainda há um tom bem claro inclinado para a comédia numa dose Marvel e vários momentos absurdos que mal parecem do mesmo Universo que alguns outros trabalhos mais obscuros do passado, cenas feitas especificamente pelo fator galhofa. Nada que estrague tudo, novamente.
No geral, “The Flash” é algo bem próximo do que se poderia chamar de milagre, dadas as circunstâncias complicadas em torno de seu desenvolvimento. Não é perfeito, longe disso. Existem alguns problemas de direção insegura e com medo de arriscar qualquer coisa, o que se nota em obviedades e decisões que seriam consideradas pouco ousadas em essência. Quanto ao resto, todos os elementos importantes para uma obra de gênero funcionar estão ali em boa forma e fazem este ser um bom entretenimento, no mínimo.