Um dos favoritos para o Oscar desse ano é, curiosamente, um daqueles filmes que escapa do estereótipo que a Academia gosta de premiar: as histórias de vida, normalmente ambientadas no passado, que apresentam uma transformação do protagonista. “Room” não tem nada disso e ainda assim se mostra como um dos melhores filmes de 2015, contando uma história recheada de drama e suspense sem apelar para nenhum tipo de clichê. Sem dúvidas é a história mais original entre todos os indicados, uma obra que rendeu 4 indicações ao Oscar, incluindo uma para Brie Larson, a estrela do longa.
A história é contada a partir do ponto de vista de Jack (Jacob Tremblay), um garoto que passou todos os dias de sua vida confinado numa sala junto de sua mãe. Para ele, o mundo não funciona exatamente como para uma pessoa normal, até porque sua vida não é nem um pouco normal; ele acredita que fora de seu cativeiro existem outros planetas e o paraíso, além de achar que muitas coisas de sua vida existem por causa da magia da televisão. Sete anos antes, sua mãe foi abduzida e trancada neste mesmo quarto, estuprada toda noite por seu sequestrador e eventualmente dando origem ao pequeno Jack.
Por esta história ser dividida em dois grandes arcos, é complicado dizer mais do que digo na sinopse. Caso o fizesse, estaria estragando a melhor cena de suspense do ano inteiro e consequentemente parte do próprio filme. Sendo assim, farei o possível para ilustrar o assunto dessa obra sem revelar demais. Uma situação como a vista aqui é, sem dúvida, um absurdo por si, pois como pode alguém realmente viver sob condições tão árduas? Para diversas mulheres, uma gravidez acidental já é motivo para um, compreensível, desespero. Somando isto a um estupro diário e uma vida desprovida de qualquer tipo de luxo — algo como uma subsistência pós-apocalíptica em um mundo sem apocalipse — e o resultado será “Room”. É uma premissa tão bem construída que mesmo desprovida de qualquer tipo de desenvolvimento já desperta emoções fortes no espectador. Ver uma pessoa numa situação é revoltante, triste e agonizante, tudo ao mesmo tempo.
Entretanto, “Room” não é apenas uma premissa bem pensada, o filme vai além e constrói uma história que coloca o dedo nas feridas recém abertas do espectador. Mais do que ilustrar apenas uma vida difícil, o roteiro de Emma Donoghue — também autora do livro em que o filme se baseou — faz questão de mostrar como até atividades diárias tornam-se um verdadeiro sacrifício. Cozinhar qualquer coisa depende da boa vontade do sequestrador, enquanto lidar com as dificuldades na infância ganha uma dimensão problemática completamente nova. Como se cuida de um bebê de peito sem os padrões de higiene adequados? Como introduzir uma criança ao mundo que ela provavelmente nunca conhecerá? Como permanecer com a cabeça no lugar com todo esse fardo nas costas? Todas estas são questões trabalhadas pela história. Mesmo que algumas não estejam representadas diretamente nas imagens, elas permanecem no ar como temas secundário, uma série de considerações que dão uma profundidade bem vinda aos personagens de Brie Larson e Jacob Tremblay.
Como se não bastasse isso, o elenco simplesmente destrói em termos de atuação e dá uma tremenda carga dramática a uma trama já bem construída. Tanto que é possível dizer que este filme simplesmente não funcionaria sem atores fortes. Sem eles, esta obra seria uma demonstração de 2 horas de exposição pura, um documentário sobre uma situação fictícia que perde todo o impacto de sua premissa tão logo que o espectador deixa de se conectar com a obra. Isso não acontece aqui, uma vez que o elenco faz um ótimo trabalho como condutores entre as fortes energias dessa obra e o espectador. Jacob Tremblay, um promissor ator mirim, entrega uma atuação extremamente competente para alguém de sua idade e mesmo que muito de sua atuação seja fruto de uma direção que soube guiar o garoto, isto não impede que ele receba o devido mérito por diversos momentos impactantes. De forma positiva ou negativa, tenho certeza que vários destes momentos afetarão o espectador, mais ou menos como o garoto de “The Babadook” fez um ano antes. No entanto, vale apontar que, assim como neste último filme mencionado, as chatices e manhas do garoto têm efeito construtivo para a própria história, não são simplesmente caracterizações irritantes do personagem. Esse efeito pode ser notado especialmente na própria Brie Larson, que entrega a performance mais memorável e profunda do ano com folga. Toda a situação enfrentada pela personagem, todo comportamento rebelde do garoto, toda mentira que ela conta mostram não ser complicações de enredo puramente expositivas, todas têm sua influência, mesmo que pequena, na fragilizada psique da protagonista. É o tipo de atuação que não mostra essas mudanças na cara, como causa e efeito, mas que cria uma grande colcha de retalhos de uma pessoa que mal tem motivação para ver um novo dia.
Talvez não o filme do ano, mas com certeza um dos melhores, “Room” é um filme extremamente potente. Ele cria uma atmosfera imersiva e transmite todos os sentimentos e angústias daquele meio sutilmente, aproveitando atuações excelentes e uma história brutal, que não perde força por esconder a repugnância de várias ocasiões.