Não, “Once Upon a Time… in Hollywood” não é o melhor filme de Quentin Tarantino. Alguém esperava que fosse? Certamente. Tudo se espera de todo novo filme do diretor, que até criou um certo folclore a respeito de sua filosofia de trabalho ao dizer que só dirigirá um número limitado de filmes —dez, a princípio — e tem espaçado seus lançamentos cada vez mais. Já faz quatro anos desde “The Hateful Eight“, tempo o bastante para deixar alastrar a ansiedade e a suposição a respeito do novo projeto. O assassinato de Sharon Tate? Um retrato de Charles Manson? Um recorte do show business do final dos Anos 60? Ninguém sabia ao certo o que seria. Hoje se sabe que é tudo isso, um pouco mais e um pouco menos.
Rick Dalton (Leonardo DiCaprio) está chegando cada vez mais perto da meia idade e do fim da carreira. Seus tempos áureos como astro de um seriado de televisão de faroeste estão para trás e ele goza apenas das memórias de quando era Jake Cahill, o protagonista de Bounty Law. Seus papéis hoje em dia são pontas como vilão em outros seriados e a rotina envolve dirigir pela cidade fumando e bebendo com seu melhor amigo e dublê, Cliff Booth (Brad Pitt). Enquanto isso, a nova geração se faz notar logo na mansão ao lado da casa de Rick, a bela e jovem Sharon Tate (Margot Robbie) junto de seu marido Roman Polanski. Dois grupos e dois caminhos diferentes buscando mesmo sucesso e as mesmas alegrias do estrelato na indústria do entretenimento.
“Once Upon a Time… in Hollywood” é um belo filme. Não foi de graça que ele foi escolhido para ser exibido em IMAX, que costuma guardar espaço para os filmes mais explosivos e dependentes de efeitos especiais e visuais intensos, vide “The Lion King” e o último “Fast & Furious” como lançamentos mais recentes. O apelo visual visto aqui reside na recriação de uma época que já passou, faz praticamente 50 anos que não existe mais. Por mais que uns prédios permaneçam de pé e as ruas ainda tenham o mesmo nome, já não é a mesma coisa que sair na rua e talvez dar de cara com Steve McQueen dirigindo seu carro esportivo com o capô abaixado. Esta é uma óbvia carta de amor de Tarantino ao período que ele leva em seu coração.
A atenção ao detalhe está em todo lugar, estampado em um pôster visto por apenas um breve segundo na lateral de um ônibus, nos nomes mencionados e nas personalidades que fazem parte dessa história. Nitidez aliada a cores vibrantes com um traço das emulsões químicas responsáveis pelo visual característico de cada fabricante de celulóide; em outras palavras, a aquarela que traz aos olhos os carros da época, as placas de restaurantes e cinemas famosos, da mansão Playboy e dos eternos mares de concreto chamuscado pelo sol de Los Angeles. Isso sem esquecer dos jogadores envolvidos, ver atores contemporâneos trazendo de volta um tempo em que era possível ver Mama Cass e Roman Polanski na mesma festa de piscina. Como poderia ser esquecido? A publicidade de “Once Upon a Time… in Hollywood” foi praticamente construída com as comparações entre as pessoas reais e os atores caracterizados como eles.
Era de se pensar que seus papéis seriam maiores, porém é muito comum que a publicidade seja relativamente desonesta na divulgação do material real. Ser um pouco frustrante não qualifica um problema atribuível à obra em si, que não deve ser culpada por focar em outros personagens. Isto é, não seria um problema se este foco fosse sobre algo diferente de repetidos passeios de Rick Dalton e Cliff Booth pelas avenidas da cidade enquanto tentam desesperadamente achar uma forma de se reinventar. Não há nada de errado na premissa dual de uma estrela em ascensão e outra cadente. Aliás, há uma riqueza contextual enorme embasando o enredo de “Once Upon a Time… in Hollywood”.
