Sim, “The Jazz Singer” foi o primeiro filme com som da história do cinema. Muito se fala sobre isso e provavelmente mais pessoas sabem desse fato do que o assistiram, havendo algumas razões possíveis para isso. A primeira diz respeito ao som existir e ao mesmo tempo não muito, pois são apenas alguns poucos trechos com som sincronizado —dois minutos de diálogo, especificamente, além das canções — enquanto o formato de filme mudo se mostra dominante, o que espanta alguns espectadores. A outra grande razão é a reputação não tão boa. Apesar da importância histórica, técnica e cultural, não se falou muito de qualidade ao longo dos anos.
Jakie Rabinowitz (Al Jolson) pertence a uma família que há gerações realiza os cânticos na sinagoga, sempre estando lá quando a comunidade judaica precisa. O rapaz é treinado pelo pai desde criança para eventualmente ocupar seu lugar e interpretar as canções de Israel, mas a natureza chama para algo diferente. Jakie sonha em cantar a música do povo, tornar-se um cantor de Jazz e subir nos palcos para protagonizar seu próprio espetáculo. Sua saída é abandonar a casa e ir para o mundo buscar seu sonho, uma tarefa gigante por si e ainda mais por fatores não previstos pelo rapaz, que adota o nome Jakie Robin no show business e se dedica completamente à sua nova vida.
Gostaria que “The Jazz Singer” fosse melhor do que é. Por um lado, é bom que sua importância histórica não tenha influenciado a forma como ele foi visto ao longo dos anos, como tantas obras que iniciaram movimentos ou quebraram regras de seu tempo e são importantes, de fato, mas não necessariamente bons. Tudo isso é questão de opinião pessoal, mas não é um absurdo dizer que há quem avalie uma obra melhor por causa de sua reputação. Este é um caso em que as pessoas reconheceram a revolução feita e não vestiram os óculos do saudosismo. Escutar pela primeira vez os atores conversarem entre si e até cantarem músicas inteiras deve ter sido incrível, fantástico até; como presenciar em primeira mão a evolução de uma arte já impressionante em algo maior sem perder a identidade.
Hoje já não é a mesma coisa. A caminho de seu centenário, “The Jazz Singer” não impressiona as audiências atuais pelos mesmos motivos, já que a maioria dos filmes tem mais diálogo sincronizado nos primeiros cinco minutos do que este aqui em sua totalidade. Fica bem mais fácil enxergar o trabalho pelo que ele é quando não há o choque da novidade entorpecendo as emoções, mais fácil analisar qualidades e defeitos objetivamente. Por exemplo, hoje em dia o que mais se comenta sobre a obra é o uso da maquiagem blackface e como isso é extremamente racista, errado, politicamente incorreto e tudo mais, ao passo que ninguém achava isso estranho em 1927. Curioso como as coisas mudam.
Tendo isso em mente, não é como se o saldo fosse absolutamente negativo, como se os já pontuais elogios fossem mais do que é merecido. Os números musicais são modestos e, a despeito disso, conseguem transmitir a energia e honestidade de um personagem extremamente grato pela oportunidade de poder se apresentar diante de uma platéia, seja sua mãe, poucas pessoas em um bar ou um auditório lotado. São musiquinhas curtas e simples como muitas da época, às vezes menos de dois minutos e um refrão fácil de decorar. Independentemente do que podem achar delas, são elas que alimentam os sonhos do protagonista e é o que ele gosta de cantar. Ser fiel à proposta é o necessário para ter sucesso e é exatamente o que Al Jolson faz.
Por outro lado, há uma série de pequenos e grandes problemas responsáveis pela reputação mista de “The Jazz Singer”. A primeira coisa é o próprio ator principal. Não sua interpretação, é a idade de Jolson que imediatamente se faz notar. Ele tinha 40 anos, diversas linhas de expressão, um pouco de calvície e deveria interpretar um personagem com cerca de 20 anos, um menino que sai de casa e volta um jovem adulto em começo de carreira. Não há como comprar o que se vê. Outro problema é a direção pobre de Alan Crosland, que peca essencialmente na produção de uma boa narrativa no formato do cinema mudo, ou seja, a maior parte do filme. Várias cenas são mal dirigidas a ponto de repetirem tomadas descaradamente e até desnecessariamente, como uma cena de aplauso repetir cinco segundos gravados de novo e de novo até somar 45 segundos ou mais. Qual a dificuldade de deixar a câmera rolando enquanto os atores batem palmas? Certamente nunca vi nada assim em nada de F.W. Murnau, antes que se atribua essa característica ao fato de ser um filme mudo. “The Jazz Singer” foi uma das produções mais caras da Warner Bros. da época, então também não foi falta de dinheiro.
É difícil não encarar a ação engasgada e tosca como um traço de amadorismo e ineficiência, em especial por acontecer em momentos tão simples. Mais difícil de ignorar é a enorme pedra no sapato de um clímax preto no branco. Colocando em jogo tudo o que foi realizado até o momento, ele eventualmente se mostra ineficiente quando dá uma solução que mal pode ser chamada de conveniente porque não faz sentido nem é bem explicada, apenas acontece. No fim das contas, são os mais básicos dos problemas que atrapalham “The Jazz Singer”.