“Porco Rosso” é um dos filmes mais populares da Ghibli. Merecidamente. Não está no mesmo patamar de “A Viagem de Chihiro” ou “Princesa Mononoke” e não há problema nisso: ele se garante como uma experiência excelente por si. Pode parecer estranho que justamente essa história seja popular, considerando que se trata de um porco voador e sendo mais um clássico caso de premissa esquisita que não dá indício imediato de como funciona. Felizmente, trata-se do Estúdio Ghibli, o mesmo responsável por fazer mágica com assuntos incrivelmente fantásticos e fantasiosos, por pegar os elementos mais excêntricos e incomuns e dar coerência a eles numa história bem amarrada.
Porco Rosso foi um grande piloto de avião durante a Primeira Guerra Mundial, reconhecido e admirado por qualquer um com um mínimo conhecimento sobre aviação até ser amaldiçoado e ganhar a aparência de um porco. A região do Mediterrâneo ainda é dominada pelo poder de aviões, seja lá qual for a afiliação: a força aérea italiana trabalha a favor do governo fascista; piratas do ar constantemente tentam roubar navios civis; Porco Rosso, voando sozinho, trabalha como caçador de recompensas atrapalhando as tentativas dos piratas. No entanto, a chegada de um competente piloto americano bagunça ainda mais a atrapalhada rotina dos aviadores.
Falar sobre “Porco Rosso” tem sido relativamente difícil. O que preenche esta análise pode dizer o contrário por palavras ocuparem o espaço vazio com conteúdo, porém o processo de escrita começa muito antes dos parágrafos surgirem. Às vezes um argumento claro aparece, enquanto casos como este dão um pouco mais de trabalho. Há uma opinião na forma de juízo de valor ao final do filme e apenas algumas idéias largadas sobre os porquês dele funcionar tão bem. Portanto não houve dúvida alguma de que gostei do filme, só não sabia dizer exatamente por quê.
Pode soar como o bastante, apenas saber que gostou da obra e decidir se foi a ponto de recomendar para outras pessoas ou apenas guardar para si a opinião. Mas não, infelizmente análises não se escrevem sozinhas. Depois de muito pensar a respeito dos porquês misteriosos de “Porco Rosso”, percebi que a escassez de pontos específicos para elogiar se dá por conta da simplicidade fluída que se encontra aqui. Tudo é muito simples, pouco ambicioso e, de alguma forma, bem-sucedido. É a história de um porco que pilota aviões clássicos e frustra os planos de piratas do ar. Fim. Por um lado, a linha geral da obra não é outra além dessa; por outro, há ramificações leves deste conceito junto de uma série de outros acertos que fazem o simples funcionar sem os males da pretensão. Definitivamente há entretenimento satisfatório a ser encontrado em um mundo de aviadores batalhando por dominância.
Sobre a qualidade da animação, é praticamente constatar o mesmo óbvio já constatado sobre outros filmes da Ghibli. Mesmo assim, “Porco Rosso” pode ser considerado uma celebração do dom da visão. São imagens vibrantes do céu e todas as possibilidades que surgem quando um imprevisível mar de nuvens se choca com a imensidão de um mar infinito, ambos cortados por aviões coloridos em movimentos fluídos e suaves. Ainda mais notável é a música e sua função essencial e até mais importante que em outras animações do estúdio: ela é a mão que conduz não só a ação, mas o espectador ao longo da experiência inteira. Parece simples, mas realmente é como se não se pudesse pedir muito mais de “Porco Rosso” do que imagens bonitas, bem dirigidas e acompanhadas de uma trilha sonora sublime.
Na prática, é infelizmente possível enxergar pontos que deixam o simples se tornar simplista. A história consegue se manter erguida e interessante ao focar na figura de Porco Rosso como alguém misterioso e até indiferente para tudo. Não há um culto de sua figura nem uma obrigação narrativa de explicar coisas, como tudo que ele fez antes dos eventos da trama ou o que causou sua maldição. No lugar disso, a história prende o espectador com o mistério da personalidade do porco e o que leva ele a fazer tudo o que faz, motivações nebulosas que não se deixam cair demais no egoísmo ou na falta de propósito, que seriam explicações relativamente rasas. Nenhum esforço é requerido para aproveitar essa jornada, porém ainda é possível pensar que algumas partes dela poderiam ser melhores. Certamente seria mais interessante ver algumas relações funcionando mais a fundo do que alguns breves comentários que apenas riscam a superfície, sugerem algo bom e nunca evoluem em algo mais, especialmente tratando da personagem Gina.
“Porco Rosso” não tem nada faltante. Há peças que poderiam existir e que seriam extremamente benéficas para o conto de um piloto de avião cujos problemas e questões mal resolvidas são refletidos diretamente em sua aparência. Nada de cabelos brancos, rugas de estresse e olheiras, o buraco é bem mais embaixo e poderia ser mais se as relações dele com outras pessoas tivesse mais presença que um comentário de uma garota interessada nunca explorado. A despeito destas questões, não há como reclamar do que é entregue. O grande motivo por trás da dificuldade em falar das conquistas de “Porco Rosso” é justamente sua humildade, por assim dizer, na tarefa de resgatar uma paixão pouco conhecida e em extinção. São poucos os filmes que conseguem fazer um espectador não entusiasta por um assunto específico — aviação clássica, neste caso — sentir a empolgação do vento no rosto e compreender verdadeiramente quaisquer sentimentos de nostalgia.