Essa poderia ser mais uma oportunidade de falar “Por quê?” e questionar a existência de mais uma continuação lançada décadas mais tarde. Mas não. Por mais que tivesse pensado nisso quando “The Matrix Resurrections” foi anunciado, a impressão passou assim que assisti ao filme e vi que não era mais um lançamento desnecessário como tantos outros no estilo. “The Matrix Revolutions” encerra a trilogia com um final não dos mais conclusivos, deixando pontas soltas e algumas coisas sem explicar ao certo. Eram questões imprescindíveis? Não. É possível imaginar mais ou menos o desfecho e suas consequências mas também não é de todo mal ter um pouco mais de satisfação sobre o status do universo depois de tanto tempo. Parecia ser uma idéia malfadada e acabou dando mais certo que o esperado.
Há muito tempo, Thomas Anderson (Keanu Reeves) descobre que sua vida diária não é nada do que ele pensava. Sua realidade, seu trabalho e as pessoas ao seu redor não passavam de construtos digitais, ilusões muito detalhadas da vida pedestre criadas por uma raça de máquinas avançadas que escravizam e manipulam a humanidade para seus fins. Neo descobriu que era O Escolhido e cumpriu sua parte na profecia, sendo aquele que une os dois lados em uma nova era de paz. Mas nem tudo sai como o planejado, e quase 20 anos mais tarde, Neo se encontra novamente como Thomas Anderson, preso numa realidade virtual enquanto o resto da humanidade lembra apenas dele como uma lenda.
Eu não esperava que “The Matrix Resurrections” fosse qualquer coisa perto de bom. Aliás, acabei de ver, não faz 2 minutos, que a IGN deu nota 4 de 10 para o filme. É mais ou menos o que eu imaginava, ou algo perto de 5 de 10. Chute sincero. Sem pré-conceitos antes da sessão, apenas um palpite. Quando se pensa que as duas continuações falharam em atrair o mesmo aplauso do primeiro e que são frequentemente criticadas por não conseguirem manter o nível da trilogia, a despeito da complexidade do universo e de quão atrativo ele era. As pessoas só voltaram porque queriam mais de Matrix, senão apenas alguns poucos poderiam ter esse gosto em outras mídias como os jogos e quadrinhos. E hoje, em 2021, as pessoas continuam voltando pelo mesmo motivo. Há um quê de nostalgia de bônus junto com a vontade de descobrir mais sobre o destino dos personagens e o desenvolvimento dos eventos.
“The Matrix Revolutions” termina sem explicar absolutamente todos os detalhes. Neo se deixa corromper por Smith para em seguida destruir todos os clones dele assim como a versão original. Então o corpo de Neo é carregado pelas máquinas e a Matrix é reiniciada, criando um novo trato que permite humanos saírem da Matrix se assim desejarem. E então, quase 20 anos mais tarde aparece “The Matrix Resurrections” trazendo Neo e Trinity de volta. Como? A simples existência de um quarto filme complica o cenário de ver personagens mortos em ação. Neo não aparece morto com toda a certeza, e um toque de mágica de cinema poderia fazer com que ele voltasse a vida, mas ainda assim ele estaria cego. Já Trinity morreu com certeza quando a nave bate num prédio e ela é perfurada por ferragens. Não só isso, como quase 20 anos se passam também nos eventos do universo. As teorias já estavam a todo vapor no primeiro pôster lançado.
Tudo isso é explicado. Ou, pelo menos, essas questões mais importantes, outras são mais ou menos explicadas ou apenas apresentadas na esperança da clássica suspensão de descrença. Isso se dá porque, em parte, “The Matrix Resurrections” funciona como se fosse um reboot leve, não um que começa tudo do zero e ignora a existência dos outros, mas um que se força a recontar parte da história já conhecida para que as novas idéias funcionem, uma vez que seria impossível continuar de onde parou. A parte ruim disso é que a obra acaba por gastar um bom tempo recontando ou reciclando mesmo cenas antigas por valor de nostalgia, quem sabe um toque de falta de criatividade. O outro lado disso é um pouco mais interessante, mas que também passa um pouco do ponto: o humor autorreferente. É um toque por vezes inteligente e tosco em outras situações, mais por exacerbar certa má vontade dos envolvidos em ressuscitar a série.
É certo que alguns vão detestar essa parte de tirar sarro de si mesmo e retrabalhar idéias antigas. Realmente não é das propostas mais originais e pode ser um obstáculo chato de superar até chegar na parte em que se volta a avançar a história em vez de ficar fazendo graça. É aí que está o valor de “The Matrix Resurrections”, no que ele de fato contribui para o universo. Caso fosse mais um filme no estilo de “The Matrix Reloaded“, que gasta muito tempo em cenas de ação e não avança muito a trama, imagino que o descontentamento seria alto, mesmo porque a ação não é um ponto muito forte aqui e certamente não se equipara à do segundo filme. Também não chega a ser ruim, só parece que falta algo como a essência das cenas de ação clássicas, seja nas cores da nova cinematografia, nas coreografias ou mesmo no estilo das cenas. Antes havia a câmera lenta, as acrobacias absurdas, os tiroteios frenéticos, as roupas de couro e tudo mais. As cenas parecem diferentes hoje. Uma acrobacia ou outra, uma parede quebrando em migalhas às vezes e rajadas de metralhadora. Falta algo, embora o que se encontra aqui ainda seja competente.
O que pode desanimar um pouco é justamente essa divergência de estilo e a idéia de retrabalhar idéias soar como um desleixo por parte da produção. É como aconteceu na revelação do visual de Neo no novo filme: é exatamente igual Keanu Reeves em todos os seus filmes desde 2014. Não poderiam ter cortado o cabelo pelo menos? Ou dado uma roupa que não pareça a primeira coisa que ele tirou do guarda-roupa? É um detalhe, assim como outros citados, que soma para atrapalhar um pouco a experiência.
No fim, talvez fosse melhor nunca ter mexido nas coisas, só para manter tudo em ordem e deixar um pouco de margem para interpretação. Afinal de contas, nunca houve uma demanda constante ou forte dos fãs por um final mais bem explicado, algumas coisas ficavam subentendidas e o importante já estava em cena. O público provavelmente tinha medo de que fariam um estrago ainda maior com um quarto filme. É o que alguns vão achar, de qualquer forma, como a própria análise da IGN mostrou. “The Matrix Resurrections” poderia ter sido muito pior. Sim, falta um pouco de inspiração na ação e até na produção e sua aparência meio preguiçosa, mas até aí todos sabiam que era o famoso “cash grab”, uma forma de ganhar muito dinheiro com pouco esforço, e todos sabem que propostas assim costumam se sair mal. Dos males, esse é um dos bem pequenos.