Para os incomodados com a política de Hollywood de tentar resgatar audiências que foram jovens nos Anos 80 e 90 e, de quebra, conquistar a atual juventude com refilmagens ou continuações dessa época, “A Star is Born” é um curioso caso. Ele demonstra que não é de hoje tentar refazer obras antigas. Tudo bem, já houve vários outros exemplos, como “The Fly” em 1986 e “The Front Page” em 1974, porém este é algo mais: foi refeito nada mais, nada menos que 3 vezes. Todas produções americanas, então nada de refazer uma produção britânica ou um filme mudo, já que o original é este de 1937.
Esther Blodgett (Janet Gaynor) mora numa pequena cidade no interior do país, enfurnada com sua família em um casebre pequeno. Cada vez que vai ao cinema é um deleite indescritível: além de aproveitar o filme, ela volta enamorada com a idéia de um dia estar na tela e se tornar uma grande celebridade. Mas é difícil ser qualquer coisa onde ela vive, então decide tomar a única decisão possível e partir para Hollywood em busca de seus sonhos. Lá, ela encontra tudo menos isso, o que muda quando ela esbarra por acidente com Norman Maine (Fredric March), popular astro em decadência.
A competência de “A Star is Born” está ali, mas não é um indicativo tão óbvio da decisão de refazer a mesma história três vezes. É um bom filme que se exalta por tratar de um assunto extremamente intrigante e chamativo para o público que consome a vida dos artistas. Há quem apenhas admire e acompanhe a carreira de uma pessoa, enquanto há aqueles que se deliciam com as fofocas dos bastidores, com quem fulano está tendo um caso, qual o visual que tal atriz usou no tapete vermelho e para onde viajou nas férias. Este longa de William A. Wellman foi feito justamente numa época em que o Cinema era rei do entretenimento, quando o interesse estava centrado nos astros da telona e gente como Louella Parsons nadavam na popularidade de suas fofocas. Uma história sobre o cinema, com direito a várias piadas internas sobre os lábios de Joan Crawford ou o estilo de Greta Garbo. É um prato cheio.
Mas não é só isso. O apelo envolve ainda outra parte crucial: o sonho de alguns membros da audiência. Não dá para dizer que todos ou a maioria pensam em se tornar grandes astros, esbanjar dinheiro e assinar autógrafos às dezenas quando sair de casa para tomar um café. Mesmo para quem não tem essa ambição, a idéia não deixa de ser romântica e atraente. Ser reconhecido é um desejo bastante freqüente, independentemente da profissão. Começar a história com uma protagonista saindo da vida comum em direção aos holofotes é uma forma deveras eficiente de fisgar uma audiência mais próxima de uma vida normal do que do estrelato. Do lixo ao luxo, “A Star is Born” possibilita acompanhar uma história de Hollywood desde seu começo, ver as coisas acontecendo ao invés de esperar por uma autobiografia quando o astro se aposenta.
Mas tudo isso só funciona mesmo porque o roteiro é, de fato, muito bom. Satisfazer curiosidades e atiçar o espectador sonhador seria uma proposta rasa e longe de constituir algo interessante. “A Star is Born” vai além da ascensão e conquista dos sonhos de uma pessoa para trabalhar também tudo que vem no pacote. Competição, lucro e assédio são apenas alguns dos problemas de quem escolhe trilhar o caminho da fama. A trama deixa perfeitamente claro ainda no começo que este é um conto sobre sacrifícios, talvez até mais do que sucessos. Tudo tem um preço a ser pago, algo em que muitos não pensam na hora de se embriagar com as fantasias sobre o que fariam com tanto dinheiro e fama, qual pose escolheriam no tapete vermelho e qual carro esportivo comprariam para passear pela enseada italiana.
A melhor parte é justamente aquela que mostra como a fama é um monstro peculiar, que entrega um contrato com letras miúdas só percebidas quando é tarde demais. Uma parte disso é a política única do sistema de estúdio, incluindo o controle sobre nome, aparência, personalidade, vida pessoal e publicidade. Interessante e chocante descrevem bem a sensação de ver tudo isso sendo aceito como prática comum e inquestionável, o que também resulta em parte do humor bem colocado e longe daquele forçado de outras cenas. Quanto às conseqüências de todo esse controle, já não é uma história tão bela. “A Star is Born” chega a tocar em pontos sinceramente não esperados, falando sobre a infeliz união entre falta de integridade e fama e o intenso poder destrutivo dela. Conquistar status é difícil, extremamente, mas é o bastante? Ser chamado de artista e aplaudido é realmente realizador, o elixir da felicidade, como parece? Embora denotadas cedo por algumas falas expositivas de uma personagem, é através da sólida atuação de Fredric March que tal paradoxo ganha vida; dele sozinho e, principalmente, junto de Janet Gaynor servindo como um contraponto moral e concreto de sua condição.
Sobre deslizes, estes são mais notáveis na parte técnica. “A Star is Born” é um dos raros filmes coloridos de seu tempo e foi, inclusive, premiado com um Oscar Honorário sob recomendação de um comitê de cinematógrafos dedicados a revisar todos as obras fotografadas em cor do ano. Curiosamente, é justamente este elemento que se destaca negativamente na experiência. Afinal, ainda era um processo pouco desenvolvido e de resultados questionáveis, que fazia com que vários estúdios e fotógrafos da época favorecessem o preto e branco. O que se tem aqui certamente não é nenhum “Gone with the Wind“. Muitas vezes as cores em uma mesma tomada piscam em tons diferentes e, no geral, elas têm um caráter lavado e sem profundidade. Assim como a trilha sonora de Max Steiner, ora brilhante, ora excessiva, a cinematografia não um problema gigantesco, estando mais para um detalhe técnico infeliz.
No final das contas, dá para entender por que iriam querer refazer a mesma história tantas vezes. Não é por qualidade em si, pois imagino que se “A Star is Born” fosse muito marcante em seu tempo, provavelmente o estúdio iria pensar duas vezes antes de manchar o nome de seu sucesso, mais ou menos como aconteceu com a finada refilmagem de “Grand Hotel” dos Anos 70. Há um apelo inegável em uma história sobre celebridades que dura enquanto durar o interesse do público por elas e pelo cinema. Enquanto isso existir, a versão de 2018 provavelmente não será a última.
2 comments
Interessante
Não sabia que o novo com a Lady gaga é uma refilmagem desse (e de outros)
Ótimos comentários. Mas você omitiu a primeira e boa versão de 1932, ”What Price Hollywood?”.