O final dos Anos 60 trouxe a conclusão de movimentos e ideais nos mais diferentes lugares, nas ruas populadas por barbudos e fedorentos e quase mendigos inebriados falando sobre paz, na música de artistas invadindo a América diretamente da Inglaterra e também no Cinema. Com o encerramento da década veio o fim definitivo do Sistema de Estúdio da Era de Ouro. As estrelas foram trocadas por outras novas, como sempre acontece a cada geração, com um detalhe: o perfil mudou consideravelmente. O estilo clássico dos penteados repartidos, terno e gravata e sapato lustrado já não tinha mais espaço perto dos novos excêntricos e supostamente visionários que apareciam a cada semana. “Once Upon a Time… in Hollywood” traz nada mais do que esse exato contraste, o fumante constante de Leonardo DiCaprio usando paletó e se apegando ao decadente gênero do Faroeste ao lado de uma mocinha de minissaia e botas cano alto imersa na cultura abastecida com drogas e a tal liberdade de expressão. No fundo, “Once Upon a Time… in Hollywood” mostra o rito de passagem de uma geração moribunda e outra florescendo.
Acontece diferente na superfície. É evidente o trabalho de pesquisa para capturar um nível de detalhe perceptível até mesmo por aqueles que pouco conhecem Los Angeles da época. Isso porque não se descobrem truques toscos na recriação, algo que se nota rapidamente e que representa o investimento emocional de Quentin Tarantino no material de seu filme. Mas isso não é o bastante. Por mais que se possa fazer leituras extensas de plano de fundo, de contexto e dos pequenos elementos ocultos na construção dos ambientes, não é como se o enredo trabalhasse diretamente estas questões. Claro, não há como negar que a existência de Rick Dalton já constitui certo argumento. O que se vê de fato é um arco envolvendo sua tentativa de ressuscitar sua carreira junto de seu dublê, ao passo que a personagem de Sharon Tate existe para ser bonita e passear pela cidade sendo bonita, até parando para mostrar seus belos pés por longos minutos porque sim.
E quando se pensa na história contada de fato, é frustrante a ausência de ritmo. “Once Upon a Time… in Hollywood” foi noticiado tendo quase três horas, um pouco abaixo de “The Hateful Eight” nesse quesito. Uma regra clara para qualquer duração e especialmente para as mais longas é fazer o tempo do espectador valer a pena. Ao máximo, pelo menos. Então por mais que perda de tempo seja uma característica exagerada, não é por isso que paire no ar um sentimento de que nem sempre se faz bom proveito. A história é uma seqüência de um evento e um evento e um evento, uma linha sempre reta e pouco dinâmica representada pelos passeios dos protagonistas que talvez proporcionem um alívio nostálgico ao diretor e uma oportunidade de brincar com o formato dos seriados antigos. Parece que falta conflito, progressão, ação ou alguma coisa para alternar um pouco o tour histórico.
Ao final, resta uma impressão de que “Once Upon a Time… in Hollywood” funciona como uma seção de um parque temático focada na Hollywood de 1969 e não mais do que isso, já que os dois arcos principais pouco mudam, progridem ou chegam a algum lugar nesse longo tempo. Se não fosse o final dando uma bela salvada, um escaldo de criatividade e tudo o que faltou nas duas horas e tanto anteriores, a experiência ficaria sem nem menos um grande atrativo para se gabar. Claro, o conceito de algumas cenas e as interpretações finas do elenco garantem que o humor seja um elemento presente e revigorante por vezes — sem engano, este é um filme engraçado — mas ainda falta algo maior. Como teste, basta ouvir a diferença de entusiasmo quando uma pessoa fala da obra em geral e depois de seu final especificamente. Qualidades não faltam e incompetência dificilmente pode ser atribuída como culpada, pois nunca se pode dizer que o nível chega a cair tão baixo. É apenas triste que ele não suba tão alto tão freqüentemente.