Alguém achou que esse filme seria bom? Depois dos trailers, com certeza não. Até então nunca havia considerado “Cats” como sinônimo de mau gosto. Era justo o contrário, quando um professor de teatro do colégio mencionava a peça original era sempre entre grandes nomes como Bob Fosse, “Cabaret” e “Chicago”. Até “Modern Family” menciona o musical em mais de uma ocasião, trata-se do quarto show mais duradouro na Broadway. Isso não é pouca coisa. Quem pensou em adaptar o material para o cinema tinha mais que um bom pitch e argumentos suficientes para vender o projeto como algo possivelmente lucrativo. Quando ouvi que uma produção grande finalmente aconteceria depois de uma adaptação para a TV em 1998, não pensei que fosse má idéia. Então veio o trailer.
Não consegui fugir de ver o trailer quando ele passou antes de outro filme no cinema. Só tinha uma conclusão: estava estranho. No mau sentido. Não o estranho-diferente, o estranho-peculiar ou o estranho-curioso, parecia ter algo errado com o projeto. Nunca vi o musical da Broadway nem a adaptação para televisão para além de umas cenas soltas, então não poderia dizer se o material era facilmente adaptável como tantos outros trabalhos do teatro que se tornaram grandes musicais. Talvez para Tom Hooper tenha feito muito sentido. Com reputação estabelecida e uma narrativa cantada como seu musical anterior, “Les Misérables“, “Cats” parecia uma escolha certeira. Nada para dar errado, aparentemente, até que os primeiros resultados alertam para algo substancialmente impróprio ali. Quem sabe ainda desse tempo no começo de abortar tudo e evitar um grande constrangimento.
A desculpa que usam para uma premissa é ridiculamente simples. A gata Victoria (Francesca Hayward) é abandonada por sua dona num beco cheio de lixo. Ela logo é encontrada por um grande grupo chamado Gatos Jellicle, os quais se apresentam à felina e tentam conhecê-la melhor antes de aceitá-la como parte do bando. Eles são liderados pela Velha Deuteronomy (Judi Dench), a matriarca responsável por decidir quem dos gatos é merecedor de renascer em uma nova vida Jellicle. O grupo todo apresenta seus talentos diante dela na esperança de serem escolhidos, mas um gato mal intencionado chamado Macavity (Idris Elba) aparece com seus próprios planos sinistros de sabotar os planos do Baile Jellicle.
O “Cats” original trazia seres humanos vestidos de gatos, pintura no rosto e uma fantasia peluda. Certo, é o teatro, não há como exigir milagres do figurino quando o assunto extrapola os limites da realidade. A platéia, por mais que nunca se convença de que está vendo gatos de verdade, dá um desconto e não julga o material pela sua apresentação, assim como os pais não se deixam levar pelo ceticismo quando seu filho interpreta uma árvore na peça da escola. Dá para dizer que a audiência de cinema não é tão clemente, ela julga com muito mais rigidez o que vê na tela porque sabe das cinco mil formas de fazer fantasia acontecer, usando efeitos especiais, truques de câmera e iluminação inacessíveis ao teatro. Livre das limitações do palco, essa adaptação para o cinema busca expandir a idéia de gatos antropomórficos dançando e cantando pelo mundo. Simples o bastante? Não.
Esse conceito traz à tona as imagens mais tenebrosas que tive a infelicidade de ver ultimamente. “Cats” é medonho. Começa pelo fato de os gatos não possuem uma escala bem definida, seu tamanho não é consistente. E nem é uma questão de dizer que ocorre uma mudança pequena ou pontual, o filme não tem a mínima noção do tamanho de seus personagens, que ora são do tamanho de ratos, ora estão mais perto de gatos. Não faz sentido nenhum. É bizarro e desconcertante ver o tamanho mudar descaradamente em relação ao cenário de uma cena para outra, às vezes no mesmo número musical. Em certo momento, uma bicicleta parece gigante perto de um gato; em outro, os degraus da escadaria são enormes; enquanto em outros, eles alcançam um balcão sem esforço. Era tão difícil seguir o exemplo do Manda-Chuva, que tem sempre o mesmo tamanho perto do Guarda Belo? Isso já é um alerta laranja ou até vermelho do nível de barbaridade da obra. Quem dera fosse só isso.
Os efeitos especiais, em vez de possibilitar uma experiência tão mais ambiciosa que o teatro, traz vergonha alheia e dinheiro queimando diante dos olhos do espectador, gasto na criação de cenários inteiros computadorizados. Como se não fosse esquisito o bastante ver os gatos parecerem ratinhos dançando no meio de uma praça vazia, os cenários de “Cats” parecem ter saído diretamente de um jogo de 20 anos atrás. Aparência de CGI ruim, falsa, que nem tenta ser fotorrealista. E, tudo bem, a intenção poderia ter criado algo mais caricato, mas nada justifica objetos inconfundivelmente falsos e atores interagindo com eles. É muito pior que a Trilogia Prequel de “Star Wars” pode ter feito com os atores em tela verde.
E quanto ao lado musical da experiência? Os personagens deslizam pelo chão sem fazer contato, sem gravidade ou peso aparente, seus pés nunca pisando em nada de fato porque ele é todo falso. É difícil apreciar a coreografia de um número quando não parece haver esforço por trás dos saltos ou quando os bailarinos gatos humanóides com pelos, bigodes e seios se tornam Pequenos Polegares em instantes. O número introdutório cumpre sua função de apresentar a obra como ela é, quem são os personagens e qual é o tom, abordagem, entre outras coisas. Infelizmente, isso significa mostrar que quase tudo é um lixo.
Prefiro pensar que “Cats” funciona bem melhor no teatro como um musical porque, em primeiro lugar, não sofre com o problema dos efeitos toscos e, em segundo lugar, talvez soe melhor aos olhos e ouvidos ao vivo. Pode ser que seja um trabalho de mais espetáculo do que história, que quando quando bem executado pode deixar claro o porquê de sua reputação duradoura. Digo isso porque quando o show falha, pode-se prestar atenção na freqüência que a palavra “Jellicle” é usada e como ela não significa nada, em como a história não existe e não passa de mais de duas horas de personagens novos sendo introduzidos sem que a trama vá para frente. São quase três horas, na verdade, que passam tão mais devagar quando se percebe que o enredo é mais raso do que indiretas políticas em rede social. Talvez uma animação adaptaria melhor o conceito fantástico e absurdo da peça original sem os pecados mortais vistos aqui. Gatos poderiam falar, dançar e aprontar algumas sem a bobagem de ver bons atores desperdiçados em papéis risíveis. Fica a dúvida de como Tom Hooper vai se recuperar deste filme ruim, de mau gosto, feio e perturbador.