“Jaws: The Revenge” tem a singular reputação de ser um dos piores filmes e continuações da história do cinema. Não é pouca coisa para uma produção tão popular. É mais comum encontrar pequenas obras independentes, de baixo orçamento ou trash assumido recebendo adjetivos pouco gentis e juntados num canto como lixo cinematográfico. Aqui se trata da continuação de um suspense de prestígio dirigido por Steven Spieberg, carregando um nome que, sim, foi arrastado na lama por 12 anos e mesmo assim não deixa de fazer parte da mesma série. É diferente de uma franquia de terror que teve nove continuações e errou feio na sétima ou na oitava. Mas será que a quarta investida de tubarão é mesmo tão ruim assim depois que o terceiro fez o que pôde para destruir as conquistas do passado?
Ellen Brody (Lorraine Gary) agora é uma viúva. Seu marido, herói de Amity Island, morre de um ataque cardíaco e deixa mulher e dois filhos para trás. Sean segue os passos do pai e entra para o departamento de polícia da cidade enquanto Mike se muda para as Bahamas com sua esposa e filha, onde trabalha como biólogo marinho. Num dia ordinário, o trabalho de Sean o leva a resolver um problema com detritos na baía atrapalhando a navegação, sem saber que um tubarão branco estava nos arredores e tiraria sua vida num ataque cruel. Ellen fica arrasada com a perda e passa a acreditar que o animal busca vingança contra sua família, decidindo passar um tempo com Michael nas Bahamas apenas para descobrir que o terror ainda não acabou.
Neste ponto, a série mal podia ser chamada de Suspense. A partir de “Jaws 2”, surgiu a tendência de abraçar convenções mais ligadas ao Terror como dar protagonismo a um grupo de jovens irresponsáveis que eventualmente se tornam vítimas de uma ameaça mortal. Ainda assim, a presença não era forte a ponto de caracterizar uma mudança de gênero como em “Jaws 3-D”, que não só dá o passo adiante mas também se coloca junto dos piores exemplos do Terror com sua ausência de roteiro e dependência quase completa de artifícios, mortes e efeitos especiais. A eventual incorporação de elementos sobrenaturais é um dos passos comuns do gênero: Jason se tornou um cadáver invulnerável a partir de “Sexta-Feira 13 Parte VI” e “Halloween VI” revela o motivo da imortalidade de Michael Myers. Entretanto, esses são dois exemplos de assassinos que antes disso já eram quase invencíveis, sobrevivendo inexplicavelmente a facadas e machadadas e pancadas. “Jaws: The Revenge” é sobre um tubarão.
Já era absurdo imaginar a mesma família sendo vítima de ataques em lugares e épocas diferentes por nenhuma razão aparente. Dessa vez, como o slogan diz, é pessoal. Sim, é intencionalmente implicado que o animal quer vingança contra o que resta dos Brody, o que seria mais ou menos aceitável se esse fosse o mesmo tubarão de algum dos outros filmes. O primeiro é explodido, o segundo é eletrocutado, o terceiro explode com uma granada, então quem sobra para se vingar? A não ser que os tubarões tenham uma consciência coletiva ou essa seja uma vingança em nome da espécie, não faz sentido nenhum. Ellen Brody sentir a presença do animal a distância também é outro detalhe inexplicável. Isso é só o começo de uma coleção de inconsistências que praguejam “Jaws: The Revenge”.
Alguns detalhes poderiam ser considerados irrelevantes para a experiência. Nunca se menciona a relação de Sean com o Colorado, que do nada aparece como policial em Amity Island; Michael surge com outra esposa e trabalhando como biólogo marinho em vez de engenheiro. Não seria importante se a lista de erros acabasse aqui. Ela continua com o peixe assassino nadando quase 2000km para perseguir Ellen porque os roteiristas queriam que isso acontecesse e não pensaram muito a respeito. É difícil engolir o que “Jaws: The Revenge” tenta empurrar para a audiência. Não há base nenhuma para colocar nenhuma dessas idéias em prática, esses frutos do desespero de produtores que queriam um filme e queriam rápido e de roteiristas que tentavam mudar a proposta original já repetida algumas vezes para algo mais original. Isso define bem a tentativa, só não quer dizer que é um sucesso.
A má direção também contribui para o que acaba por ser um fracasso infeliz que de algum jeito lucrou na bilheteria como os anteriores. Joseph Sargent ainda assim consegue fazer em “Jaws: The Revenge” um trabalho melhor que Joe Alves no anterior. Por pouco. Ao menos é possível entender o que acontece nas cenas de ataque em vez de cortes caóticos causando confusão e terminando com um pedaço de cadáver mutilado em 3D malfeito. Tudo bem, nem todas. Algumas são apenas ruins e outras, vergonhosas por tentarem se aproveitar descaradamente de cenas do original usadas usada como flashback para reciclar as emoções delas. Vale dizer que a personagem Ellen Brody sequer está presente em qualquer um desses momentos, então seria impossível ela lembrar deles.
“Jaws: The Revenge” merece o título de um dos piores filmes de todos os tempos? O 28° pior do IMDb, o 22° pior dos leitores da revista “Empire”? Não exatamente. Ainda é uma grande porcaria por ser arrastado e por outras razões, inclusive o final ser um dos piores momentos da obra, só que com o lixo ainda maior de “Jaws 3-D” o choque foi bem menor. O terceiro é definitivamente pior que esse em todos os sentidos. Aspectos simples já se exaltam como a imagem aqui ser incomparavelmente mais bonita, outro produto da remasterização excelente da série, e até outros mais importantes como os personagens. Com todos seus inúmeros defeitos, Lorraine Gary não estava errada quando disse que esse era um filme mais focado em relações. Não como o original, do jeito que ela disse. Performances decentes no geral impressionam por mostrar que alguém levou o trabalho a sério enquanto a casa desmoronava ao redor. Michael Caine — por incrível que pareça — e Lorraine Gary até possuem um envolvimento interessante: duas pessoas de meia idade a caminho da velhice, um protagonismo diferenciado para uma produção desse tipo. Até Michael Brody se redime um pouco depois da representação tosca de antes. No fim, ainda um filme bem incompetente, não uma obra de arte do diabo como às vezes é sugerido.