Não é a obra máxima de Charles Chaplin. Já li várias vezes no passado que “Modern Times” era o ápice da carreira do artista por nascer num período em que ele já tinha muitos anos de maturidade no cinema mudo e alguns outros na era do som sincronizado, sendo uma união das convenções de um mestre da comédia física e sem falas com elementos de uma outra nova era. Não dá para dizer que a descrição é inadequada porque ela de fato descreve a obra objetivamente, ainda que o valor subjetivo de tais características não seja definitivo e unânime. Ainda é um competente filme, apenas um pouco abaixo de outros do passado de Chaplin.
Um operário de fábrica (Charles Chaplin) vive e respira a rotina daqueles que compartilham sua realidade: trabalhar horas longas e horas duras fazendo a mesma coisa repetidamente sem um tempinho para respirar e esticar os músculos. Apertar porcas, apertar porcas e apertar porcas, repete e repete até o sinal tocar anunciando o final do expediente. Finalmente chegando no seu limite, o operário tem uma crise nervosa no trabalho e logo descobre que a vida dos desempregados não é muito melhor. Ele eventualmente conhece uma garota de rua e começa uma amizade entre duas pessoas dividindo a miséria de viver numa era industrialmente cretina.
“Modern Times” é principalmente lembrado por todas as cenas ambientadas dentro da fábrica. Não se trata apenas da recriação do que seria uma fábrica dos Anos 30 mas também de uma reimaginação do conceito misturando elementos de fantasia e outros que podem até ser chamados de visionários. O primeiro ponto tem a ver com transformar uma ambientação real em algo levemente mais caricato para poder funcionar nas rotinas chaplinescas como fazer um homem ser engolido por uma máquina e passar pelo meio das engrenagens gigantes sem se tornar purê de batatas. O design de produção é ajustado para que o elemento do absurdo sempre seja possível e aproveitável pelo protagonista. Muito mais freqüentemente do que não, tal idéia funciona e a comédia tem chão para existir sem parecer fora de lugar, funcionando especialmente melhor quando o palco é evidentemente projetado para as cenas mais peculiares.
Quanto aos toques mais ousados, “Modern Times” não chega em algo ambicioso a nível do cenário urbano de Metropolis, com toda a arquitetura, tecnologia, infra-estrutura, leis e costumes repensados em um nível de complexidade que influenciaria obras de décadas posteriores. Ainda assim, nota-se uma amostra da visão de Chaplin em elementos como a supervisão constante e opressora do chefe da fábrica através de um monitor praticamente onipresente, algo que pode ser considerado como um precursor do próprio Grande Irmão de “1984”. Televisões sequer existiam em 1936, logo não é uma idéia tão banal quanto pode parecer hoje porque não se trata apenas do objeto, mas da idéia por trás dele envolvendo as relações de trabalho da época.
“Modern Times” realmente costuma ser recordado pelos momentos de Chaplin perdendo uns parafusos e alastrando o caos na organização rígida de uma fábrica em que a ação do próximo operário é inteiramente dependente daquela do anterior. É uma grande sátira da mecanização do trabalho e do ser humano. Se o trabalho dignifica e dá significado à vida do homem, qual a dignidade e o sentido de ficar apertando parafusos ou de repetir as mesmas coisas durante oito horas? Existem aqueles que enxergam que a vida é mais do que isso e buscam algo diferente de aceitar sofrimento institucionalizado, mas e então? A obra cresce quando vai além da realidade laboral e mostra o que acontece fora do trabalho. Por pior que algumas coisas sejam, às vezes parece que a alternativa não é tão melhor e a idéia ousada de fugir do sistema não funciona tão bem. É o clássico exemplo de fugir da frigideira e cair direto no fogo aplicado à vida real, o que é especialmente relevante por não ser um ponto restrito aos tempos que eram modernos nos Anos 30.
O problema é que o conceito, embora muito interessante quando o foco está sobre ele e quando a narrativa desenvolve a idéia de miséria inescapável, não é utilizado como base temática para todas as grandes seqüências de “Modern Times”. Não porque é um conceito fraco e sem potencial para isso, é possível ver o contrário demonstrado aqui mesmo. A capacidade só não é atingida e, assim, o filme mais parece uma união de peças distintas com delimitações bem claras entre o começo de um esquete e o próximo. Também não se chega tão longe a ponto de seqüências inteiras soarem gratuitas, fora de lugar e sem conexão alguma com os eventos prévios ou com o tema principal. Apenas parece que falta um pouco mais de sofisticação narrativa na união de uma seqüência com Chaplin passando tempo na cadeia e outra dele tentando trabalhar como vigia da noite em uma loja de departamento e andando vendado de patins numa área perigosa.
A impressão passada é mais ou menos como algo que ouvi a respeito da série James Bond sobre os filmes serem feitos pensando primeiro na ação e depois encaixando uma história mais ou menos coerente. O caso de “Modern Times” é um pouco mais grave porque sua forma ainda empresta muito do cinema mudo e suas convenções, então não há trechos de diálogo, por exemplo, entre o começo de um esquete e o próximo. No entanto, nem esta estrutura artificial consegue ser danosa a ponto de ocultar a competência de um artista que domina as coisas que fazia há anos. Ver Chaplin no que sabe de melhor, agindo como um trapalhão de coração enorme enquanto faz de seus atos a essência do riso e do entretenimento nunca deixa de ser um grande prazer. Embora o desejo seja de que as coisas fossem diferentes, esta ser a despedida do Andarilho, do Carlitos, não faz do filme superior a feitos do passado