Gabrielle Colette (Keira Knightley) é uma garoa humilde do interior da França. Bela, mas sem condições de fornecer um dote razoável para seu futuro marido. A sorte eventualmente chega quando Willy (Dominic West) decide casar com ela a despeito da condição financeira, disposto a seguir numa vida de constantes batalhas para manter as contas de pé com seu negócio de escrever livros. A situação eventualmente aperta muito e Willy decide dar um tiro pro alto ao deixar sua esposa escrever um livro e publicá-lo como se fosse dele. Quando a obra faz muito mais sucesso do que qualquer um esperava, a moça percebe em si a vontade de ser reconhecida por um trabalho intimamente seu.
Para os fãs de cinema, Colette provavelmente é conhecida por uma novela sua adaptada para o cinema em 1958: “Gigi“. O musical de Vincente Minnelli venceu o Oscar de Melhor Filme e outras oito estatuetas, incluindo Melhor Diretor e Melhor Trilha Sonora. Basta dizer que é um dos musicais mais premiados de todos os tempos e uma grande publicidade para a autora francesa, que morrera quatro anos antes do lançamento do filme. Uma pena ela não ter visto tais frutos de seu trabalho, mas uma pena maior ainda seria considerar que sua vida e obra se resumem a isso. “Colette”, dirigido por Wash Westmoreland busca retificar essa possível negligência histórica com uma trama focada em tantos outros feitos e fatos da vida da autora francesa.
Colocando da forma que se desejar, este ainda é o trigésimo sétimo filme biográfico lançado no ano com o Oscar em mente, outra isca para o prêmio como tantas outras vistas em outros anos. Uma figura histórica importante cuja história de vida pode ser usada como comentário social no contexto do lançamento. Trata-se de uma figura feminina marcando época por sua ousadia em desafiar os padrões da época e demonstrar que sua força de vontade igualava seu talento como autora, a despeito de todas as desigualdades de gênero da época. Certamente não é acidente essa obra ser feita justamente quando se fala tanto em empoderamento e protagonismo feminino. É até óbvio demais em alguns momentos o quanto se tenta associar enredo e pauta, quando representações explícitas demais entram em jogo.
Mas isso só entra em jogo em um ponto mais avançado da história, quando muita coisa já aconteceu e a protagonista conhece uma pessoa que personifica várias facetas deste empoderamento feminino. Fede a clichê dos bravos numa primeira vista e seria exatamente isso se a história não provasse que uma pessoa existiu assim de fato, com todas as características curiosamente coerentes e apropriadas ao contexto da história. Todavia, sempre vale mais analisar a aplicação do que o elemento por si. Em outras palavras, a personagem por si não é um problema, diferente da forma como usam ela e toda sua sabedoria fornecida à Colette quando a narrativa demanda isso. Novamente, é um ponto aparentemente pequeno, mas representativo de quando a obra perde parte do brilho do começo.
“Colette” começa muito melhor do que termina, sem dúvida. A história não tem pretensões evidentes em um primeiro momento, busca apenas mostrar a evolução de traços de personalidade em atitudes que viriam a caracterizar a moça aos olhos do público. Keira Knightley demonstra essa evolução sem se apoiar no que já fez antes em outras histórias de época — as quais são quase um clichê de sua carreira. Ela não tem a jovialidade vívida da Lizzy de “Pride and Prejudice“, por exemplo, ou sua curiosidade de descobrir o mundo sem ver o mundo com os mesmos olhos da maioria das garotas. Fazendo um esforço para criar uma conexão, as duas tratam da fuga dos padrões e da individualidade feminina extrapolando limites sociais, embora o caso de “Colette” trate mais de uma personalidade forte conquistando espaço através de confrontos gradualmente diretos e intensos.
Executar organicamente este processo de evolução e expansão de espaço significa associar as manifestações da personalidade da protagonista com seu trajeto artístico; mais do que isso, unificar os dois processos de forma que cada passo de um signifique um avanço no outro. Se há uma tarefa elementar nesta narrativa é demonstrar claramente uma mecânica de duas pernas que não caminham sozinhas. Analisando brevemente a relação entre a autora e sua personagem Claudine já se revela a conexão íntima entre história pessoal e produção artística, como não é possível falar de apenas uma coisa neste caso. Claudine é Colette, mas antes disso Gabrielle se torna Colette conforme se descobre como artista e ser humano através das suas criações, os contos de Claudine. É apenas quando o desenvolvimento da personagem chega em um ponto mais avançado e relativamente estável, quando ela já reconhece seu próprio poder e o exerce sem o mesmo medo do início, que o brilho do desenvolvimento coerentemente conduzido desde os primeiros momentos se esvai um pouco e se deixa cair em um patamar mais insípido.
Por fim, a melhor parte da experiência é algo que já espera de dramas de época: os visuais. Isso quando se fala em produções de maior calibre, é claro, quando há bastante dinheiro a ser colocado nestes dois aspectos por vezes considerados secundários numa produção — abaixo de elenco, direção, fotografia e roteiro, por exemplo. Mais do que dinheiro estampando cada cortina e apartamento parisiense, com suas escrivaninhas de madeira bruta sob a sombra de uma estante enorme cheia de livros, há um cuidado na representação a fim de extrair de cada ambiente sua essência. É perceptível o sentimento de calma de um ambiente rural, de seriedade na organização dos objetos em um escritório ou de conforto e sensualidade do quarto de um amante. Parece óbvio, dizendo dessa forma, mas uma execução infeliz dessa construção dos ambientes facilmente destruiria qualquer atmosfera pretendida. Como um todo, se não fossem alguns detalhes negativos e simplificações do desenvolvimento da protagonista, “Colette” seria uma história ainda mais eficiente do que já é.