“Born on the Fourth of July” conta a história de um homem que nasceu em 4 de julho. Além disso, conta a história de Ron Kovac (Tom Cruise), jovem natural de Massapequa no interior de Nova York. Cheio de energia, cheio de sonhos e também cheio de dúvidas, Ron acaba decidindo se alistar aos Fuzileiros Navais dos Estados Unidos e lutar pelo país onde for necessário. Isso o leva ao Vietnã, onde enfrenta o perigo e os horrores de frente até que um dia a guerra quebra seu corpo e seu espírito: uma bala acerta sua coluna vertebral e o deixa paraplégico. Perdendo novamente o propósito, Ron percebe que nada mais é nem será o mesmo.
Sempre achei Tom Cruise um bom ator. Não ser o melhor de todos os tempos ou vencedor de sabe-se lá quantos Oscars não tira seu mérito como um profissional sustentou por décadas uma carreira como um artista competente em várias áreas. Há quem diga que ele é um clássico produto de Hollywood, o rostinho bonito cujos relacionamentos conturbados alimentaram colunas de fofocas e até fortaleceram seus filmes quando a audiência se empolgava por um filme do casal Tom Cruise e Nicole Kidman. E eles não estão errados. Só não é a versão completa da história porque sobram trabalhos de prestígio em sua carreira. “Born on the Fourth of July” pertence tanto ao começo de sua carreira como ao lado mais sério dela, ou seja, aos papéis em dramas e produções aclamadas, com essa em questão rendendo a ele uma vitória no Globo de Ouro e uma indicação ao Oscar. Particularmente, não sou o maior fã de sua interpretação aqui, que, embora decente, mostra um lado ruim do estilo que predominou no início de sua carreira.
Colocando em palavras simples, Cruise tinha uma tendência de ser escandaloso. Suas manifestações mais intensas de emoção mostravam o ator repetindo um padrão de se exaltar e perder a cabeça, erguendo a voz até começar com os gritos fininhos de estourar vidro e instaurar um clima de loucura generalizada. As cenas vão aos céus em intensidade e a gritaria começa rápido. Funciona muito melhor em “Rain Man”, de um ano antes, no qual interpreta um playboy imaturo de temperamento curto. Por outro lado, tal instabilidade emocional é adequada a um personagem fragilizado e mutilado pela guerra, emocional e fisicamente. Esse é um indivíduo que teria todo o direito, por assim dizer, de pirar e falar besteiras o quanto quiser. Funciona em alguns momentos que pedem por êxtase explícita, quando o personagem passa a perder a linha e a razão. Tais momentos são importantes para a história e, assim, os gritos funcionam fazem a performance funcionar em sua proposta elementar. Em outros momentos inapropriados, os chiliques alimentam as negligências do roteiro de “Born on the Fourth of July” e caem nos meandros narrativos.
O trecho da história que introduz Willem Dafoe é um ótimo exemplo de como às vezes as interações se tornam sem sentido. Na falta de propósito, os atores recorrem ao modo automático e aos truques que já conhecem para ao menos manter certo nível e impedir que a cena os carregue junto enquanto tudo desaba. Ameniza o pior, mas não deixa de ser uma alternativa insuficiente quando o padrão desejado é uma narrativa sofisticada com dois bons atores, um diretor de renome e uma história com margem de sobra para desenvolver os conflitos de personagens atormentados pela experiência no Vietnã. No mínimo, algo além de dois cadeirantes mandando um ao outro se foder repetidamente. Esses são os piores momentos de “Born on the Fourth of July”, sem dúvida, os que deixam o espectador cansado no meio do filme porque a história parece ter parado de ir para frente ou de se manter interessante.
Ironicamente, a parte mais interessante de “Born on the Fourth of July” é seu começo. É um filme sobre perda, acima de tudo. Mais do que o argumento político a respeito da guerra e do que os Estados Unidos fizeram com gerações de jovens que compraram o discurso nacionalista e voltaram para encontrar um país que não apreciava nem respeitava seu sacrifício. Claro, isso também é de suma importância e recebe destaque mais que suficiente para tornar isso um dos temas principais. O final tocar diretamente nesse ponto só reforça a mensagem antiguerra de Oliver Stone. Contudo, vale lembrar que isso começa com a perda e mais cedo ainda com o estabelecimento daquilo que é valorizado e será perdido. Primeiro, o personagem tem uma vida que lhe permite curtir alegrias que ele nem sabe que tem, aproveitando-as no ritmo que soa lógico para ele até que elas e todas as promessas do futuro deixam de existir. Dizem que quando você mata um homem, você mata tudo o que ele foi e tudo que ele será. E quando você mata parte de um homem e o deixa se sentindo incompleto?
Agora faz mais sentido por que uma professora recomendou “Born on the Fourth of July”, entre outros, numa aula de “Psicologia e Deficiência”. Há mais do que o ativismo político, um lado que começa cedo na infância do protagonista quando a semente de um pensamento é plantada para florescer numa adolescência conturbada como qualquer outra e que nesse caso extraordinário faz uma curva em direção à guerra. E que guerra. O tempo de tela lá é um tanto curto em comparação a outros momentos, mas seu impacto é sentido em cenas marcantes de soldados em ritmo vagaroso com o sol ao fundo em via de repousar pelo dia, sua meia luz laranja destacando apenas as silhuetas dos rapazes em primeiro plano. A direção se exalta ainda quando a mesma técnica da silhueta é usada para efeito maior que estético em um momento de marcar a memória, clássico até, que ainda demonstra ter repercussões narrativas mais adiante. São poucos segundos de pura genialidade cinematográfica.
Nem sempre o roteiro e a direção acertam. Os momentos em que a narrativa se arrasta e fica caótica, apenas compreensível pelas conseqüências mostradas depois, demonstram o pior lado de uma experiência que poderia atingir alturas tão maiores se seguisse os passos dos trechos marcantes. Claro, a tal cena do Vietnã — é fácil sabe qual é na hora — só marca porque tem um destaque único no grande todo e parcialmente porque os eventos precedentes estabelecem o que estava em jogo. Só pode haver desilusão quando há expectativa ou alguma crença para ser quebrada. Ter algo para perder é essencial para que o sentimento de perda seja real. O sucesso é infelizmente irregular, com pontos baixos minando a grande experiência. Resta o sentimento de que “Born on the Fourth of July” poderia ter feito mais com seu material, com a atuação de Tom Cruise e com os lugares para onde a vida de Ron Kovic o levou.