No começo dos anos 60, Ian Fleming trabalhou em um script para um filme de Bond junto de Kevin McClory e Jack Whittingham, mas por questões de custo o projeto acabou abandonado. Mais tarde, Fleming não deixa a idéia morrer ao transformar o projeto no livro “Thunderball“, sem creditar os ex-parceiros. Quando a EON Productions começou a desenvolver um longa-metragem em cima do tal livro, McClory decidiu brigar judicialmente. Chega-se num acordo e o homem se junta à equipe de produção, sendo proibido de fazer qualquer adaptação da obra por um período de 10 anos. McClory espera e finalmente consegue iniciar seu remake com Sean Connery novamente no papel de Bond perto do final da década de 70. Junto com o “Casino Royale” de 1967, “Never Say Never Again” faz parte do grupo de filmes de James Bond que não pertencem à cronologia oficial, sendo considerado não canônico e sem relação aos outros 23 filmes da franquia.
A trama é essencialmente a mesma de “Thunderball” com algumas pequenas modificações no papel de alguns personagens e a inclusão de outros novos. Ao chantagear um oficial da aeronáutica, a organização SPECTRE consegue acesso a dois mísseis nucleares. Estabelecendo um preço a ser pago em troca das armas, a organização criminosa ameaça detonar ambos os mísseis caso as exigências não sejam cumpridas em 24 horas. Impedir que o mundo adquira uma crosta ardente radioativa é novamente tarefa para James Bond, dessa vez um pouco longe de seu apogeu físico.
Enquanto a idéia de abordar um James Bond mais velho é interessante, reencontrar Sean Connery de volta no papel não traz aquele prazer nostálgico. Ver Connery em seu auge nos Anos 60 é uma coisa, ver o mesmo ator em seu segundo filme como Bond nos Anos 70 já é outra história milhas longe de seu bom trabalho de antes. Talvez o que tenha quebrado a empolgação de ver Connery novamente no papel foi sua interpretação desprezível em “Diamonds Are Forever”, de 1971, que já representava um retorno do ator ao papel depois de George Lazenby assumir seu posto. Ao menos seu trabalho aqui é significantemente mais positivo que sua última aparição, mesmo que os diálogos por vezes não cooperem. Connery interpreta um 007 que não está no seu auge físico, possivelmente por conta dos muitos Martinis, mas que é novamente chamado para o trabalho. Tal idéia começa bem ao ser abordado com algumas cenas de treinamento e recuperação similares ao que foi feito em “Skyfall“, sendo ao menos um toque interessante do roteiro querer integrar a idade do ator à história. No entanto, o peso da incompetência logo se mostra um pouco demais para apenas esta boa idéia nivelar a balança.
Com alguns simples elementos uma pessoa pode caracterizar com precisão um filme clássico de James Bond. Não é nem de longe uma fórmula complexa ou implícita o bastante para passar batida, além de 12 obras lançadas até então já denotar as convenções era pra ser novidade para ninguém. Em “Never Say Never Again”, Kevin McClory incrivelmente consegue passar longe de grande parte desses elementos clássicos, executando-os mal ou simplesmente os omitindo. Se alguém levanta o nome de James Bond numa conversa, sem dúvida elegância e charme estão envolvidos na conversa. Lugares exóticos, mulheres lindas, carros caros, apetrechos de última geração, roupas elegantes… tudo é comum ao mundo de 007. Entretanto, pouco disso é encontrado em “Never Say Never Again” quando muitos dos elementos detentores do ar de primeiro mundo da franquia são trocados por substitutos claramente inferiores.
Tudo parece mais barato, pouco sofisticado e comum. As localidades esplêndidas estão longe de ser encontradas, os veículos caros são trocados por outros populares, os apetrechos são empobrecidos, os personagens piorados e as famosas cenas de ação, mal executadas. Até mesmo as frases prontas de 007, elemento chave de seu charme, são deterioradas. Momentos marcantes, como James Bond falar que não reconheceu uma mulher por ela estar usando roupas, são substituídos por James Bond responder que seu Martini continua seco quando uma garota o molha acidentalmente. O mais surpreendente é ver que o orçamento de “Never Say Never Again” é maior que o de “Octopussy”, a produção canônica de 007 lançada como competição. O orçamento menor e a vitória do competidor nas bilheterias apenas reforçam que é preciso mais do que direitos autorais e um ator famoso para fazer algo de qualidade.
A direção de “Never Say Never Again” é algo simplesmente falho em grande parte das sequências-chave que caracterizam um filme de James Bond como tal: tomadas apreciativas dos ambientes visualmente esplêndidos, aproveitar a beleza da Bondgirl sem constituir exploração grosseira, além de capturar os ambientes de forma que sua grandiosidade seja maximizada aos olhos do espectador. Pouco disso está a disposição de quem assiste a “Never Say Never Again” esperando algo do nível dos 12 filmes que vieram antes. Curiosamente, a direção é de Irvin Kershner, o mesmo responsável pelo excelente “Star Wars Episode V: The Empire Strikes Back“. Para não dizer que a direção é totalmente falha, alguns resquícios da perícia de Kershner estão ali para quem estiver atento a tais detalhes, pois eles passam rápido. De resto, são esforços um tanto esquecíveis.
Sintetizando o que “Never Say Never Again” mostra, há um James Bond mais experiente viajando para um hotel de três estrelas nas Bahamas. Para derrotar a organização criminosa, Bond conta com a ajuda de apetrechos tecnológicos como uma motocicleta veloz e colegas como o Mr. Bean — sim, o próprio Rowan Atkinson marca presença. Um James Bond que tem uma partida de videogame entre herói e vilão como uma de suas cenas mais importantes só reitera o ponto que este é um 007 de classe econômica.