Esse filme deu muito o que falar. No final dos Anos 90 e começo dos Anos 2000, então, era o que todos comentavam, adultos e crianças. Enquanto muitos falavam sobre Neo se dobrando para trás e voando “The Matrix“, outros sentiam a ansiedade e eventual decepção de ver “Star Wars” voltar ao cinema depois de 16 anos, já o assunto Terror centrava-se no fenômeno chamado “The Blair Witch Project”. Foi o tipo de evento que fazia os pais, que na época ainda eram relativamente jovens e frequentadores de cinema, falarem da nova sensação, os filhos, que tentavam arranjar uma chance de assistir por serem muito novos, e também os críticos, os quais analisavam a nova linguagem trazida num trabalho de baixo orçamento e produção quase amadora.
Muitos dos comentários giravam em torno da sugestão que a história poderia ser real. Que realmente era uma lenda urbana sobre uma bruxa e que realmente houve adolescentes se perdendo numa floresta em busca dessa lenda urbana. O conceito é esse mesmo: lendas do interior do estado de Maryland levam um grupo de três estudantes de cinema a viajar para o lugar com equipamento de filmagem a fim de investigar o mito. Só que nem tudo é tão simples, e logo a caminhada pela floresta se torna interminável, testando a determinação e a sanidade dos jovens curiosos.
Mas por quê tanta popularidade e falação? Bem, há uma série de razões para isso, que vão desde sua concepção e o estilo da obra até seu conteúdo e eventual sucesso. Há uma margem para comentários bem maior em qualquer uma dessas áreas do que o filme de ação que acabou faturando mais no mês. Normalmente, a conversa acaba com “E daí?”, mas na época as pessoas se perguntavam por que esse filme de terror barato, esquisito, diferente estava fazendo tanto sucesso. Na base do famoso boca-a-boca, a popularidade cresceu em cima da curiosidade. Havia algo diferente em “The Blair Witch Project”, por mais que ele não fosse imediata ou unanimemente considerado bom. Sua reputação com certeza não foi feita em cima de sua qualidade percebida, inclusive até isso gerou mais conteúdo para discussões.
“The Blair Witch Project” não foi o primeiro a usar o estilo de “filmagem encontrada”, ou seja, como se alguém tivesse encontrado a câmera dos jovens e checado as fitas para ver o que foi gravado, encontrando uma história de horror desconhecida até então. Jovens desapareceram e, olha só, ninguém os encontrou, mas acharam uma câmera que pode ter pertencido a eles contendo a verdade sobre o caso. Talvez nenhuma produção grande tivesse usado a técnica e trazido para conhecimento popular. Diferente de estilos tradicionais de direção, em que se pensa nos planos e na mise-en-scène, dos atores em relação ao cenário e a si próprios, eis que se encontra uma completa quebra das regras cinematográficas com filmagens amadoras, câmera tremendo, iluminação estourada e tudo mais. Mas há um quê de genialidade nesse conceito todo: é tudo intencional.
É quase como acontece quando uma piada ruim é contada de propósito. Se o contador sabe que sua piada é horrível e a conta só para desconcertar as pessoas, que vão virar o rosto imediatamente para fazer uma careta desaprovadora, há muito mais valor do que quando a pessoa conta a mesma coisa achando ser algo incrível. “The Blair Witch Project” segue essa filosofia. É um filme estudantil, na prática, estranho e amador nas filmagens como alguém inexperiente faria em sua tentativa de realizar um filme, exceto que não se tenta reinventar a roda ou fazer aquilo que apenas orçamentos milionários conseguiriam. Os diretores Daniel Myrick e Eduardo Sánchez não tentam reconstruir Los Angeles dos Anos 50 com cem dólares no bolso, por isso escolhem justamente um cenário pronto como uma floresta, uma história carregada numa lenda urbana e um elenco reduzido. Abraçando as limitações, faz-se muito com pouco.
E o que é esse pouco? Não há dinheiro para uma maquiagem decente de monstro. E quem é o monstro, afinal? Existe um vilão desse gênero em “The Blair Witch Project”, da forma como existiria em um filme de terror tradicional? A idéia central é explorar uma lenda urbana que, curiosamente, foi inventada pelos próprios cineastas e divulgada num site também criado por eles. As entrevistas alimentavam o mito de que os eventos eram reais e que tudo era um documentário de fato. Em suma inventou-se tudo aqui: os fatos, as vítimas, a lenda urbana, os artigos de jornal e a forma da obra, usando técnicas amadoras ou de documentário para gerar um ar de realidade. Parte foi marketing para ajudar a vender o projeto, a outra parte foi sagacidade em criar uma história de terror efetiva em sua proposta de gerar suspense e desconforto através daquilo que não se pode ver. Onde está a tal Bruxa de Blair? O que se vê não é uma bruxa de fato assassinando jovens um a um, como de praxe, e sim as reações de personagens lidando com o sobrenatural sem compreender o que acontece de fato.
Eles estão no meio do nada procurando por outro nada, por uma lenda invisível. E eles encontram algo. Ao invés de um assassino mascarado e plenamente visível, coisas estranhas acontecem. As pessoas começam a surtar sozinhas, entrar em desespero por estarem vagando pela floresta sem chegar a lugar algum, encontrando objetos estranhos e caindo numa espiral de insanidade. Nada está completamente à vista e, mesmo se estivesse, não se pode enxergar muita coisa porque o trabalho de câmera é confuso de propósito. Ao mesmo tempo, não é uma técnica que cospe na cara do espectador por estar escondendo algo crucial. Fica a sugestão de algo terrível à espreita para despertar a imaginação do espectador. Funciona bem. Não chega a tornar “The Blair Witch Project” aterrorizante, porém cumpre sua função de despertar algum tipo de tensão usando o desconhecido e o invisível a seu favor. E é justamente aí que muitos da audiência encrencaram, porque queriam algo parecido com o que estavam acostumados e não acharam. Não é para todo mundo, isso com certeza.