Antes mesmo da estréia de “Suicide Squad“, a Warner Bros. já tinha planos de um filme mais focado em Harley Quinn e algumas outras personagens do Universo DC, aproveitando a existência do grupo de vigilantes chamado “Aves de Rapina”. Com certeza o estúdio não esperava a recepção tenebrosa que o primeiro eventualmente recebeu. Sua sorte foi que os poucos elogios foram direcionados a Margot Robbie e Harley Quinn, então fazer uma continuação mais focada nela não pareceu uma idéia tão idiota assim. Também não foi ótima, pois talvez fosse melhor tentar algo novo em vez de repetir um conceito que deu errado antes. “Birds of Prey” parecer uma continuação do anterior não vem como surpresa.
Um tempo depois dos eventos que levaram um grupo de criminosos a ter de derrotar um de seus próprios e salvar a cidade, o Coringa termina seu relacionamento com Arlequina (Margot Robbie) e a coloca na rua de uma vez por todas. Arrasada como nunca, a vilã não vê muita saída exceto chorar até ficar desidratada e beber até passar vergonha. Mas eventualmente as coisas mudam e ela decide dar a volta por cima: um tapa no visual, uma hiena de estimação e um pouco de vandalismo generalizado. Isso não vai bem com todo mundo e logo a cidade direciona sua atenção para a garota que já não tem mais a proteção do Coringa. Tudo piora quando ela se vê envolvida numa situação entre uma pequena ladra comum e um grande gângster da cidade, o Máscara Negra (Ewan McGregor).
Por mais diferente que seja nos detalhes, “Birds of Prey” não consegue sair muito da sombra de seu predecessor. Uma comparação específica mostra que não há uma iniciativa do governo de tirar vilões da cadeia e montar uma equipe formal com objetivos bem definidos, a união dos personagens se dá pelo acaso de todos estarem no mesmo lugar querendo mais ou menos a mesma coisa. Até que ponto isso importa de fato? Ainda é um filme de equipe envolvendo vilões, anti-heróis e pseudo-heróis juntos contra um vilão maior. Ou melhor, dessa vez se trata de um filme com maior foco em Arlequina do que qualquer outra coisa. Faria sentido centrar quase uma história inteira nela se, ao buscar qualidades na bagunça de “Suicide Squad“, a personagem fosse uma parte elementar da experiência ao invés daquilo que se chama nivelar por baixo.
Sendo justo, ela é boa. A atuação de Margot Robbie traz a insanidade infantil da Arlequina e sua burrice visível em um tipo diferente de loucura do Coringa. Ela sabe que é atraente e usa isso a seu favor, apela para o cérebro de macaco dos homens para conseguir o que quer aqui e ali. Quanto a beleza, não falta isso em Robbie. A interpretação também é uma transposição fiel ao que se viu na animação e nos quadrinhos. E no final das contas, a personagem é tão profunda assim? Talvez na mão dos roteiristas certos. “Birds of Prey” não faz muito para reforçar esse argumento e traz novamente uma super-estilização como cartada principal, dessa vez sem o conflito entre publicidade, vividamente colorida e descontraída, e produto final, soturno como os filmes prévios do universo. A protagonista se mostra como um manequim para insanas combinações de roupas carnavalescas e maquiagens exageradas. Ah, ela cortou o cabelo também e, aparentemente, isso é muito relevante para seu desenvolvimento.
Para aqueles preocupados com a idéia de ser mais uma história de equipe de vilões, o subtítulo fornece uma luz: “Arlequina e sua Emancipação Fantabulosa”. O lançamento de “Suicide Squad” trouxe uma alta de popularidade da Arlequina nunca vista antes, com até certa idolatria por ela nas redes sociais e cosplays até nos supermercados. Sem decepcionar, a legião da problematização levantou a questão de que ela não deveria ser admirada porque é uma mulher numa relação abusiva com um homem, que não havia romance entre ela e o Coringa, que a agredia e humilhava sempre que possível. E é claro que então nasceu a fantabulosa emancipação. A personagem corta o cabelo para mostrar que é uma nova pessoa e sai para viver sendo senhora do próprio destino. Agora ela é uma mulher que não depende mais de ninguém e precisa sobreviver por conta própria já que não tem mais a proteção do Coringa contra todos aqueles que desagradou em algum momento.
Acontece que é uma trama fraca. Mulher termina com o namorado e quer mostrar para o mundo que é autossuficiente enquanto tenta sobreviver nas ruas até se juntar a outras mulheres igualmente poderosas e igualmente injustiçadas para mostrar quem é que manda. Ao menos a equipe é um pouco melhor do que se viu antes e não tem nada lamentável como o Crocodilo e a Encantadora. Exceto pela Detetive Renee Montoya (Rosie Perez). Uma coadjuvante forte nos quadrinhos do Batman, aqui ela é prejudicada pela interpretação fraquíssima de Perez. Ela não é engraçada nem durona, tem cenas de ação inferiores às de suas companheiras e fica atrás até mesmo da personagem que era para ser o MacGuffin de toda a trama. A escrita é comparável à performance da atriz: rasa. No final das contas, a trama de “Birds of Prey” falha em mostrar a possível profundidade da Arlequina em uma história mais exclusivamente sua, apelando para as mesmas técnicas de antes de evocar sua loucura como alívio cômico e usar o guarda-roupa mais excêntrico à disposição.
O lado bom e não passível de críticas é a ação. Ela é o que salva o filme de ser apenas uma idéia tosca para trama sem substância para compensar esse vazio. É através dela que outras coisas passam a funcionar também, inclusive o humor. Quando alguns personagens falham em ser engraçados por si, como a policial usando uma camiseta ridícula, são as situações absurdas que se responsabilizam pelo fator diversão da obra. Não ter as mesmas idiotices inexplicáveis de “Suicide Squad” certamente é um bônus também. Nada de fichas técnicas em texto substituindo o que deveria ser trabalho do roteiro de exposição de informação, nada de óbvias reconstruções na sala de edição. Aliás, os textos animados ainda voltam, só não de forma tão esdrúxula. No geral, “Birds of Prey” supostamente tenta seguir caminhos diferentes e acaba sendo uma apenas uma continuação sem as barbaridades ofensivas de antes. Ou para quem interessar possa, uma coleção de inspirações para cosplays nos próximos anos.