“The Nun’s Story” é um filme peculiar. Sua popularidade não é das maiores e ele mal se configura como um clássico, embora conte com Audrey Hepburn como estrela principal sob a direção de Fred Zinnemann. Mais do que isso, foram oito indicações ao Oscar. Parece estranho não falarem mais do filme quando se pensa nesses termos, não tanto quando se leva em consideração que há falhas na história de uma freira e seus conflitos não muito impactantes. Indicações, nomes famosos ou não, percebe-se que a história dá seus murros nos lugares certos, mostrando saber quais são as partes que importam ao mesmo tempo que falta a força necessária, talvez por conta do tema escolhido.
A casa do renomado cirurgião Hubert Van Der Mal (Dean Jagger) se prepara para se despedir da filha mais velha. Gabrielle Van Der Mal (Audrey Hepburn) parte para se juntar a um convento de freiras-enfermeiras e se entregar totalmente à sua vocação, recebendo o nome de Irmã Luke em sua iniciação. Ela achava que seria uma oportunidade de exercer a função de enfermeira de corpo e alma, na prática e com o espírito em afinidade com Deus, mas encontra dificuldade em sua devoção completa e se sente culpada por sentir-se acompanhada pela dúvida. Conforme os dias passam, fica cada vez mais difícil encontrar as respostas de que ela tanto precisa.
Não soa certo julgar uma obra pela natureza de sua história, pelo assunto ou então, usando um ditado popular, um livro pela capa. Cafés da manhã podem ser mais interessantes que viagens internacionais e por que não? Supondo que algo extraordinário aconteça e o pai da família não apareça para o café da manhã quando disse que chegaria durante a madrugada de um compromisso, enquanto isso a mãe se descabela tentando achar uma forma de levar todos os filhos para o colégio a tempo e enfim descobre que o tal compromisso era a amante que acaba ligando para a casa sem querer. Ao mesmo tempo, uma viagem para outro país e seu potencial de proporcionar o conhecimento de um novo estilo de vida pode ser vazia porque o viajante reveza seu tempo entre o quarto e a piscina do hotel. Por isso, soa um pouco errado dizer que “The Nun’s Story” é desinteressante por tratar dos conflitos de uma freira.
A ocupação de padre e freira, sem entrar em mérito de julgamentos de valor, não é exatamente o avatar de uma vida conturbada, estressante e agitada por fatores imprevisíveis como insegurança salarial, competitividade no trabalho ou sabotagem, por exemplo. Isso não significa que seja fácil, uma tranqüilidade sem absolutamente nenhum problema para enfrentar além da rotina de conduzir o rito aos domingos e fim. O ponto é que conflito para membros do clérigo é completamente diferente daqueles enfrentados por um cidadão comum e podem não ser tão bem traduzidos como um elemento de peso narrativo. Certamente é diferente de um arqueólogo buscando tesouros perdidos ao redor do mundo. “The Nun’s Story” se enquadra relativamente na mesma situação de “Silence“: ambos não conseguem traduzir o perigo, a urgência, o impacto das situações vividas pelos personagens.
A principal questão a se observar neste caso é a dos votos feitos pela protagonista. Ser freira significa respeitar todos os valores que representam a posição como serva de Deus; aceitar as regras, respeitá-las e não apenas isso, o respeito deve existir sem brecha para mais nada. Isso significa que apenas cumprir o combinado objetivamente na frente dos outros é inválido se a mesma pessoa sentir raiva da situação ou quebrar as regras às escuras, estaria enganando a si mesma nesta situação porque não existe nada oculto aos olhos de Deus. As regras são várias e a flexibilidade, inexistente. Não há como dar um jeito ou lutar por mudança, existe um caminho considerado sagrado e só, a pessoa deve aceitar ou se resignar do compromisso. Uma irmã não pode falar durante o Grande Silêncio, mesmo quando outra pessoa inicia a conversa para tentar falar de algo importante. Olhar-se no espelho ou tratar da aparência é pecar pela vaidade. Beber água em intervalos não autorizados é proibido. Nutrir sentimentos não fraternos por outras irmãs também não pode acontecer.
A pessoa tem de renunciar a tudo aquilo que é natural para o resto do mundo. Mesmo alguém não tão preocupado com aparências corta o cabelo por uma questão parcialmente estética para ficar de um jeito mais agradável para si. Mesmo 90% prático e 10% estético, já seria demais e proibido para uma freira. São essas coisas que compõem, no geral, os conflitos de “The Nun’s Story”. Uma pessoa fica com sede, bebe água e deve se acusar de tal pecado diante de todos para perder o orgulho individual e ainda pagar o preço por meio de oração. É complicado como espectador mais próximo do cidadão comum enxergar um copo d’água ou uma conversa sobre o clima como grande coisa. Claro, a idéia não é usar os próprios valores para julgar o filme porque, de certa forma, seria como julgar outra pessoa ou cultura usando seu filtro pessoal. Mesmo assim, permanece uma tarefa do roteiro transpor a experiência para quem vê de fora, fazer a audiência entender exatamente por que tal coisa deve ser grave, independentemente dos termos.
Não se pode acusar “The Nun’s Story” de errar nesse ponto porque a realidade de uma freira é trazida à vida através da exposição dos costumes, rituais e convenções que fazem parte da ocupação. O interesse se constrói primeiramente por uma questão informativa, de satisfazer a curiosidade sobre o que acontece em um convento e como é o procedimento. Isso dura pouco. É na parte emocional que tal realidade se desenvolve de fato, com Audrey Hepburn e outras atrizes demonstrando como regime de servidão divina cobra seu preço de formas diferentes em cada pessoa. Os motivos podem ser questionados, o sofrimento não. É visível que Irmã Luke se rasga por dentro, demonstra que seu conflito interno é real para ela, pelo menos. E é isso que importa no final das contas. A personagem é a pessoa que deve acreditar completamente naquilo que sente, apenas assim se pode esperar que a audiência enxergue o mesmo.
Com tudo isso em mente, “The Nun’s Story” ainda sofre de problemas ligados ao tema de sua trama. O conflito existe em diferentes esferas, especialmente a interna, e não pode ser acusado de ser ausente. Acontece que a intensidade de tais eventos críticos, causadores de sofrimento e dúvida extremos, são de uma intensidade baixa. Talvez o pudor associado à imagem de uma freira seja prejudicial à representação dos conflitos como eles talvez sejam internamente e, assim, apenas dão as caras nos momentos em que é quase insuportável reprimir as emoções. Nem isso deixa de determinar negativamente o ritmo de “The Nun’s Story” como lento e chato de acompanhar, faltando um dinamismo principalmente no começo para deixar tudo um pouco mais ativo e engajante. Nem sempre é fácil se conectar com uma freira sofrendo porque se olhou no reflexo da janela sem querer.
2 comments
Caio Bogoni, parabéns pelo seu Cine Grandiose.
Os gregos e troianos que se entendam entre eles.
La Hepburn e algumas das freiras (elenco de apoio) foram flagradas fumando, por alguns africanos da região, durante o intervalo das filmagens:
“Olhem só, freiras fumando!” Disse um deles.
Um outro respondeu:
“Tudo bem, são freiras americanas!”