Eu sabia que seria ruim. No fundo, eu tinha um pressentimento forte de que a reputação não era exagero nem injustiça da crítica e da audiência. Há um motivo para as pessoas não falarem de “Spawn”. Imagino que para elas gastar tempo e esforço estabelecendo fama de um dos piores filmes de todos os tempos não valia a pena em uma obra tão irrelevante como essa. Foi melhor deixar para outras catástrofes espetaculares como “Battlefield Earth” e “Exorcist II: The Heretic“. Até a Mulher-Gato tem o consolo de ser um personagem popular a ponto de ter seu filme como referência de mau gosto.
Al Simmons (Michael Jai White) é um um dos melhores agentes à disposição de Jason Wynn (Martin Sheen), chefe da organização A6. Sua função é fazer o trabalho sujo de que ninguém jamais ficará sabendo, os assassinatos secretos a mando do governo e os atentados de responsabilidade repassada a outras pessoas. Quando chega o dia em que a consciência de Simmons se manifesta, ele decide abandonar aquela vida e acaba morto pelas mãos de seu próprio chefe. Ele vai para o inferno e é mandado de volta para a Terra como Spawn, aquele que liderará o exército do inferno na guerra contra o céu.
Para não dizer que não há nada de bom em “Spawn”, a maquiagem é boa. Provavelmente foi isso que me deu vontade de conferir esse filme pouco comentado de um herói underground dos Anos 90. O trailer do Netflix mostrava alguns personagens em roupas que não pareciam de todo mal, pelo contrário, até pareciam bem feitas e lembravam uma menção da obra em um artigo elogiando o ótimo trabalho na caracterização do Palhaço (John Leguizamo). O texto tinha razão, o personagem é uma das poucas qualidades aqui. A maquiagem literal, que vai no rosto, junto com todos os prostéticos deixam o ator irreconhecível, lembrando mais Danny DeVito e seus 1.47m de altura ao encarnar um versão distorcida do Pingüim. É outro homem baixo e imensamente obeso, rosto azul, dedos rechonchudos e uma roupa estilo bad boy que completa o visual prepóstero.
Além dele, o próprio Spawn recebe a atenção devida para que o vilão não seja melhor que o próprio protagonista. Dentre tantas formas de trazer o personagem dos quadrinhos para o mundo real que poderiam dar errado, é até impressionante o resultado. O design é fiel, a maquiagem ilustra bem até mesmo a deformação hórrida do rosto do personagem sem máscara, além do resto da armadura necroplásmica ser convincente. Mas é claro que nem o grande acerto é livre de defeitos. Aqui, oficialmente e invariavelmente, acabam os pontos fortes. O que segue são outras coisas menos eficientes e até ofensivamente ruins. A interpretação de John Leguizamo como o Palhaço, também chamado de Violador, é o clássico mais ou menos. Normalmente cumpre sua proposta de mostrar ele como um ser detestável, sem graça e irritante. Então por vezes o sem graça é levado a sério demais e as falas perdem até mesmo o status de “tão ruim que é bom”. São altos e baixos bem baixos.
Já o próprio Spawn é… estranho. Se a caracterização, por um lado, cumpre seu papel, todo o resto é questionável. Ele é bem esquisito para um protagonista: começa como um verdadeiro molenga, o que é explicado pelo enredo, e passa tempo demais assim, o que não é explicado pelo enredo. Seria mais fácil dizer que durante o filme todo ele parece muito fraco, frágil como um homem doente sem energia, vontade ou capacidade de agir direito. Talvez seja toda a maquiagem pesada que deixa o movimento de Michael Jai White travado como um paciente engessado, por isso ele nunca faz muita coisa nas lutas e mais apanha do que qualquer coisa. Mesmo quando ele supostamente já sabe lidar com seus poderes, ele nunca transmite confiança ou poder, parece estar sempre num estado estranho de dor constante. Tudo bem, essa é uma história de origem que tenta mostrar o herói aprendendo a se virar, mas passa muito longe de um exemplo funcional em que entretenimento resulta de ver o personagem evoluindo.
É difícil julgar um filme por causa de seus efeitos especiais datados. Essa linha de raciocínio tende a valorizar apenas o que é mais novo como funcional, já que trabalhos mais antigos sempre estarão defasados em comparação. Entretanto, há algumas coisas a se considerar. Uma delas é que alguns efeitos, mesmo ultrapassados, envelhecem melhor que outros da mesma época. Depende da qualidade dos efeitos e de como eles são aplicados em relação ao resto da cena. Até hoje saem filmes com computação gráfica que perde feio para outras mais antigas. Ademais, o resto do cenário e da fotografia pode prejudicar ou ajudar o efeito a se encaixar e se camuflar. Bem, “Spawn” não é nenhum “Terminator 2: Judgement Day“.
Não poderia ser uma comparação mais grosseira. “Spawn” tem os piores efeitos especiais que eu vi na vida. Ponto. Chega a ser ridículo falar isso considerando o cinema desde a época dos filmes mudos e tudo mais. Pois bem, até os truques visuais e as tentativas rudimentares dessa época sem computador são infinitamente melhores do que o grande atentado à visão alheia daqui. É ridículo. Prepóstero. Impossível de imaginar que alguém, mesmo em 1997, viu as cenas do inferno e achou aquilo atraente de alguma forma. O demônio Malebolgia é uma grande piada. Pensar que alguém o concebeu como amedrontador ou, no mínimo, digno de ser levado a sério, é preocupante. Quem falou que os efeitos eram comparáveis aos gráficos de Playstation não estava exagerando. É isso ou até pior, pois além de falta de tecnologia e orçamento, falta também bom gosto. O único efeito aceitável é a capa do personagem, já que seria um problema estar sempre presente e por isso só faz participação eventual sem machucar tanto os olhos. Falta essa mesma dose de sensatez em um demônio computadorizado com texturas horríveis, nenhuma articulação e zero esforço em sincronia labial. Nem mesmo a ação presta. Resta dizer que até ela depende muito dos efeitos especiais e, bem, já foi dito muito sobre eles.
Isso já é o bastante para estragar a experiência com força. “Spawn” vai ainda mais longe e tenta ser um filme brega, além de ruim. As transições de cena são ridículas, fogo queimando um quadro para revelar o próximo e outras barbaridades como olhos brilharem verde do nada e correntes 3D fazendo graça para a câmera. Quanto à história, ela falha feio. Narrado de um jeito quase parece irônico com seu tom que não sabe se é uma paródia ou não, o enredo extenso e relativamente complexo não consegue estabelecer quais são as regras daquele universo, qual o plano de fundo dos eventos principais e até quem são alguns personagens. Apenas as informações mais ridículas são explicadas, tal como os poderes da armadura, e nem isso pode ser elogiado porque é no limiar do aceitável. Só sei que há mais para ser visto no personagem porque li alguns quadrinhos quando mais jovem. Se fosse depender dessa adaptação, diria que a invenção de Todd MacFarlane é um verdadeiro lixo.