Bem, eis o primeiro filme da nova década de 20. Não que isso faça alguma diferença relevante o bastante para estar em uma análise, é apenas uma curiosidade para ser registrada e ajudar a preencher o grande nada do primeiro parágrafo. “Bad Boys for Life” traz de volta a série de ação de que muitos lembram por razões, mesmo que estas não sejam tão óbvias quanto seria num caso em que a excelência é notável. Sim. A música. Basta dizer o nome do filme para ela ser resgatada das profundezas da memória dos Anos 2000 junto com a dupla de Will Smith e Martin Lawrence falando palavrões e atirando em tudo. E o que mais? É difícil saber o que esperar exatamente depois de 17 anos desde o último lançamento.
E é esse o tempo que passa na narrativa. O detetive Marcus Burnett (Martin Lawrence) vê o seu primeiro neto nascer e percebe que as coisas com certeza não são como antigamente. Ele já é mais do que pai, é um avô. Passou a época de dirigir carrões por Miami e torturar informantes para conseguir informações e prender o próximo grande criminoso a tempo de pegar alguma grande festa. Aposentadoria é o caminho mais lógico, mas tudo muda quando seu parceiro Mike Lowry (Will Smith) é alvejado por um atirador misterioso, que também ataca outros alvos importantes da lei.
Eu definitivamente não sabia o que esperar de “Bad Boys for Life” porque a última vez que vi os antigos foi em 2003, quando o segundo saiu nos cinemas, e a única lembrança de fato era um dos dois tomando um tiro na bunda, o que pode ter acontecido no primeiro. Se foi seguida a onda de colocar referências em todo lugar, também não saberia dizer quais cenas dão uma piscadinha para o espectador na esperança de que ele entenda a homenagem. A única qualidade que se conservou depois de tanto tempo é a ótima escolha de colocar Smith e Lawrence como a dupla de protagonistas. Isso funcionava e até hoje é um ingrediente que, embora comum, faz toda a diferença para separar os bons filmes de Policial do resto. Ah sim, havia um toque de humor também.
Com isso em mente, essa análise talvez seja mais relacionável para aqueles que também viram, conhecem, mas não se lembram tanto assim da série que começou em 1995; mais como uma opinião direcionada sem usar os outros como comparativos. O resultado é bom. Com ou sem contexto, é um filme de ação com os elementos certos no lugar compensando pelo problema de alguns outros não tão bem trabalhados. A ação é o que se destaca mais. Ainda tem o toque de Michael Bay: a inclinação para o exagero e o fantástico num cenário de explosões, incêndios e tiroteios, elementos intensos por natureza para criar imagens como o herói saltando em direção à câmera com uma explosão ao fundo. Pode parecer mau sinal, porém os melhores trabalhos — talvez os piores também — de Bay foram justamente no gênero Ação. “Bad Boys for Life” se beneficia por pegar o lado bom dessa influência, com os diretores Adil El Arbi e Bilall Fallah carregando a tocha no lugar de Bay para entregar cenas bem dirigidas de ação policial urbana.
É até um pouco surpreendente porque não lembrava dos anteriores com uma ação particularmente boa. Certamente não era algo marcante a ponto de fazer frente à dupla de protagonistas. Liberdades são tomadas frequentemente e o exagero nunca está fora de vista. Seria impossível ver metade dos eventos apresentados acontecendo na vida real porque, bem, não se sai usando armas automáticas em público sem cuidado algum. Deve-se acreditar que isso é aceito e que nenhum inocente seria atingido. Com essa concessão de surrealidade feita, fica mais fácil absorver o que a história tem para oferecer. Sem realismo, sem consequências legais-administrativas. Apenas dois policiais abrindo fogo no meio das ruas de óculos escuros e carrões, falando besteiras para arrancar uns sorrisos no meio do caos. Funciona bem se o espectador não for muito duro com os absurdos mostrados, o estilo dos jogos Grand Theft Auto aplicado num contexto cinematográfico, resultando em ação bem dirigida sem muitas regras para maximizar o entretenimento e apresentar uma fantasia policial quase infantil, mas não ruim por isso.
“Bad Boys for Life” deixa para pecar nos aspectos que, infelizmente, são frequentemente menos bem trabalhados no gênero. Alimentando o clichê de que filmes de ação possuem zero sensibilidade a respeito do lado humano relacionável da história, foca-se apenas na pancadaria enquanto se resume personagens a mocinhos, vilões, atiradores ou alvos. Não é dizer que o longa ignora tal elemento, ele ao menos tenta trazer para o enredo um lado envolvendo a vida pessoal de não um, mas os dois protagonistas. Há a questão da aposentadoria e de como a amizade dos dois depende da adrenalina compartilhada em campo, da família de Marcus e do passado de Mike voltando para assombrá-lo. Até que há bastante material para trabalhar um lado mais emotivo, o que soa apropriado para um filme que depende de nostalgia e traz de volta ícones depois de 17 anos. É apropriado, só não é bom. Toda oportunidade para drama acaba se tornando um melodrama de virar os olhos e a idéia de tentar conectar a trama principal com a vida pessoal dos personagens parece forçada. Até porque não é novidade alguém do passado aparecer para atormentar o mocinho. “Die Hard with a Vengeance” e tantos outros já fizeram isso décadas antes.
Ainda assim poderia funcionar porque idéias não têm prazo de validade. Algumas delas pelo menos. Quase sempre há uma forma de encaixar da forma correta e “Bad Boys for Life” chega bem perto disso. Só que quase não é conseguir e o chegar perto ainda acaba sendo insuficiente, perdendo a chance de realmente dar a profundidade que às vezes falta no gênero. O conceito de amizade posta à prova resulta em um cena triste seguindo uma tragédia, um momento de desespero, felicidade inesperada porque um milagre praticamente acontece e uma briga para mostrar que tudo mudou. É a execução mais simplista e boba, sem as transições adequadas para representar o impacto de cada momento. Não é o bastante para constituir profundidade narrativa, é até fraco a ponto de ser prejudicial para a experiência como um todo.