“Two for the Road” acompanha Mark (Albert Finney) e Joanna Wallace (Audrey Hepburn). Eles se conheceram enquanto o rapaz passeava pela Europa pedindo carona e indo de um canto até o próximo para tirar umas fotos e não fazer nada em particular. O acaso faz com que seu primeiro encontro se repita até que os dois se apaixonem e sigam juntos. Mas nem o arranjo aparentemente perfeito do destino evita que os problemas surjam com os anos e o casal passe a esquecer o que fez eles se unirem, sem saber se ainda faz sentido. Joannas e Marks diferentes são apresentados em momentos distintos de seu relacionamento conturbado.
Escrevendo a última análise antes dessa sobre um filme de Audrey Hepburn, percebi um padrão que deveria ter sido notado antes por ser relativamente óbvio ao invés de uma nuance não tão evidente. Várias histórias usam a história da própria atriz como inspiração para seus roteiros. Não a parte literal envolvendo o nascimento em uma família nobre da Bélgica e a vivência durante a Segunda Guerra Mundial, mas o fato de Hepburn nunca ter apostado que faria uma carreira tendo pés grandes, um rosto quadrado, um pescoço longo e sendo magra demais. “Love in the Afternoon” inclusive tem uma excelente cena com ela falando destes supostos defeitos. O eco dessa idéia tem seu real impacto na forma como vários filmes tratam a atriz como uma jóia bruta, uma garota de atrativos diferenciados escondida e descoberta acidentalmente até ser lapidada em uma nova personalidade de beleza inimaginável. E então há “Two for the Road”.
O filme chega no final da carreira de Audrey Hepburn no cinema. 1967 marca o ano de seus últimos dois grandes trabalhos antes de realizar apenas mais quatro papéis pequenos no cinema e algumas aparições na televisão. “Two for the Road” traz uma mudança da tendência narrativa das histórias em sua carreira para algo mais apropriado para a chegada nos 40 anos. Sem a cena da grande transformação da plebéia em diva, essa é uma história sobre a vida como ela às vezes é, como não deveria ser e como nem sempre se sabe a forma se chegou a tal ponto. Bem diferente da jovialidade dos romances improváveis entre a garota e um homem significativamente mais velho que ela. Aqui os mecanismos narrativos são colocados a favor de algo oposto da união a despeito das chances baixas, favorecendo também a facilidade com que as coisas dão errado.
“Two for the Road” recebeu três indicações nas maiores premiações: no Globo de Ouro, Melhor Atriz para Audrey Hepburn e Melhor Trilha Sonora; no Oscar, Melhor Roteiro. Todas resumem bem as qualidades da obra. O roteiro de Frederic Raphael evoca a abordagem diferenciada do amor no cinema para além de ser conturbado ou não dar certo. Isso é óbvio. Entregar-se a isso, por sua vez, seria equivalente a ver a direção de Stanley Donen transformar a história na manifestação da visão que amar é o nome dado à ilusão que existe antes das pessoas finalmente perceberem que não se suportam, um brado de emoção fervente traduzido em uma história. Isso nunca acontece. A abordagem de ambos os narradores aqui, Raphael e Donen, é surpreendentemente moderada nessa representação, mostrando como as coisas nascem e se desenvolvem num ritmo processo difícil de identificar.
Reflexo disso é a narrativa relativamente episódica e absolutamente caótica; relativamente porque os eventos são contados em partes e absolutamente porque ela vai e volta e vai de novo mais vezes do que se pode lembrar. É aquele tipo de história que faz o espectador ponderar sobre como diabos o roteirista conseguiu construir tudo aquilo e saltar daquele momento exato para outro bem diferente e ainda assim manter coerência. A natureza da história sobre ser um retrato do casal durante anos ajuda muito nisso, permanecendo impressionante quão fluído tudo é. A música de Henry Mancini também complementa nesse aspecto, além de ser uma companheira confiável até mesmo quando não é necessária uma cola para unir seqüências distantes. Todas as cenas, sem exceção, se beneficiam da beleza das melodias oriundas da mesma fonte que entregou “Moonriver” em “Breakfast at Tiffany’s”.
Quanto à dupla de protagonistas interpretando versões do casal num intervalo de 10 anos, vale apontar que não há esforço algum em tentar rejuvenescê-los, uma vez que suas idades reais são mais compatíveis com o período mais tardio. Isso é mais um problema para Audrey Hepburn, realmente, pois Albert Finney tem a sorte de se encaixar naquele período em que alguns homens não envelhecem tanto assim antes de entrar na meia idade. De qualquer forma, o impacto disso é menor porque as performances que buscam transmitir jovialidade são bem-sucedidas nessa tarefa. Ou melhor, especialmente no caso da moça é interessante como sua personalidade muda radicalmente com os anos enquanto o rapaz já demonstrava alguns sinais do grosseiro e austero homem que se torna, mesmo tendo a disposição de alguém drogado demais de paixão no começo de tudo. São tarefas diferentes e que deveriam ser mesmo, dadas as personalidades diferentes de cada um, com mérito igualado.
“Two for the Road” também marca a ocasião em que finalmente a extravagância do guarda-roupa de Hepburn transborda. Seu visual sempre chamativo com o tempo fez com que ela ditasse tendências no mundo da moda a ponto de definir um estilo seu, até que chega o ponto em que se inverte a dinâmica do designer servir a obra e a obra passa a servir ao designer ou à modelo. Se for para o espectador reparar nas roupas dos personagens, o que dificilmente acontece, que não seja estranhando por não encontrar a qualidade orgânica que deveriam ter. O ápice do ridículo é atingido com combinações de alta moda feitas por mero capricho, buscando o que era chamativo para agregar valor visual. Dá até saudade do vestido florido em preto e branco de “Sabrina” perto dos óculos de Kamen Rider e a roupa preta de látex. Isso e alguns momentos de pouca sutileza na hora de expor o significado de certas cenas são os únicos problemas de fato em uma história incrivelmente dinâmica para um relacionamento tão morto.