Filmes focados em uma profissão podem ser magníficos. As pessoas acostumadas demais à sua própria bolha profissional muitas vezes não se imaginam fazendo outra coisa porque a vida não permite ou porque encontraram aquilo que amam fazer. É aí que “The Wife” entra. O título principal sugere um foco na esposa, um ponto para o espectador prestar atenção acima do resto, mas pode soar como pouco material de interesse e por isso traz uma surpresa agradável: a história dá um gosto especial de como é e o que significa ser um escritor. Para aqueles com medo de não saber o que encontrar, já é algo mais do que a história de uma esposa, no mínimo.
Depois de décadas de livros e mais livros publicados, finalmente chega o momento de glória de Joe Castleman (Jonathan Pryce): ele é nomeado vencedor do Nobel de literatura. Ele e sua esposa, Joan (Glenn Close), são imediatamente soterrados de pedidos de fotos e entrevistas, comentários para jornais, discursos e, em seguida, chega a viagem à Suécia para receber o prêmio. Mas nem tudo são flores, embora se trate de uma das maiores honras do planeta. Os desconfortos e as mentiras se apresentam tão logo que a família de Joe pisa no avião, muito ao contrário da expectativa geral de desfrutar da atmosfera agradável de uma viagem celebrando uma vida de conquistas.
“The Wife” se apresenta com pouco. É difícil imaginar as pessoas comentando sobre este filme no clássico estilo boca-a-boca tal como descreveriam “Room“, por exemplo — o suspense com Brie Larson presa em cativeiro criando um filho do captor. O que seria “The Wife”? Aquele em que Glenn Close é esposa de um escritor premiado? Neste quesito, uma indicação ao Oscar preencheu tal vazio ao fazer deste longa aquele em que Glenn Close foi indicada à Melhor Atriz. E talvez a indicação se torne uma vitória e um motivo ainda maior para as pessoas darem atenção à esta história com muito mais a dizer do que a primeira impressão transmite.
Não surpreendentemente, Close é o ponto alto; ou melhor, ela, Jonathan Pryce e todo o elenco. Não há um quê fora do lugar em um conjunto conciso e eficientemente disposto, com cada personagem tendo seu espaço para se desenvolver dentro de um cenário pensado em extrair o melhor deles. Talvez por isso mesmo seja tão difícil vender “The Wife”: é tudo muito corriqueiro e pequeno. Claro, ganhar um Nobel está longe de ser pequeno para qualquer pessoa, mas ainda é uma parte relativamente pequena da história. Grande parte da história se passa nos momentos preparativos para o grande prêmio, o que significa uma circunstância ainda menos chamativa. Difícil de transformar os preparativos do Nobel em algo cativante. Felizmente, isso não afirma nada sobre a qualidade final do produto, pois o crescimento dos problemas rouba a atenção para si como deveria. Independentemente do ambiente, importa mesmo é a dor de cabeça fazendo parte do cotidiano e até não poder ser mais ignorada.
Aliás, é aí que está o charme da obra. Tudo está no lugar, é como uma peça de teatro muitíssimo bem escrita em que os personagens existem por uma boa razão e entram nas horas certas para alimentar o fogo da trama até ela ferver. Ora eles ficam um tempo de fora, ora aparecem bem na hora em que facilitariam a vida dos outros se tivessem ficado mais tempo fora e, assim, transformam o que deveriam ser dias de lazer em uma bomba relógio. “The Wife” funciona mais ou menos como um dia normal que começa a dar errado até que não se possa pensar nele tendo alguma parte boa. Por mais que não seja uma proposta exatamente fácil de divulgar, ao menos ela cria de pouca a nenhuma expectativa e deixa o espectador cru para o que há pela frente.
E novamente se retorna ao elenco. Principalmente a Glenn Close e Jonathan Pryce demonstrando perfeitamente a diferença que alguns anos fazem na carreira de um ator. Além de facilitar a interpretação de personagens em idade mais avançada, a experiência traz a finesse que dificilmente se encontra nas pessoas mais jovens, a sensibilidade de se conhecer muito bem e saber exatamente como exercer e impor tal personalidade nas mais diversas relações sem correr o risco de se expressar mal e dizer o que não se deseja. Em outras palavras, a pessoa é ela mesma há tempo demais. No caso de Close e Pryce, ambos interpretam um casal na casa dos 60 anos com secas e dilúvios demais debaixo da ponte para dizer que há apenas água debaixo dela. Brigas, paixões, arrependimentos e bons momentos estão em maior parte no passado. Já se viveu muito e nada mais é novidade realmente, portanto as ondas que abalariam o barco antes passam a ser apenas as movimentações leves e naturais da água.
Sutileza define a comunicação deste casal. A história de “The Wife” se beneficia imensamente disso para construir justamente a progressão espontânea de que algum monstro invisível é alimentado com cada cena. A audiência sabe disso, mas não qual é esse monstro. Fica no ar a pergunta sobre o que não é dito e o que é reprimido, já com certa segurança de que não são demonstrações gratuitas de mistério. Não lembraria uma boa peça de teatro se o enredo não preparasse um momento para recompensar toda a tensão sugerida pelas frases não terminadas e a linguagem corporal sutil da personagem de Close acompanhando a agenda de bajulação de seu marido. Quando se chega no desenrolar das coisas, lembra-se de todos os olhares e as observações pontuais que ficaram para trás, de tudo aquilo que começaram a dizer antes de serem suprimidos por forças maiores.
“The Wife” eventualmente deixa de mistério e revela sua mão em uma jogada agressiva típica dos momentos de raiva extravasada depois de alimentada a pequenas doses. Às vezes grita um pouco demais com a voz de movimentos sociais pró-mulher atuais, mas não se deixa levar pela tentação de ecoar um discurso já ouvido várias vezes e volta os olhos para o que realmente importa. Especialmente de um ponto comercial, há alguns fatores notáveis a serem considerados quando se fala no apelo da premissa de “The Wife”. Por sorte, isso não se mostrou um obstáculo para as pessoas que acabaram enxergando os valores da obra e especialmente a interpretação confiante de Glenn Close, no controle e com poder sobre as melhores ferramentas para uma narrativa muito dependente de sub-texto.