“Whatever Happened to Baby Jane?” é um filme com ótima história. De bastidores, pelo menos. O contexto da produção retoma rixas de décadas antes entre duas atrizes de rivalidade amplamente divulgada e até chegou a se tornar assunto de uma temporada inteira de seriado, “Feud: Bette and Joan“. Foi anunciado que duas atrizes da Hollywood clássica estariam juntas pela primeira vez em suas carreiras, Bette Davis e Joan Crawford protagonizando uma história sobre duas irmãs que se antagonizam a ponto de beirar a insanidade. Chegada a hora de conferir a obra propriamente dita, ela enfim se mostrou aquém de todo o resto por trás das câmeras, ainda que não chegasse a ser ruim. Foi apenas desestimulante o suficiente para matar o interesse por “Hush…Hush, Sweet Charlotte”.
Sua história não é muito parecida, embora também seja focada em duas figuras femininas conflitantes e tenha sido imaginada inicialmente com Davis e Crawford juntas de novo. Mesmo assim, havia o estigma dos comentários sobre as duas produções serem irmãs, projetos parecidos e até algumas críticas dizendo que “Hush…Hush, Sweet Charlotte” peca por tentar ser muito similar à sua predecessora. Demorou um pouco, mas eventualmente a curiosidade se renovou junto de um sentimento misto entre o temor de se frustrar novamente e a esperança de encontrar algo bom. Felizmente, a segunda alternativa se mostrou verdadeira na forma de uma história menos caricata e mais inteligentemente concebida no geral, não só dependente de uma grande reviravolta nos momentos finais. Dessa vez há menos do terror e mais de um suspense psicológico salpicado com extravagâncias da insanidade.
O pai de Charlotte Hollis (Bette Davis) sempre foi extremamente rígido na criação dela, mantendo-a perto e sempre sob seu controle desde cedo e até mesmo quando ela se torna uma mulher. No entanto, um evento trágico no ápice de sua mocidade arruína a vida de Charlotte para sempre: seu amante é encontrado morto em uma de suas festas e todos passam a acreditar que ela foi a responsável. Anos depois, não resta muito da garota além de uma fagulha de quem foi um dia. O pouco de sanidade restante é ameaçado quando surge o risco de sua grande mansão ser demolida pela prefeitura, o que faz ela chamar sua prima distante para ajudar, Miriam (Olivia de Havilland).
Se há uma coisa especialmente tenebrosa é uma casa de plantação do sul dos Estados Unidos. É uma mansão, resumidamente falando, algo facilmente ligável ao clichê da mansão mal-assombrada, embora não haja nada assombrando os moradores aqui. Este caso específico traz detalhes característicos que naturalmente causam certo desconforto ao espectador, começando pela arquitetura de mal gosto deteriorada com o tempo. É um palacete uma vez branco e agora acinzentado, sujo e entregue ao tempo sem mais nenhuma qualidade redentora exceto o que a cinematografia de Joseph Biroc faz pelo ambiente, usando justamente do musgo nas colunas, da tinta descascando e dos móveis empoeirados para criar imagens de estética atraente e clima absorvente. A casa, por si um elemento propício para esse tipo de história, ganha uma importância maior do que a narrativa ao se mostrar uma peça fundamental para os sentimentos de claustrofobia e assombramento de “Hush…Hush, Sweet Charlotte”.
Dentro dessa casa há gente, é claro. O local por si não constitui o objeto central de atenção e, objetivamente, é apenas um gatilho inicial para os problemas das pessoas ali e a eventual loucura que vivem. Do elenco, é quase automático falar de Bette Davis e, no entanto, quem rouba cena mesmo é Olivia de Havilland. Primeiramente porque é surpreendente ela estar tão bem aos 48 anos e também por trazer uma performance que carrega e exerce poder sobre as cenas em que está presente. Talvez seja o contraste gigante com outras personagens, a sensatez e postura de uma dama perante os absurdos dos outros. É mais do que as roupas engomadas e os bons modos, é o modo de se portar e a dicção precisa, a leveza dos movimentos e a firmeza das palavras. Mas talvez seja contraste mesmo, já que Bette Davis e Agnes Moorehead às vezes parecem passar do ponto e exagerar sua interpretação até beirar a caricatura, especialmente no começo de “Hush…Hush, Sweet Charlotte”. Ironicamente, foi justamente Moorehead interpretando a personagem mais cartunesca que acabou por chamar a atenção das premiações, chegando a ganhar o Globo de Ouro.
Quanto à história como um todo, ela pode mesmo ser assemelhada à “Whatever Happened to Baby Jane?” como alguns adoram fazer, só talvez não da mesma forma. Sim, as duas obras foram baseadas em obras de Henry Farrell. Sim, as duas trazem a relação conflituosa de duas mulheres, uma delas louca, como elemento central. Sim, as duas têm uma canção macabra. E é só, realmente. O caminho que cada um segue é diferente e até mesmo os gêneros divergem. “Hush…Hush, Sweet Charlotte” traz uma trama inteligente e enganadora por vezes, pois parece que leva o espectador a acreditar que será algo parecido com o filme anterior enquanto a verdade é bem diferente.
A trilha sonora é curiosa. Por vezes poderia simplesmente não existir, ficar em silêncio absoluto e deixar as imagens falarem por si ou reduzir muito sua intensidade para não fazer o feio papel de parecer um filme de terror clichê dos Anos 50. Se idéia é destacar algo, existem várias formas de fazer isso diferentes de um close sustenido no objeto e três ou quatro notas espalhafatosas, como se o objeto enorme no centro do quadro já não fosse o bastante. Isso é até ruim para alguns momentos que revelam efeitos especiais ultrapassados, por exemplo. Todavia, são em alguns momentos apenas que o espectador torce o nariz. No resto do tempo é mais freqüente sentir as melodias de “Hush…Hush, Sweet Charlotte” evocando a atmosfera carregada de uma casa sob tensão constante. A briga e loucura no ar, mas não só isso, algum pedaço de informação escondido ali no meio que ainda não é identificável pelo espectador.
“Hush…Hush, Sweet Charlotte” traz a qualidade que queria ter visto em sua predecessora de dois anos antes e até o momento se mostra como o meu filme favorito de Robert Aldrich. Isso não é dizer que problemas não existem, pois eles até são do tipo que chamam a atenção para si imediatamente e quebram levemente a imersão da narrativa. Nunca chega a ser definitivo e logo o foco se volta para as partes boas da experiência, as quais com certeza se sobressaem com folga o bastante para fazer deste um grande filme merecedor da atenção recebida no Oscar de seu ano. É o acerto de uma atuação de presença forte e impacto perceptível como a Olivia de Havilland contra um deslize da trilha sonora em querer deixar uma cena chocante com súbitas notas dramáticas; algo de grande estima contra um vacilo rapidamente esquecido.