No começo desse ano, estava em uma festa conversando com alguns apreciadores de arte e da beleza da vida contida em todas as coisas, talvez entusiastas até demais em achar beleza em praticamente todas as coisas, incluindo ler poesias em voz alta enquanto o resto das pessoas come pizza, fuma e bebe vinho. Mas isso não vem ao caso. O que me chamou a atenção foi quando disseram que “Todas as Mulheres do Mundo” era a melhor coisa do cenário audiovisual brasileiro. Tudo bem, havia ouvido falar coisas boas sobre ele, mas também poderia ser apenas mais uma produção Globo tentando aproveitar a audiência do dia de paredão do Big Brother na terça feira. Então fui ler um pouco mais sobre e descobri que era baseada em um filme homônimo de 1966. Aí sim as coisas ficaram interessantes.
Paulo José interpreta Paulo, um homem que ama todas as mulheres do mundo. Todas elas. Ele ama que elas são todas diferentes, que são altas e baixas e divertidas ou contidas, que algumas gostam da farra e outras preferem fumar em casa e escutar um disco para depois fazer amor no final do dia. Ele ama tudo isso. Só que tudo muda quando ele conhece Maria Alice (Leila Diniz) em uma de suas várias festas. Encantado, ele mal consegue se conter e passa a ir atrás da moça para conquistá-la de qualquer jeito. Ele só esquece que escolher Maria Alice significa esquecer de todo o resto das mulheres do mundo. Difícil momento na vida do mulherengo.
“Todas as Mulheres do Mundo” começa estranho. Com certeza não é o filme que te conquista nos primeiros momentos. Pelo contrário, a montagem de clipes desconexos com imagens estáticas e os créditos iniciais todos acontecendo ao mesmo tempo causa estranheza e não passa muita confiança para um começo de filme. Ao menos para quem entra com certa expectativa de encontrar um dos 100 Melhores Filmes Brasileiros de todos os tempos, levado em estima tão alta que foi refeito mais de 50 anos depois em minissérie. Ou até mais longe, um dos destaques do cinema brasileiro, amplamente premiado pela crítica e igualmente amado pelo público. A expectativa morre aos poucos, constante e gradualmente, e mais um tanto pela decisão estilística — ou infelicidade técnica — de usar diálogo pós-sincronizado, falas gravadas em estúdio e inseridas no filme mais tarde. Limitações de design de som à parte, é um trabalho bem tosco de tentar fingir que o som pertence à cena, algo bem distante do que Federico Fellini fazia em seus filmes em que ao menos havia sinceridade na proposta de fazer os atores contar até 20 e inserir diálogo totalmente diferente em cima disso.
Como em todo filme antigo, há sempre a possibilidade de haver algum tipo de limitação técnica em algum sentido. Pode ser na qualidade de um vídeo ainda não remasterizado para alta definição, áudio em baixa qualidade, convenções antiquadas ou problemas de produção que hoje não existem mais. Assim, faz-se necessário perdoar uma coisa ou outra que se encontra para não julgar uma obra mal pelas razões erradas. “Todas as Mulheres do Mundo” não merece elogios por sua parte técnica. É muito estranho ver o áudio saindo do nada e ficar sem entender se era para funcionar como uma narração tradicional ou se é o personagem em cena falando. A direção nunca estabelece uma diferença clara entre os dois métodos narrativos e logo fica claro que, na verdade, a desorganização ou limitação técnica reina sobre a obra, restando ao espectador encontrar lógica. No entanto, não é isso que estraga o filme nem a qualidade deprimente da cópia no Globoplay. Isso seria julgar mal.
A história acompanha Paulo em suas aventuras com as mulheres. No seriado, ele conhece uma mulher nova e muito diferente por episódio, uma interação para expandir os horizontes das possibilidades no que se refere ao romance moderno. “Todas as Mulheres do Mundo” é de 1966, um mundo de diferença em paquera. Naquela época era outra dinâmica, tão chocante quanto ouvir conselho dos mais velhos para relacionamentos de hoje em dia e sentir vergonha ou uma leve vontade de rir. O lado curioso, se posso chamar assim, aqui é ver como comportamentos bizarros eram aceitos como normais. Abordar mulheres na rua, no aeroporto ou sentar-se à sua mesa para fazer uma declaração de amor aleatória, seguir ela depois do trabalho para ter uma chance de falar com ela e ficar perseguindo pela cidade porque sim. Aliás, pode ser que Domingos de Oliveira apenas tivesse uma concepção muito errada de flerte, mas pelo sucesso e falta de críticas nessa parte, imagino que não.
A questão é que tirando essas investidas, várias delas nem mesmo envolvendo Paulo, não ilustram bem como ele é um mulherengo ou do que ele abria mão ao escolher apenas Maria Alice. São poucas as cenas que mostram seu amor por mulheres e sua vida com muitas delas, conquistando várias e curtindo todo o processo. A construção narrativa é fraca e estabelece mal a premissa básica do filme envolvendo a escolha entre todas as mulheres ou uma só, e mesmo as cenas envolvendo outras moças não abordam o tema diretamente e só mostram outras mulheres existindo, sem a presença de um dilema visível no protagonista. E isso nem é o pior problema do roteiro, ele logo se atira de cabeça no relacionamento com Maria Alice e perdura nele até o fim do filme, com um pequeno arco envolvendo um momento de fraqueza de Paulo seguido de um melodrama facilmente resolvido antes da conclusão.
“Todas as Mulheres do Mundo” ainda apresenta sub-tramas sem sentido que começam e terminam sem impacto algum, personagens que somem por 1 hora e reaparecem para sumirem logo depois de novo e pontos narrativos pouco explorados ou simplesmente ignorados. Muito cai nas costas do roteiro, mas muito também está na direção falha de Domingos de Oliveira, a qual decepciona repetidas vezes em estabelecer coisas básicas como ambiente e geografia, as informações básicas que fazem o espectador sentir que está bem contextualizado. É assunto básico que se toma como dado na maioria dos casos, porém que faz muita falta quando é negligenciado como aqui. Uma decepção para um dos supostos melhores filmes nacionais de todos os tempos.