“Five Graves to Cairo” é um dos pouco comentados de Billy Wilder. Injustamente? Talvez. Era apenas o terceiro filme de sua carreira como diretor, lançado um ano antes de seu primeiro grande sucesso, “Double Indemnity”. Mesmo assim, não deixa de parecer injusto que mal se fale desse filme, que, embora não esteja entre as obras-primas de Wilder, ainda se coloca acima do bem mais popular “The Seven Year Itch”, por exemplo. A diferença entre eles é um vento de metrô e o vestido de Marilyn Monroe voando, motivo o bastante para marcar a memória do público. Graças à era da informação, é possível ter acesso a esse pedaço interessante da história do diretor.
John Bramble (Franchot Tone) acorda dentro de seu tanque de guerra em movimento pelas dunas do deserto do Saara e descobre ser o único sobrevivente da equipe. Ele logo se encontra perambulando sem destino até achar uma pousada ocupada pelo exército britânico anteriormente, mas ninguém se encontra ali exceto por dois funcionários, Mouche (Anne Baxter) e Farid (Akim Tamiroff). O exército alemão do General Erwin Rommel (Erich von Stroheim) chega na seqüência e se apossa do lugar, forçando Bramble a se disfarçar como garçom do lugar para sobreviver.
Sim, a premissa é um pouco absurda. Realismo com certeza não é a intenção dessa obra que dá um jeito de inventar uma trama de espionagem no contexto da Guerra no Norte da África, arranjando lugar até mesmo para o General Rommel servir de antagonista. A base vem de uma peça escrita por Lajos Bíró, sem se basear em eventos reais, como é de se esperar. Nada como um soldado inglês fingir que é garçom e ter a chance de sobreviver para conspirar um dia mais. Mas isso não é problema algum. Nunca se passa a impressão de que o bom senso é insultado, as conveniências e tudo mais estão ali em número razoável para possibilitar que a trama exista, em primeiro lugar. “Five Graves to Cairo” não pede por muito para funcionar e logo impressiona por entregar mais do que era esperado inicialmente.
Bem, isso não é completamente verdade. Eu só não esperava muito porque havia ouvido falar pouco da obra, então não sabia o que esperar exatamente; era um trabalho de um dos meus diretores favoritos mas também era do começo de sua carreira, ou seja, havia a chance de ser menos competente que outros grandes do futuro. A partir dos primeiros segundos de “Five Graves to Cairo”, o pré-conceito muda imediatamente conforme um tanque de guerra navega desgovernado colina acima e colina abaixo, parecendo que vai atolar, cair, capotar repetidas vezes. Não há como ignorar a manobra ousada, a ação desses primeiros momentos atrai, no mínimo, um pouco atenção e começa a reconstruir qualquer concepção prévia. O roteiro garante tensão nos momentos certos quando coloca inimigos dividindo teto sem saber e interesses conflitantes arriscando estragar tudo, é um arranjo dos bons de guerra de estilingue sob teto de vidro. Espionagem, segunda guerra, suspense e até um pouco de humor a cargo do personagem de Akim Tamiroff.
De um punhado de informações triviais sobre qual lugar o filme ocupa no repertório do diretor, a discussão transcende quando a trama traz uma situação apertada, sem saída aparente a não ser por um golpe de sorte e um tanto de astúcia dos envolvidos. Um pouco menos do protagonista interpretado por Franchot Tone, que não faz muito para convencer os alemães ou a audiência de sua nova identidade, apenas usa um sapato ortopédico para fingir deficiência no pé e mantém uma personalidade passiva diante do inimigo. Às vezes e apenas às vezes demonstra impressiona quando está com a Mouche de Anne Baxter, a camareira cética com o poder de estragar toda a farsa por enxergar a situação diferente com base em seus interesses próprios. Baxter eleva as cenas entre os dois e possibilita a Tone se destacar um pouco mais, sua relação não estereotipada rendendo algumas das melhores cenas de “Five Graves to Cairo” e a maior fonte de drama, com até mesmo um pouco de tensão sexual preenchendo o espaço por romance na trama.
Hoje em dia, o que mais se fala sobre o final de “Five Graves to Cairo” é sua incorporação de cenas de batalha reais da batalha de El Alamein. É impressionante, de certa forma, porque ela havia acontecido poucos meses antes dessa produção e ainda conseguiu ser encaixada como parte da história. Propaganda americana? Talvez. Sendo uma das batalhas vitoriosas que levantou a moral dos Aliados, certamente não foi gratuito colocá-la no filme, porém nem posso dizer que isso interfere em algo porque a mensagem raramente nunca entra no caminho da história que se deseja contar. Aliás, exceto por uma cena sobre sacrifícios pelo bem maior que soa um pouco artificial. Quem dera toda propaganda fosse tão bem feita como essa.
Devo dizer que fui surpreendido por “Five Graves to Cairo”. Simples como muitos primeiros trabalhos são e competente como devem ser para alavancar a carreira de quem os fez, ele traz um suspense envolvente e classicamente estruturado que funciona desde os primeiros momentos, quando ainda é sobre um soldado perdido no meio do deserto. Até existem pontos de menor brilho, porém nenhum que se faça notar como algo negativo, são pontos que se beneficiariam de um pouco mais de polimento. Cary Grant no lugar de Franchot Tone, como era a intenção de Billy Wilder, poderia ser uma chance de melhorar o protagonista como alguém que sabe usar o charme a seu favor para sair de uma situação tensa. De qualquer forma, a obra como é já se mostra bastante satisfatória.