Jeff Lebowski (Jeff Bridges) joga boliche com os amigos regularmente e está sempre um pouco bêbado ou chapado. Essa é sua vida. Ele também prefere ser chamado de The Dude, o que talvez seja o ponto mais marcante de sua personalidade. Sua rotina previsível muda quando dois mal-encarados invadem sua casa cobrando uma dívida e urinam no tapete da sala para intimidá-lo. O único detalhe é que os dois confundiram os Lebowskis e foram atrás do cara errado. Confuso e sem seu tapete favorito, The Dude se encontra com o Lebowski certo para tentar buscar restituição pelo tapete que amarrava bem a sala, mas acaba sendo recrutado para uma tarefa peculiar que pode render uns bons trocos. Mas é claro que não é tão simples, “The Big Lebowski” é o avatar da improbabilidade.
Isso pode não parecer nada de mais porque a maioria das histórias tenta usar da surpresa para levar o espectador por um caminho que ele não esperava, a improbabilidade de uma situação com algo inesperado e imprevisível a fim de dinamizar aquilo que seria banalmente desinteressante. Mas não é só com isso que “The Big Lebowski” se sustenta. Até mesmo essa dinâmica acontece de forma incomum porque se afasta do clichê do protagonista conseguir realizar um salto, acertar um tiro ou salvar alguém a despeito de todos os obstáculos. Algo mais adequado ao caráter calmo dessa obra seria chegar alguém chegar numa conclusão, desvendar um mistério e resolver um problema de forma surpreendente para a audiência. Nada disso se aplica aqui porque todos os personagens são idiotas. Não há descrição melhor.
É quase natural pensar em escrever uma história e começar com personagens inteligentes. Frases de impacto, coisas que a maioria das pessoas desejava ter dito e que seriam a réplica perfeita para cortejar uma paixão, humilhar um oponente ou vencer uma discussão. Infelizmente, várias dessas frases chegam tarde demais, horas e até dias depois do evento, quando já não fazem mais diferença e a pessoa tem de se contentar com a possibilidade de talvez um dia ser mais esperto e usar isso no futuro. Quão fantástico seria ter a confiança de Clark Gable e dizer para uma moça que ela deve ser beijada freqüentemente por alguém que saiba como? Bastante fantástico. Ou então ter a fluidez na fala para conversar sobre os assuntos mais loucos sem medo como os jovens em “Before Sunrise“? Excelente.
É difícil pensar em uma trama sobre pessoas normais falando coisas normais. Por mais que a proposta da obra seja fugir do extraordinário para explorar o cotidiano, o diálogo e os eventos, mesmo escritos sob um estilo naturalista, devem possuir direcionamento. Mais difícil ainda é pensar em uma história sobre pessoas burras falando e fazendo burrices. Qual o sentido disso? Bem, eis a maravilha de uma proposta contra-intuitiva. “The Big Lebowski” quebra várias regras repetidas a torto e direito nos livros, cursos e aulas de roteiro a respeito de não tornar os personagens passivos em relação aos eventos, vítimas do acaso ao invés de arquitetos de seu próprio destino. O que é uma pessoa burra além de uma escrava de sua própria burrice? Ela não enxerga além de sua própria perspectiva limitada da situação, age com suposta razão sem saber que está fazendo uma grande besteira. Como apenas os personagens principais se encaixam nesse molde, é apenas natural que eles sejam trouxas do resto do mundo.
Essa é a graça de “The Big Lebowski”. Dê a tarefa de comprar pão para um garoto que perde o dinheiro no caminho e nasce um drama quando se descobre que a tarefa era importante para ele porque era uma forma de chamar a atenção e conquistar a confiança de seu pai distante. Dê a mesma tarefa para um idiota e a comédia se forma quando ele é assaltado por um mendigo manco desarmado que acaba devolvendo o dinheiro por sentir que estava tirando doce de criança ao roubar o palerma. E o melhor de tudo é que a trama aqui é relativamente complexa, isso considerando que até mesmo as situações simples se tornam problemáticas nas mãos de pessoas incapazes de cometer um ato sensato com exceção, talvez, de jogar boliche. “Se tudo der errado, jogamos boliche”. É o tipo de filosofia despreocupada que norteia a vida de gente que não faz muito da vida além disso e tomar uma cerveja, talvez fumar um baseado, algo que parece incompatível com o tamanho do problema em questão. Também é o tipo de filosofia que ajuda e muito o roteiro a unir suas sequências usando o boliche como ponte.
Não se pode esperar muito quando se considera os envolvidos. Desajustados, loucos, doentes, burros estão na vitrine, resta imaginar como tal mistura resulta em qualquer coisa diferente de desastre. Um desastre cômico, mas um desastre mesmo assim. Jeff Bridges se encaixa bem naquilo que li uma vez a seu respeito: não há como ver o ator da mesma forma depois de The Dude. Por mais sério que o Rooster Cogburn dele seja, é o gordinho barbudo, cabeludo e de sandália melissa que acaba vindo à mente uma hora ou outra. Eis um homem que nem pode ser chamado de hedonista porque mal parece parar para pensar nas suas vontades para poder satisfazê-las. Ele tem pouco, faz pouco, quer pouco e não parece ter problema com isso, é preguiçoso demais para pensar em algo para dizer na maior parte do tempo e parece ter uma compreensão limitada das coisas. A história inteira de “The Big Lebowski” começa por causa de um tapete, oras. E é claro que não se pode esquecer de seus amigos: o psicótico veterano do Vietnã de John Goodman, sempre encaixando alguma coisa relacionada à guerra nas situações mais aleatórias; e o Donny de Steve Buscemi, o personagem inutilmente querido da história. É quase uma combinação tão ruim que deve dar certo por ironia poética.
No final das contas, o grande feito de Joel e Ethan Coen é conseguir criar uma história inteira centrada em imbecis. Claro, a idéia não é exatamente uma novidade porque comédias existem aos montes com personagens e parafusos a menos, mas normalmente essa imbecilidade é convertida em palhaçada e um pouco de loucura, resultando naquilo que se chamaria de bobinho ou doidinho. A matéria prima aqui é a falta de inteligência plena, pessoas incapazes de tomar uma decisão melhor porque a melhor decisão na concepção deles é aquela que o espectador encontra. E isso funciona satisfatoriamente bem sem cair em estereótipos conhecidos, muito melhor do que eu imaginaria se alguém me descrevesse o conceito. “The Big Lebowski” é um antro de estupidez cinematográfica bem-sucedida.